José Nazal

 

Impressionante como casos do cotidiano nos lembram fatos guardados em nossa memória, adormecidos em nossas longínquas e afetivas lembranças. Parece até uma coisa mágica, mas na verdade é uma das maravilhosas dádivas do Nosso Criador.

Tempos atrás, no café da manhã, fui me servir de uma rodela de batata doce e, no trajeto entre a vasilha e meu prato a batata escapuliu do garfo e caiu dentro da xícara do café. Caiu tocando na borda da xícara, fato que me fez saudar o momento dizendo alto: *“xui!”*. Janine, que estava ao meu lado exclamou: “oxe meu pai! Não é *“xua”*? Rindo muito, passei a explicar.

No início dos anos 70, o esporte em Ilhéus fervilhava, de modo especial os esportes de quadra, pois a cidade tinha uma das maiores arenas desportivas, legado do então prefeito Herval Soledade, que empresta seu nome ao equipamento. Naquela época tinhas todas as modalidades esportivas em atividade: futebol de salão, basquete, voleibol (masculino e feminino) e também salto em distância, corridas rápidas e de fundo, que eram praticadas na pista do Estádio Mário Pessoa. Os jogos eram à noite, sempre às terças, quintas e sábados.

Com as arquibancadas sempre cheias e a popularidade em alta, as atividades esportivas tinha transmissão por parte de emissoras locais e o maior entusiasta era o saudoso Paulo Kruschewsky, campeão em driblar as dificuldades para executar as transmissões. Era uma alegria só, porque ele não dispensava narrar os jogos levando consigo um isopor com algumas cervejas.

Uma das dificuldades das transmissões é que no ginásio de esportes não havia cabines de rádio e, para resolver o problema, os equipamentos de transmissão eram montados no balcão superior, acima dos vestiários e sanitários que ficava onde hoje está funcionando parte da SUTRANS.

Certo dia, durante a narração de um jogo de basquete, depois de degustar algumas cervejas ao lado de Guerrinha (que gostava de assistir os jogos do balcão), Paulo sentiu necessidade de ir ao banheiro, para jogar fora a cerveja de quem fora intermediário. Como o jogo estava em andamento, ficou imaginando como fazer para não parar a narração. Quando o desespero aumentou, olhou para o lado e viu Dalton Gomes, que era apaixonado por rádio e vivia doido para participar de uma transmissão. Não teve jeito, durante os segundos antes da cobrança da falta Paulo disse: “Dalton, narra aqui um pouco enquanto vou sair para resolver um problema. É rapidinho”. Dalton, com os olhos brilhando de alegria, aceitou na hora.

Falta cobrada e o jogo em andamento, Dalton narrou a primeira cesta de sua vida. Tremendo, em um misto de alegria e medo, virou-se para Guerrinha que estava ao lado e perguntou: “Guerrinha, como é que diz quando a bola entra na cesta sem tocar no aro?”. Incontinenti, com sua verve e tirocínio impressionante, o velho Guerra respondeu: “Quando entra sem tocar no aro é *“xuá”* e, quando toca, é *“xui”*.

Pronto. No rápido período que narrou o jogo, foi um festival de *“xui”* como nunca se viu numa narração esportiva. Tempos depois Dalton Gomes se tornou advogado e eu sempre o tratava como *“Doutor Xui”*. Ele ria e dizia: “Eita Nazal, você não esquece”.

 

 

José Nazal é Ilheense, com I maiúsculo