:: ‘Manuel Leal’
Manuel Leal, ACM e o cheque pré-datado

Daniel Thame
Inicio da década de 90. A pretexto de inaugurar novas salas de aula numa escola da rede estadual, Antonio Carlos Magalhães, então o todo poderoso governador da Bahia, fez um ato público na praça Adami, centro de Itabuna.
Era só pretexto mesmo. O que ACM fez foi desancar, com a verborragia habitual, seu ex-aliado Manuel Leal, dono do jornal A Região, que lhe fazia ferrenha oposição.
Embora fosse à época o jornal de maior circulação no Sul da Bahia, A Região era tratada, bem ao estilo ACM, sem pão nem água pelo Governo do Estado. Publicidade zero.
Mas o caudilho queria mais. Depois de atacar Leal, que assistia tudo da sede do jornal, bem ao lado da praça que hoje leva seu nome, ACM falou sem rodeios:
-Quem for meu aliado, meu amigo, não anuncia nesse jornal de merda…
Dias depois, apareceu na sede do jornal um empresário com veleidades de entrar na política, para pagar um anuncio de sua loja.
E, para não deixar dúvidas, preencheu o cheque com data anterior ao discurso-ordem de ACM.
Manuel Leal, que não era Manuel Leal por acaso, não descontou o cheque.
Durante muito tempo exibiu-o, aos risos, aos amigos, como exemplo da “coragem” de alguns de nossos concidadãos.
O jornal, apesar das bravatas de ACM, sobreviveu e hoje, apenas em versão online, trocou o vermelho pelo azul, tudo a ver com a guinada que deu.
O velho capo não teve a mesma sorte.
Henenilson Chaves, Manuel Leal e o franguinho de Ano Novo
Dezembro de 1987. Ao lado de Manuel Leal, capo de A Região, faço uma reportagem com Helenilson Chaves, em vias de receber o bastão do Grupo Chaves de seu pai, Manoel Chaves.
Matéria típica de final de ano, para intercalar com as dezenas de páginas de anuncios da edição especial de Natal, em tempos pré-vassoura de bruxa e pré-internet, dois golpes num só na então pujante imprensa grapiuna.
Conversa amena, Helenilson exibindo o otimismo que o caracterizou e que se materializaria tempos depois (já em pleno apocalipse da bruxa vassourenta) no Shopping Jequitibá, e Leal estranhamente quieto.
Lá pelas tantas, rompe o silêncio e pergunta, como se não soubesse o que era:
-Helenilson, que cestas bonitas são essas?, referindo-se às bem fornidas Cestas de Natal e Ano Novo que ocupavam parte da sala e da sede do grupo, no Edifício Módulo Center.
-São para nossos funcionários, respondeu Helenilson, sem se dar conta do que viria.
E veio. Leal vira pra mim e diz:
-É Daniel, e lá no jornal vocês não terão nem um franguinho de Natal e Ano Novo.
A vontade que me deu era entrar embaixo da mesa (inútil, porque a mesa era de vidro), ou pular pela janela, o que me renderia alguns arranhões, posto que a sala ficava no 10º. andar.
Naquele longuinquo Natal e Ano Novo de 1987, recebemos cestas dignas de barão, como se dizia na época, um gentil oferecimento do Grupo Chaves.
E, Justiça seja feita: nos anos seguintes, com crise ou sem crise, Manuel Leal nunca deixou de nos regalar, não com o tal franguinho raquítico, mas com um peru, um panetone e um vinho no Natal e Ano Novo.
Desta feita, desta vez um gentil oferecimento de A Região.
Manuel e Daniel, o Arco e a Flecha…

