Walmir Rosário

Guardo muitas recordações dos tempos de menino, entre elas as boas brigas por apelidos,
gentílicos, etnônimos, topônimos, principalmente os vistos como depreciativos. E não era
pra menos, imagine um itabunense ser chamado taboquense, por ser Tabocas o nome do
distrito que deu origem a Itabuna. Pior, ainda, e totalmente sem cabimento, o nascido em
Itabuna ser chamado de papa-jaca pelos ilheenses. Por pouco não é declarada uma
guerra, finalmente, pacificada agora por Afonso Dantas.

Eu mesmo já sofri muito com os preconceituosos gentílicos por ter nascido em Ibirataia,
nomeada de Tesouras quando ainda distrito de Ipiaú (também papa-jaca). Em 1960,
finalmente, Ibirataia ganha sua “carta de alforria” e passa a ser cidade, município. Para
fazer a população e os “de fora” se acostumarem com o novo nome, o prefeito teria tido
uma conversa de pé de ouvido com o delegado, que proibiu Ibirataia ser chamada de
Tesouras. E as ameaças não eram poucas, inclusive com a permanência de uns dias de
xilindró.

Mas em Itabuna era inaceitável ser chamado de papa-jaca, notadamente pelos ilheenses,
que não se conformavam em ter perdido o domínio sobre a nova Itabuna, mormente pelos
contos de réis que embolsavam nos tempos de Tabocas. Pois bem, a rivalidade era
acirrada, pois Itabuna se agigantava e exibia uma Associação Comercial (em Ilhéus ainda
não existia), ganhava no futebol, no comércio, enfim, ameaçava – de verdade – a
hegemonia de Ilhéus.

Como não sou historiador, não fui nem irei à cata de documentos para fazer as devidas
comprovações do que digo, pois sabidamente está na boca do povo. E o gentílico papa-
jaca nasceu por pura inveja dos ilheenses, pelo simples fato dos itabunenses ignorarem,
também, os restaurantes e pensões de Ilhéus, quando iam à praia da Avenida. Na
carroceria de caminhões, os itabunenses levavam seu farnel, reforçado com feijoada,
farofa de jabá e uma boa jaca, saboreada como sobremesa, para a inveja dos ilheenses.

Depois disso, pelo que soube por gente da minha inteira confiança, e fui conferir que até o
conterrâneo Jorge Amado (ele itabunense de fato e eu por direito), no livro Terras do
Sem-fim, renegou a origem e descreveu ser o papa-jaca gente de Itabuna, pessoas
rústicas, mulheres de comportamento duvidoso e homens violento, às vezes cornos. Fiquei
puto da vida, mas não vou brigar com um conterrâneo, e que já se foi deste mundo.

Inconformados com a independência e altivez do itabunense, os ilheenses partiram para a
galhofa, retrucada em seguida com o gentílico papa-caranguejo, por motivos óbvios. Aí é
que rivalidade aumentou, chegando às raias do quebra-pau. Lembro-me que à época o
sentimento de pertencimento com a cultura popular não era aceito e os gentílicos e
etnônimos malvistos e resolvidos na porrada.

Mesmo em tempos recentes, um desprestigiado e despudorado juiz de direito (hoje ex)
chegou a tentar denegrir o presidente da OAB itabunense, tendo o desplante de chamar o
causídico de papa-jaca, como se ofensa fosse. Em resposta, no Forró do Advogado, em pleno Alto Beco do Fuxico, foi esculachado em uma música criada pelos advogados
itabunenses, que foi hit por meses a fio, colocando o tal do então magistrado em seu
devido lugar, o lixo.

Com o passar do tempo, os malvistos passaram a ser benquistos e incorporados como
bens imateriais. E cito aqui um fato comprobatório: Na década de 1970, o paratiense, cujo
gentílico era papa-goiaba, recusava terminantemente ser chamado de Caiçara, rebatendo
o adjetivo, por considerar pejorativo e somente se aplicar aos moradores do litoral
paulista, e não aos “beiradeiros fluminenses”. Hoje acredita ser um deles e aceita os dois
gentílicos com todos os mimos.

Mas voltando à nossa paróquia, já aceitamos e adotamos os gentílicos e etnônimos,
mesmo que os topônimos não tenham nenhuma ligação. Nada mais chique do que desfilar
por aí – em Itabuna, Ilhéus, Salvador, Nova Iorque ou Paris – com uma vistosa camisa
criada pelo publicitário e cronista Afonso Dantas, com a bela figura de uma jaca ricamente
estampada, arrematada logo abaixo com a pomposa legenda: Papa-jaca. Tudo isso teve
início quando Afonso passou a criar camisas com gírias e expressões tiradas das raízes
mais profundas do vocabulário “baianês”. Lá ele! Tô fora!

É de meter inveja aos ilheenses, que ficam putos da vida, por sentir o efeito contrário da
galhofa: em vez da raiva anterior, o itabunense demonstra sabedoria e pertencimento.
Trocando em miúdos, fez do limão uma limonada. E o projeto de Afonso Dantas não se
resume a Itabuna, pois muitas cidades da região cacaueira – a nação grapiúna – esnobam
as demais, e apresentam a jaca como figura e adereço cultural maior.

A criação das camisas ganhou o mundo, como já disse, e elevou a autoestima do
itabunense, papa-jaca sim senhor, e com muito orgulho. Tanto assim que perdoou o
conterrâneo Jorge Amado, acreditando ter sido influenciado pelos coronéis ilheenses da
época, putos da vida com o desenvolvimento de Itabuna. Hoje, papa-jacas e papa-
caranguejos dividem e convivem o mesmo espaço praiano com a mais perfeita harmonia.

Daqui de Canavieiras, onde me refugiei há mais de uma dezena de anos, tomei ciência
que o gentílico papa-caranguejo é palavra corrente para distingui-los. E como se não
bastasse, eles ainda ressaltam que é a iguaria mais gostosa, além das mais belas pernas
da Bahia. Sem qualquer descortesia, Trajano Barbosa utilizou o caule da jaqueira como
mastro na festa do “Pau de Bastião” por mais de 60 anos, na famosa festa da Capelinha.

Nada mais brega do que a velha rivalidade entre papa-jacas e papa-caranguejos.

 

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado