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Daniel Thame, jornalista no Sul da Bahia, com experiência em radio, tevê, jornal, assessoria de imprensa e marketing político danielthame@gmail.com

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A ilusão argentina

 

André Maynart Cunha Alves

 

Terça, 22 de novembro de 2022. Minha aula iria começar mais tarde, às 9:30h, por causa do jogo da Argentina. Conheço poucos que não estavam apostando em um passeio total da seleção invicta há 35 jogos, atual campeã da Finalíssima e da Copa América. Eu mesmo apostei num 4×0 para a Albiceleste.

 

Quando eu acordei, a Arábia Saudita havia acabado de virar. 2×1.

 

No caminho à escola, já com a zebra histórica decretada, silêncio total. O porteiro do colégio estava parado ao lado da entrada principal, olhando para o nada e para o céu.

 

Dá para saber que a Argentina perdeu só pelo volume das vozes dos seus nacionais – eles falam baixo, quase timidamente, resmungando quando perguntados sobre a derrota.

 

– Se a gente não conseguir ganhar, quero que pelo menos uma seleção sul-americana ganhe. Até vocês e seu jogo bonito (eles pronunciam como zoogo bunitú).

 

Minha sala era uma das mais barulhentas e caóticas da escola. Naquela manhã, recebemos elogios pelo bom comportamento. Fui recebido com vários “cerrá el orto” – um jeito particularmente grosseiro de dizer “cale a boca” – toda vez que eu mencionava futebol. Ou que abria a boca, no geral.

 

26 de novembro de 2022. Era um sábado, mas um daqueles sábados com sabor a dia de semana. Se falou de um compromisso, mais importante que qualquer descanso de fim de semana, de terça a sexta. A possibilidade de a seleção morrer na fase de grupos perdendo contra México (!) e Arábia Saudita (!!!) já era tratada como uma tragédia.

 

Meu medo era de o país cair na anarquia se a Argentina perdesse. Ou que ocorressem suicídios em massa, a là Jonestown. Eles são capazes.

 

Estava vendo o jogo, meio descompromissado – porque estavam quebrando a bola. Era uma daquelas partidas que os dois times têm tanto a perder que ninguém acerta nada.

 

Até Messi achar uma bola muito pouco pretensiosa e acertar um chute de longe.

Gritos por toda a rua. Rojões explodiam sem parar. O ar ficou mais leve. O momento era mítico: O Messi-as havia ressuscitado após quase andar pelo reino dos mortos.

 

O jogo havia terminado, mas os rojões continuavam. Buzinas também tocavam, os jardins dos vizinhos se enchiam de gente para comer um churrasco pós jogo. Em Buenos Aires, no Obelisco, não foram poucos os que foram pessoalmente agradecer ao espírito argentino por não  deixá-los passar uma vergonha tão grande.

 

A Argentina voltou a ser a Argentina. A Argentina que provocava, que previa eliminações prematuras de rivais; o povo que me dizia que o Brasil não era nem metade do que era a Argentina. O que despreza Pelé e diz que Neymar não decide nada – chamam-no de pecho frio, peito frio, que seria o equivalente a pipoqueiro.

 

O país emotivo, ilusionado. Aqui, chamam a esperança pela vitória na Copa de ilusão, como se fosse uma loucura achar que pode ganhar – até porque é proibido prever a vitória da seleção argentina. Dá má sorte; preferem alargar a frase para “se acontecer o que queremos que aconteça” a dizer “se ganharmos”. Assim como ver o jogo da Argentina em qualquer lugar que não tenha sido onde se viu a primeira vitória na Copa. Ou usar outra camisa além da argentina. Comemorar a vitória antes da hora com argentinos ao lado rende, pelos menos, uns bons minutos de ofensa.

 

 

Domingo, 4 de dezembro de 2022. O Brasil havia perdido, jogando com os reservas 2 dias antes, contra Camarões. Mas, para um argentino, importa pouco se eles haviam perdido contra a Arábia Saudita com os titulares: eles não perdem a menor oportunidade de provocar. Eu e outra colega éramos os únicos brasileiros contra 27 argentinos falando em Camarões em toda oportunidade.

