Reportagem da revista Globo Rural revela expansão da lavoura cacaueira no Pará. Sul da Bahia pode ficar para trás.

 

Cacau volta à Amazônia

O Pará, Estado onde o cultivo cresce mais rápido no país, registra o triplo da produtividade da Bahia

por Luciana Franco | Fotos Ernesto de Souza

 

O Brasil, que nas últimas décadas viu a produção interna de cacau despencar, por conta principalmente da alta incidência do fungo que causa a vassoura de bruxa, ensaia um movimento de recuperação que já na safra atual pode somar 200.000 toneladas, uma alta de 17% em comparação ao período anterior. Além da retomada da safra na Bahia, que responde por 70% da colheita nacional, o Pará, que hoje se destaca como segundo maior produtor do país, tem grande potencial de expansão para a cultura. “É no Pará onde a produção mais cresce no Brasil”, avalia Thomas Hartmann, analista da TH Consultoria. Segundo ele, a Bahia tem grande importância histórica para o cacau, mas é no Pará que está o futuro da amêndoa. A importância da cultura é tão grande que o Estado já tem sua própria “capital do cacau”: o município de Medicilândia, situado às margens da Rodovia Transamazônica, onde 70% da população, estimada em 27 mil habitantes, reside na área rural.

Medicilândia conta hoje com 27 milhões de pés de cacau, ou 1.000 pés por habitante, e há mais de três décadas é o destino certo para quem quer se aventurar na produção da amêndoa. Com infraestrutura precária, economia em desenvolvimento e PIB per capita de R$ 4.300, o pequeno município, fundado em maio de 1989, parece ter as mesmas características da Ilhéus do início do século passado: terra boa e agricultores ávidos por riqueza. “Na década de 1970, desenvolvemos um programa para que o cacau retornasse à sua origem, que é a região amazônica, e foi elaborado um material híbrido altamente produtivo para ser cultivado no Pará”, diz Paulo Henrique Fernandes Santos, coordenador da área de pesquisa de cacau da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) de Altamira (PA).

E, assim como aconteceu na Bahia no final do século XIX, o governo brasileiro doava terras para quem quisesse plantar cacau no Pará. Em meados da década de 1970, quem ganhasse um lote de 100 hectares e o desmatasse em, no máximo, um ano recebia outro do mesmo tamanho. Foi dessa maneira que, aos poucos, a região antes ocupada por exemplares nativos foi cedendo espaço à cacauicultura. E hoje na terra roxa do Pará o cacau convive harmoniosamente com espécies nativas. A recomendação da Ceplac é que as lavouras sejam instaladas sob um sombreiro provisório – a banana, posteriormente retirada – e cultivadas junto com essências nativas, como mognoipê,cumaruandirobajatobá, entre outras espécies da Amazônia, que serão usadas para o sombreamento permanente das lavouras.

O agricultor Antonio Teixeira de Lira foi um dos primeiros a chegar à região, em 1970. “Vim sem destino certo e meu primeiro trabalho foi a derrubada de árvores para os índios”, diz. Em 1976, ele começou a trabalhar nas roças de cacau e lembra-se de ter cultivado em viveiros as primeiras mudas criadas pela Ceplac. Em 1986, montou sua própria lavoura e hoje cultiva 100 hectares consorciados com café e açaí. “Neste ano, estou colhendo 1 quilo por pé, mas sei que dá para melhorar”, diz Antonio, que tem como principal mão de obra nas lavouras seus filhos e parentes. “Com a construção da Usina Belo Monte aqui na região, os trabalhadores não querem mais ficar no campo”, diz Lira.


A predominância da mão de obra familiar é uma forte característica das lavouras do norte do país. Nessa região, a sucessão familiar é comum e os filhos dos proprietários de terras ou assumem a gestão das fazendas junto com os pais ou adquirem seus próprios lotes. É o caso de Ivan Gotardo, de 22 anos, que já tem, há dois anos, sua própria roça de cacau, com 10 mil pés. Seu irmão, Ivanilson, de 17 anos, também formou sua plantação em 2011, com 15 mil pés. Ambos, além de cuidarem do manejo de suas lavouras, também trabalham nas roças do pai, o agricultor Valmir Gotardo, que foi do Paraná para Medicilândia em 1984 e hoje mantém 72 hectares, onde cultiva 72 mil pés de cacau. “Neste ano, estamos com uma produtividade bastante alta, de 2 quilos por pé de cacau”, diz Valmir. Uma produtividade que chama a atenção, já que, em geral, o rendimento no Estado se situa, em média, em 1 quilo por árvore, enquanto na Bahia a média baixa para 300 gramas por pé. “A capacidade produtiva da planta é ainda maior, de 2,5 quilos por hectare, mas ainda não está sendo aproveitada”, diz Paulo Santos, da Ceplac. Segundo ele, os técnicos da entidade estão trabalhando para melhorar o manejo das lavouras a fim de elevar tanto a produtividade das plantas como aprimorar os cuidados pós-colheita.

