Daniel Thame

Início de 1987. Recém chegado a Itabuna e já trabalhando no jornal A Região, contratado após uma frase típica da Manuel Leal ao saber de onde eu vinha (“se é  de São Paulo começa amanhã”, sem me pedir pra rabiscar um papel de embrulhar pão; como se vê sou de um tempo em que se embrulhava pão com papel).

 

Dito isto, e posto que em Osasco (SP) eu trabalhava como jornalista e radialista, bati às portas da Rádio Clube (depois Nacional) onde me apresentei e, ao contrário de Manuel Leal, fui recebido com desconfiança  por Son Gomes, filho do lendário Daniel Gomes, dono da emissora:

 

-Quem garante que você não vai usar o nome da rádio, dar uns golpes no comércio e se mandar?

 

Hoje parece grosseira, mas era quase praxe. O sujeito vinha atraído pela fama de cidade rica por conta do  cacau, conseguia emprego nas rádios e dava golpe mesmo.

 

Respondi com todo jeito possível:

 

 

-Son eu não vim  pra aventurar, vim pra fincar raízes aqui (como de fato finquei, grapiúna que me tornei)

 

Consegui o emprego na briosa equipe de esportes, que mesmo enfrentando a concorrência da estrelada Rádio Jornal, vinha dando conta do recado e conquistando audiência. Se em Osasco  eu era repórter de campo, em Itabuna fui contratado como comentarista.

Apesar do sotaque do interior paulista, carregado de erres que  mantenho até hoje,  ainda que falando um autêntico baianês, acabei escalado para os cobrir os jogos do Itabuna, que então tinha um time capaz de encarar Bahia e Vitória.

 

E chegamos aos finalmente, os motivos dessa croniqueta.

 

Num  dos primeiros jogos em que trabalhei, Itabuna x Leônico, se não me engano, com dez minutos de jogo o repórter tasca a pergunta:

 

-Daniel, o técnico não deveria ter escalado o Adailton  na ponta direita?

 

Eu lá sabia quem era o tal Adaiton? Mas,  recém chegado,  fiz a velha média:

 

-Com certeza Adailton seria uma boa opção.

 

A bola continua rolando, e  lá pelos 25 minutos, a mesma pergunta:

-Você não acha que o Adailton tá fazendo falta e o treinador deixa ele no banco?

 

Mais média:

-Pelo desenrolar do jogo, Adailton  seria daria mais objetividade ao ataque, que não está bem..

 

(Mas quem é essa p… de Adailton?)

 

Final do primeiro tempo, 0x0 no placar e o repórter:

-Com certeza o técnico volta com o Adailton no segundo tempo não é Daniel?

 

-Com certeza meu caro repórter…

 

No intervalo, durante os comentários o repórter me interrompe pra insistir que  o time deveria voltar para o segundo tempo com Adailton.

 

(Ai eu pensei, puta que pariu,  esse Adaiton deve ser a reencarnação de Garrincha e até me imaginei invadindo os vestiários junto com o repórter para forçar a escalação do craque que eu nem sabia que era).

 

O time voltou sem Adailton, o repórter continuou cobrando a entrada dele  a cada cinco minutos, e  eu concordando sem saber se Adailton era branco, preto, vermelho, azul ou amarelo.

 

0x0, jogo medonho, e lá pelos 25 minutos, Glória Aleluia, o técnico coloca o Garrincha, perdão o Adailton em campo, para o gáudio do repórter, que além de entrevista-lo no maior entusiasmo só faltou entrar em campo com o jogador.

 

(Agora que é que esse cara faz uns cinco gols e mostra como esse técnico é burro), pensei de novo.

 

Não marcou gol nenhum, errou uns cinco cruzamentos e, tem dias que de noite é  assim, tentou um drible, no final do jogo, e perdeu a bola  que permitiu o contra ataque que resultou no gol da vitória do Leônico.

 

E o caro repórter disse  o que?

Nada disse, porque um providencial defeito no microfone o deixou mudinho da silva.

Nos jogos seguintes, era como Adailton nem houvesse existido. Voltou pro banco de reservas, depois dispensado pelos serviços não prestados e jogo que segue…

E vida que segue também!

Em atualização: depois do vergonhoso 8×0 na Copa  do Brasil, a cidade clama:

ESCALA O ADAILTON!!!