 

Provocação, provocação e provocação. Dizem os argentinos que, enquanto o futebol brasileiro foi criado ao som de um samba alegre, o argentino foi criado ao som de um tango melancólico. Foi criado com ódio apaixonado – o futebol é um terapeuta para quem joga e quem vê. É onde todo sentimento reprimido – amor, raiva, tristeza – se libera, e toda conta desacertada com o conhecido, torcedor do time rival, se acerta com provocações e ofensas. Onde a máscara de bom moço, educado e civilizado, do argentino pode cair sem consequências.

 

Com a Albiceleste já nas quartas, tudo parecia levar a uma partida entre Brasil e Argentina. E não era pouco razoável temer pela minha integridade física. Tive um gostinho do que pode acontecer na final da Copa América: uma lembrança da partida em toda ocasião possível depois da derrota brasileira. Por seis meses, toda vez que algum colega meu começava alguma frase, iniciava com “primeiramente…” e seguia com “e segundamente, Brasil”.

 

Agora, se o Brasil ganhasse da Argentina numa semifinal de copa…

 

 

Sexta, 9 de dezembro de 2022. Eliminação do Brasil contra a Croácia. Logo em seguida, uma mensagem do meu amigo por WhatsApp:

 

“E a sexta? O hexa não ia vir? Hein?”

 

Respondi falando que a Holanda ia ganhar deles com uma mão nas costas. Que um time que quase levou o empate contra a Austrália não ia ganhar da Holanda.

 

Mas ganharam. Nos pênaltis, com uma exibição fantástica do Dibu Martínez – o goleiro da seleção, quase tão venerado quanto Messi.

Agora, o ar era outro. Não era só uma ilusão, a esperança que todo time tem de ganhar a copa. A chance de a Argentina ganhar era real.

 

E surpreendentemente foi aí que eles acalmaram. Que pararam de xingar, de provocar.

 

Era um estado de foco total. Todo o país se importava pouco com quem foi ou como foi eliminado; a preocupação era eliminar mais dois. Serenos, não se falava da dificuldade das disputas ou sobre a possibilidade de eliminação.

 

Terça, 13 de dezembro de 2022. A Argentina dominou, do começo ao fim, a Croácia que nos havia eliminado. Um 3×0 sem sustos. Nem mesmo com eles eliminando nosso algoz escutei algum comentário. Talvez pela superstição de que uma falar algo naquele momento poderia levar à derrota na final, talvez por se importarem com a final e nada mais.

 

Sexta, 16 de dezembro de 2022. Nesse dia, comemorei minha festa de aniversário. Era meia noite quando vi um amigo meu, que mal havia chegado, deitado no sofá, quase dormindo.

 

– Tudo bem? – perguntei.

– Sim, sim. Só ando dormindo mal, sabe?

– Ah, é? Por quê?

Ele deu aquele sorriso orgulhoso que os argentinos dão quando se fala de futebol.

– Por causa do domingo…

 

 

Domingo, 18 de dezembro de 2022.

 

O país foi abaixo 4 vezes: Nos 2 gols do primeiro tempo, no gol da prorrogação e nos pênaltis.

 

Aí eles lembraram de mim.

 

Quando abri meu Whatsapp, mais de 10 pessoas haviam me mandado memes, fotos comemorando e áudios desaforados. No grupo da sala, um colega mandou uma foto em cima de um semáforo – uma tradição argentina quando a seleção ganha – com a legenda “imagina que triste não poder estar comemorando assim agora”. Caos total. Até gente que eu não conhecia manda vídeos cantando músicas argentinas falando do Brasil.

 

Todo torcedor, de Buenos Aires a Mendoza, de Misiones a Tierra del Fuego, tem como objetivo máximo poder discutir com o rival numa posição superior. O futebol, para o argentino, nasceu para o simples fim de discutir e xingar com propriedade.

 

Até pouco, eles estavam abatidos, nervosos. Até chegavam a elogiar o Brasil. Mas uma terceira estrela muda a história.

 

Anos duros virão. A arrogância argentina voltou.

 

André Maynart Cunha Alves, brasileiro, 18 anos,  é  estudante,  e atualmente  mora em Cordoba – Argentina

8 respostas para “A ilusão argentina”

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