LUCRO REINVESTIDO

Na região de Altamira, maior polo de produção do Estado – que contempla os municípios de Altamira, Vitória do Xingu, Medicilândia e Brasil Novo –, existem cerca de 40.000 hectares cultivados com cacau, que devem render neste ano uma safra de 53.000 toneladas. No Pará, a área destinada ao cultivo cresce todo ano. “Temos nesta safra uma demanda de 20 milhões de sementes, mas nossa capacidade de produção é de apenas 14 milhões de unidades”, diz Santos. Segundo projeções da Ceplac, 16.000 novos hectares devem ser incorporados ao cultivo no Estado. A produção de 2012 está estimada em 85.000 toneladas, alta de 30,7% em relação à safra de 2011.

Resultado do esforço conjunto dos agricultores, que têm por hábito investir na expansão das lavouras quase todo o lucro que a cultura lhes proporciona. A produtora Gabriela Soares, hoje com 78 anos, chegou ao Pará em 1980 e começou a plantar cacau em 1982. Atualmente, mantém 42 mil pés produzindo e está fazendo um trabalho com os técnicos da Ceplac para melhorar a qualidade e a produtividade, em torno de 1 quilo por hectare. “Plantei 6 mil novos pés em janeiro de 2010 e vou plantar mais 3 mil pés neste ano”, conta Gabriela, que divide a colheita com os sete meeiros que trabalham em sua propriedade. “Acho justo eu ganhar e eles também”, diz.

 

Apesar da queda na moagem das processadoras de cacau no segundo trimestre deste ano, a expectativa de que o processamento de cacau nos grandes centros do mundo seja 2% maior neste ano está dando sustentação aos preços da amêndoa. No Pará, as cotações se situam entre R$ 4,70 e R$ 6 por quilo, menores que as do ano passado, mas remuneradoras.

Para a agricultora Maria Concebida Maciel Tabosa, que planta cacau orgânico, os preços estão acima de R$ 6 por quilo de produto certificado. “Vendemos parte de nossa produção para a Natura, exportamos um pouco para a Suíça e o restante vendemos no mercado interno”, diz Maria, que chegou ao Pará em 1974 e hoje mantém 350 hectares de terras na região, dos quais cultiva 80 hectares com cacau orgânico. Seus oito filhos é que tomam conta das lavouras. “Neste ano, plantamos mais 2.500 pés. O plano é continuar investindo em terras e lavouras”, diz a agricultora de 63 anos, que mantém 19 meeiros em sua propriedade.

á na Bahia, a safra está estimada em 135.000 toneladas para este ano, alta de 6,2% quando comparada ao período anterior. No Estado, símbolo da produção de cacau no Brasil, os esforços no combate ao fungo causador da doença vassoura de bruxa surtiram efeito e a produção começa a ser retomada. A Ceplac tem tido papel fundamental nessa retomada, com destaque para um projeto de conservação produtiva que visa capacitar produtores para o uso detecnologias sustentáveis.

No cenário internacional, o Brasil se posiciona entre o sexto e sétimo lugares no ranking dos maiores produtores mundiais, dependendo do volume produzido mundialmente. A Costa do Marfim, maior produtor mundial, deve colher uma safra de 1,41 milhão de toneladas na safra 2011/2012, que começa no próximo mês de outubro e se encerra em setembro de 2013. No mesmo período, a oferta mundial de cacau deve somar 3,9 milhões de toneladas, o que, segundo a International Cocoa Organization (Icco), deve gerar um deficit de 43.000 toneladas entre a oferta e a demanda. Apesar da retração nos países desenvolvidos, o aumento do consumo de chocolate nos países emergentes mantém a demanda aquecida e dá sustentação aos preços da commodity.