Daniel Thame
-Eu soube que o senhor vai lançar um jornal e está precisando de repórteres…
-Você é de onde?
-São Paulo, cheguei há um mês aqui…
-Então começa amanhã…
-Mas o senhor não vai nem me pedir pra fazer um texto pra avaliar?
-Não precisa. Se você é de São Paulo é bom, pode vir amanhã cedo e começar a trabalhar…
-0-0-0-
Contado assim, 37 anos depois, parece até uma daquelas narrações inverossímeis, feitas para dourar a pílula e transformar um ato banal em algo digno de registro.
Mas foi exatamente assim que aconteceu naqueles meados de abril de 1987, num fim de tarde em que, levado por Vilma Medina (testemunha desse diálogo surreal), meu destino se cruzou com o de Manuel Leal e me fez mergulhar na aventura de uma vida que foi, durante os 13 anos em que lá passei como repórter e depois editor, trabalhar no jornal A Região.
13 anos, dez deles convivendo com Leal. O tempo permite o que em outras situações soaria como cabotinismo: o inigualável faro para a notícia e o destemor de Leal, somados a um texto cortante como uma navalha afiada e uma compulsão por grandes reportagens deste que ora vos escreve (puta que pariu, `dourar a pílula` e ´deste que ora vos escreve` são dignos de aposentadoria compulsória), foram a essência de um jornal que mais do que papel e tinta, era impresso com alma.
O arco se encontrou com a flecha.
Antes que a banda siga e o mundo gire, um adendo necessário: gente com muito mais talento para a escrita passou por A Região, mas não citarei nomes para não despertar egos adormecidos. Estou me referindo à simbiose de duas almas que o acaso (ou não) reuniu numa redação de jornal. Nisso, a união de Manuel com Daniel produziu uma rima e uma solução.
Foram 10 anos de Malhas Finas e Malhas Grossas, de reportagens inesquecíveis, manchetes de antologia, histórias (ao menos as publicáveis) que dariam um livro.
Quem senão A Região teria coragem de dar a manchete de fraude no Vestibular da Uesc, apostando num suposto gabarito jogado por baixo da porta da sede do jornal? A edição rodando, Leal me liga de madrugada:
-E se aquilo for uma falsificação?
Respondi com a única frase possível:
-Nós dois estamos fodidos.
As denuncias de fraude, com conhecimento prévio dos gabaritos por alguns privilegiados, principalmente nos cursos mais disputados, como Direito, eram recorrentes. Comprovada, mudou para sempre a história do vestibular na Uesc.
Quem senão Leal para perceber que um romance entre um fazendeiro de 70 anos e uma estudante de 13 era notícia nacional? Foi além: a história de Ferreirinha e Yolanda foi destaque até no Japão, com direito a uma impagável entrevista a Jô Soares em que Ferreirinha, orientado por Leal, repetia que sua propalada virilidade se devia ao suco de cacau. E eram tempos pré-viagra…
A carteirada de Manuel Leal

Walmir Rosário
Manuel Leal de Oliveira foi uma figura ímpar do Sul da Bahia. Eclético e desinibido, sempre esteve presente nas mais diversas ocasiões relevantes da política e da economia regional. Morou um tempo na Guanabara e São Paulo. Na capital carioca, trabalhou nos jornais Última Hora e Jornal do Commércio. Após tirar a “sorte grande” na Loteria Federal, volta a Itabuna.
Já em terras grapiúna, Manuel Leal adquire, com os recursos da premiação, uma fazenda em Firmino Alves (ex-Itamirim), onde por muito tempo ocupou cargos e a presidência do Sindicato Rural. Como sindicalista patronal rural, demonstrou prestígio e fez parte da diretoria do outrora Conselho Consultivo dos Produtores de Cacau-CCPC), chegando a ocupar cargos importantes, como a Secretaria.
Foi sócio de alguns empreendimentos, entre eles uma fábrica de balas e uma indústria de química que fabricava água sanitária e alvejante: a Alvex. Usando sua experiência adquirida na área de marketing dos jornais do Rio de Janeiro, promoveu uma revolução na comunicação de Itabuna, junto com o jornalista Cristóvão Colombo Crispim de Carvalho, ao promover o lançamento do produto utilizando o teaser.
Manuel Leal possuía verve afiada e uma facilidade incrível de fazer amigos – desafetos também –, tornando uma pessoa importante na sociedade regional. Foi fiscal da Prefeitura de Itabuna e, em seguida, nomeado fiscal do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC), que mais tarde se tornou o Instituto Nacional de Previdência Social (INSS), após a unificação do sistema.
20 anos sem Manoel Leal
Neste 14 de janeiro de 2018, completam-se 20 anos da morte do jornalista e diretor do jornal A Região, Manoel Leal, brutalmente assassinado num típico crime de mando.
A exceção da condenação do ex-policial Mozart Brasil, até hoje impera a impunidade, já que as investigações, propositalmente capengas, nunca chegaram nem perto dos mandantes.
A data passa quase despercebida, mas não deveria.
Verdade que a Bahia daqueles tempos trágicos em que a imprensa era silenciada a tiros não existe mais.
Não é menos verdade, entretanto, que enquanto a impunidade permanecer e não houver justiça, Manoel Leal será uma amarga lembrança para os que, como este blogueiro, tiveram a oportunidade de conviver com alguém demasiadamente humano, nas virtudes e nos defeitos.
Leal, o maior jornalista, no sentido literal na palavra, que essa terra (adubada com sangue, by Jorge Amado), já produziu.
Saudades do meu velho capo, com quem compartilhei alguns de meus melhores anos nessa trajetória sul-baiana que chega aos 30 anos de caminhada.
Manoel Leal, Eterno!
A Região, 30 anos. Manuel Leal vive!

Há exatos 30 anos, 27 de abril de 1987, circulava a primeira edição de A Região.
Nascia, pelas mãos de Manuel Leal, um jornal que marcaria época e se transformaria num dos principais veículos de mídia impressa no Sul da Bahia, com sua coragem de enfrentar os poderosos de plantão e produzir manchetes de antologia.

