:: ‘Chico Pinto’
Chico Pinto e a aurora que sucede a noite escura
Barão de Pau-d´Alho / bddepd@gmail.com
Parece fundamental que se viva o presente com perspectiva de futuro, mas sem esquecer o passado. Dito o que, vamos a Marx (e que o comandante B., com sua equipe de lesos, não me queira arrancar as venerandas barbas por causa desta citação: “A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. (Marx, Karl: O 18 de Brumário de Luís Bonaparte/1852).
Em março de 1974, o ditador chileno Pinochet estava no Brasil, para a posse do colega brasileiro Ernesto Geisel. No dia 14 daquele mês e ano, o deputado Chico Pinto (Feira de Santana/1930 – Salvador/2008), na foto, fez, na tribuna da Câmara, o discurso corajoso que nos falta hoje. Um trechinho:
“O que nos vem do Chile é o fechamento de jornais, é a censura desvairada à imprensa remanescente. O que nos vem do Chile é a opressão mais cruel, de que nos dá ideia a reportagem e as fotos publicadas pela revista Visão, do campo de concentração da Ilha Dawson. O que nos vem do Chile é o clamor dos presos: Três mil mortos, segundo Pinochet declarou a Dorrit Harazim, da revista Veja …
Adiante, Chico Pinto externa “protesto e repulsa” pela presença indesejável dos vários Pinochets “que o Brasil,infelizmente, está hospedando”. Depois de chamar Pinochet de “assassino, mentiroso e fascista”, Chico firma que “Se aqui houvesse liberdade, o povo manifestaria seu descontentamento e sua ira santa, nas ruas, contra o opressor do povo chileno.” Em seguida, bate o último prego:
Para que não lhe pareça, contudo, que no Brasil estão todos silenciosos e felizes com sua presença, falo pelos que não podem falar, clamo e protesto por muitos que gostariam de reclamar e gritar nas ruas contra sua presença em nosso País.
Foi o suficiente: Em 28 de maio, veio a resposta da ditadura, impondo absoluto silêncio da mídia sobre o parlamentar:
De ordem superior, fica terminantemente proibida a divulgação, através dos meios de comunicação social, escrito, falado e televisado, de notícias, comentários, referências, transcrição e outras matérias relativas ao deputado Francisco Pinto.
Com o mandato cassado, Chico Pinto ficou preso no I Batalhão da PM de Brasília, só libertado em abril de 1975. Num intervalo fora das grades, ainda em1974, repetiu as críticas ao governo na Rádio Cultura de Feira de Santana, em entrevista ao festejado jornalista Lucílio Bastos), sendo outra vez processado (a ditadura, incontinenti, cassou a concessão da emissora). Dois anos depois, Chico seria absolvido pelo Supremo Tribunal Federal, por unanimidade.
O caso Chico Pinto-Pinochet está (muito bem) contado no livro A censura política na imprensa brasileira, do jornalista Paolo Marconi.
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Restou dizer que, antes da abolvição unânime no STF (era outro, o STF!), Chico Pinto entrou numa relação de “indultados” pelo general Geisel. O parlamentar recusou a “bondade” do ditador, em carta, com uma frase que é um símbolo de dignidade pessoal e coragem contra o arbítrio:
Rogo a Vossa Excelência que me livre de mais este constrangimento – o de um perdão que não solicitei”
Mais de quatro décadas depois, o ex-presidente Lula assumiu atitude semelhante, frente ao circo armado pelas autoridades brasileiras, quanto ao velório do irmão Vavá:
Dizendo que a decisão provocou “inequívoco constrangimento ilegal” a seu cliente, a defesa do ex-presidente informou ao ministro Dias Tofolli (produtor da canhestra decisão) que, por entender que o encontro com seus familiares horas após o sepultamento de seu irmão, na forma consignada na decisão (em uma unidade militar) terá o condão de agravar o sofrimento já bastante elevado de seus membros, o Peticionário informou à sua Defesa técnica que não tem o desejo de realizar o deslocamento nesta oportunidade”.
Diante da violência, há de manter-se a dignidade, alimentando o sonho de que não há mal que sempre dure, e que a noite escura precede o alvorecer. O sol nascerá.
PERFIL DO BARÃO
Prefeito de Feira de Santana deposto pela ditadura, Chico Pinto recebe simbolicamente mandato de volta
Deposto da prefeitura de Feira de Santana em 1964 pelo governo militar que se instalou no Brasil em março daquele ano, o advogado Francisco José Pinto dos Santos, que morreu em fevereiro de 2008, vai receber simbolicamente o mandato de volta, por meio da Comissão Estadual da Verdade – Sessão Feira de Santana. A solenidade acontece às 19h30 desta quinta-feira (8), na Câmara de Vereadores do município. Chico Pinto, como era popularmente conhecido, foi também vereador de Feira de Santana, cidade onde nasceu, e deputado federal pela Bahia por quatro mandatos.
A Comissão Estadual da Verdade é um mecanismo oficial de apuração de violações dos direitos humanos ocorridas especialmente entre 1964 e 1985, período da ditadura militar. Os integrantes da comissão são oficialmente investidos de poderes para identificar e reconhecer os fatos ocorridos e as pessoas desse processo, vítimas ou responsáveis pelas violências típicas do período.
Além do esclarecimento da verdade sobre as violações praticadas, a comissão contribui para a construção de parâmetros para reparações individuais – como a devolução simbólica do mandato de Chico Pinto -, coletivas e para a reforma das instituições das áreas da justiça e segurança pública. Deve ainda incentivar políticas públicas de educação para a valorização da memória, da verdade e da justiça.
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