A primeira capa de A Região
Uma história que não se encerrou nem com a morte brutal de Manuel Leal, covardemente assassinado há 19 anos. Leal foi a chama que, a despeito de todas as dificuldades, mantem o jornal vivo até hoje.

A mais dolorida das capas
Neste final de semana, A Região traz uma retrospectiva das principais manchetes, como o escândalo da Sérvia, a fraude no vestibular da Uesc e o tráfico de crianças para a Itália, e depoimentos de quem atuou no jornal.documento para a história, embora A Região ainda tenha muita história pra contar.
Governo de Paulo Souto foi marcado por assassinatos de jornalistas e radialistas

A violência tem sido um dos temas mais explorados na campanha do DEM nas eleições baianas. Violência é algo que os profissionais de comunicação sentiram na pele durante os governos de Paulo Souto e ACM na década de 90. “Foi um período sombrio para os jornalistas e radialistas da Bahia”, lembra o vice-presidente da Associação Baiana de Imprensa, Ernesto Marques.
Na Bahia, onze profissionais de imprensa foram assassinados em dez anos, a maioria deles em crimes de mando, ligados ao exercício da profissão e quando faziam denuncias de corrupção envolvendo políticos ligados ao carlismo.
Os casos mais notórios de assassinatos de profissionais de imprensa envolveram os radialistas Ivan Rocha, em Teixeira de Freitas, Ronaldo Santana, em Eunápolis, e o jornalista Manuel Leal, diretor do jornal A Região, em Itabuna. ”O corpo de Ivan Rocha não foi encontrado até hoje e nos casos de Ronaldo Santana e Manuel Leal investigações mal feitas impediram que se chegassem aos mandantes, porque a regra era a impunidade”, diz Ernesto Marques.
Entidades como o Comitê de Proteção aos Jornalistas (EUA) , Sociedade Interamericana de Imprensa (EUA) e Repórteres Sem Fronteiras (França) cobraram oficialmente a apuração dos crimes, mas o governo carlista ignorou os pedidos. “A liberdade de expressão inexistia e quem se atrevia a denunciar sofria ameaças e em alguns casos pagava com a vida. Não podemos retroceder diante dos avanços que conquistamos com Wagner. Hoje a Bahia tem uma imprensa livre e o direito de opinião é respeitado”, afirma Ernesto Marques.
ACM, Manuel Leal e o cheque com data retroativa
Inicio da década de 90. A pretexto de inaugurar novas salas de aula numa escola da rede estadual, Antonio Carlos Magalhães, na época o todo poderoso governador da Bahia, fez um ato público na praça Adami, centro de Itabuna.
Era só pretexto mesmo. O que ACM fez foi desancar, com a verborragia habitual, seu ex-aliado Manuel Leal, dono do jornal A Região, que lhe fazia ferrenha oposição.
Embora fosse o jornal de maior circulação no Sul da Bahia, A Região era tratada, bem ao estilo ACM, sem pão nem água pelo Governo do Estado. Publicidade zero.
Mas o caudilho queria mais. Depois de atacar Leal, que assistia tudo da sede do jornal, bem ao lado da praça, ACM falou sem rodeios:
-Quem for meu aliado, meu amigo, não anuncia nesse jornal de merda…
Dias depois, apareceu na sede do jornal um empresário com veleidades de entrar na política, para pagar um anuncio de sua loja.
E, para não deixar dúvidas, preencheu o cheque com data anterior ao discurso-ordem de ACM.
Manuel Leal, que não era Manuel Leal por acaso, não descontou o cheque. Durante muito tempo exibiu-o, aos risos, aos amigos, como exemplo da “coragem” de alguns de nossos concidadãos.
O jornal, apesar das bravatas de ACM, sobreviveu. O velho capo não teve a mesma sorte.
Canto da Sereia tem o toque de fonoaudióloga itabunense
A minissérie “O Canto da Sereia”, da Rede Globo, que termina hoje, além de ter na ficção uma protagonista que nasceu em Itabuna, tem o toque de uma itabunense na vida real.
A atriz mineira Isis Valverde, que vive a cantora de axé Sereia, passou dois meses em Salvador, fazendo tratamento nas cordas vocais com a fonoaudióloga Valéria Leal.
Além da voz, Valéria Leal, filha do jornalista Manuel Leal, fundador de A Região, ensinou o gestual baiano a Isis.
Há 17 anos Valéria pesquisa, escreve e ensina sobre o comportamento vocal dos cantores de trio, além de monitorar e preparar a voz de artistas como Daniela Mercury, Margareth Menezes, Carlinhos Brown, Tomate, Alline Rosa, Léo do Parangolé e outros.















