Débora Spagnol

 debora 2Nem sempre uma sentença judicial é capaz de trazer paz. O que geralmente acontece é que as partes, após extensa briga judicial e – não felizes com a prestação jurisdicional prestada pelo Estado – “recebem” ou “pagam” o que lhes foi determinado. Poucos são os que se dizem satisfeitos com o resultado de uma demanda e menos ainda aqueles que se dizem “em paz”. Justamente por isso comumente se define um processo judicial como “litígio”: contenda, briga, disputa. Controversos são os direitos que as partes acham possuir.

Na contramão dessa verdadeira “briga de forças” que impregna nosso Judiciário, há um novo ramo do direito que se propõe a gerar “sentenças” pacificadoras através da utilização das “constelações familiares”: o Direito Sistêmico.

O termo foi primeiramente cunhado pelo Juiz baiano Sami Storch – considerado o precursor da utilização das constelações sistêmicas no Brasil – e tem como base a psicoterapia terapia criada pelo alemão Bert Hellinger.

O método das “constelações familiares”, por não ter sido validado cientificamente (motivo pelo qual somente permite uma abordagem informal), foi criado por Hellinger através de informações empíricas obtidas enquanto era missionário na África do Sul, conjugando o estudo da psicanálise e das  diversas formas de psicoterapia familiar, os padrões de comportamento que se repetem nas famílias e nos grupos familiares ao longo das gerações. (1)

Apoiando-se em alguns conceitos do psicodrama, da teoria de evolução dos “campos morfogenéticos”, da física quântica e da “análise de histórias”, Hellinger descobriu que muitos problemas, dificuldades e mesmo doenças de seus clientes estavam ligados a destinos de membros anteriores do seu grupo familiar.

O propósito da constelação, assim, visa olhar para além do indivíduo: é olhar para algo maior, para ligações ou conexões além das óbvias, para o amor que une o grupo e faz os indivíduos se sacrificarem por ele. (2)

Os experimentos de Hellinger se transformaram no que ele chama de “Leis do Amor” e que, segundo ele, estão presentes em todos os relacionamentos familiares: o pertencimento, a ordem e o equilíbrio.

O pertencimento é assim definido: “Pertencer à nossa família é nossa necessidade básica. Esse vínculo é o nosso desejo mais profundo. A necessidade de pertencer a ela vai até mesmo além de nossa necessidade de sobreviver. Isso significa que estamos dispostos a sacrificar e entregar nossa vida pela necessidade de pertencer a ela”.(3) De forma simples: ninguém pode ser excluído do grupo familiar, seja doente, pobre, falecido ou idoso.

Já a lei da ordem ou preferência resta conceituada: “O ser é estruturado pelo tempo. O ser é definido pelo tempo e através dele, recebe seu posicionamento. Quem entrou primeiro em um sistema tem precedência sobre quem entrou depois. Sempre que acontece um desenvolvimento trágico em uma família, uma pessoa violou a hierarquia do tempo”. (4) Resumindo, a lei significa a necessidade de hierarquia entre os membros da família e respeito aos ascendentes.

A lei do equilíbrio, por sua vez, é assim traduzida: “O que dá e o que recebe conhecem a paz se o dar e o receber forem equivalentes. Nós nos sentimos credores quando damos algo a alguém e devedores quando recebemos. O equilíbrio entre crédito e débito é fundamental nos relacionamentos.” (5)

Assim, o objetivo principal da chamada “constelação familiar” é identificar qual das “leis do amor” foram inconscientemente transgredidas e recolocar o constelador na vida de uma forma que possa respeitá-las. E isso se dá com a mudança da dinâmica familiar para se restabelecer as ordens sistêmicas ocultas do amor e permitir que ele flua livremente.

Através desse método, portanto, o “Direito Sistêmico” se apresenta como um dos novos métodos de tratamento dos conflitos, que permitam não apenas uma decisão judicial que determine não apenas qual a solução para o problema judicializado (quais os direitos e obrigações que caberão a cada parte envolvida), mas também que traga paz e possibilite um relacionamento futuro harmonioso entre eles, facilitando assim a resolução pacífica de outras questões que surgirem. (6)

Nossa lei pátria prevê já há bastante tempo a possibilidade de conciliação entre as partes, sendo amplamente aplicada nas causas cíveis em geral e, com mais ênfase, naquelas relativas às Varas de Família e nas de menor complexidade, sujeitas ao rito previsto na Lei 9.099/95. A lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais prevê inclusive a possibilidade de composição civil dos danos aos crimes de menor potencial ofensivo, evitando-se assim a instauração de uma ação penal.

Além disso, há alternativas principais já reconhecidas pela legislação brasileira como a mediação e a arbitragem. Em 2010, o CNJ editou a Resolução nº 125/2010, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, estipulando como incumbência dos órgãos judiciários o oferecimento de mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, inclusive como forma de disseminar a cultura da pacificação social.

Assim, a mediação e a conciliação podem ser realizadas com a utilização de diversas técnicas, incluindo métodos de negociação e conhecimentos de comunicação não-violenta, sempre visando a pacificação das relações sociais.

Neste sentido, as técnicas das CONSTELAÇÕES FAMILIARES SISTÊMICAS tem se mostrado facilitadoras das conciliações em processos principalmente da área de família, trazendo paz aos envolvidos submetidos à Justiça.

Assim o chamado “direito sistêmico” vê as partes em conflito como membros de um mesmo sistema, ao mesmo tempo em que vê cada uma delas vinculada a outros sistemas dos quais simultaneamente façam parte (família, categoria profissional, etnia, religião, etc), e busca encontrar a solução que, considerando todo esse contexto, traga maior equilíbrio e paz a todo o sistema.

Os eventos são feitos geralmente na forma coletiva, para os quais são convidadas as partes envolvidas em algumas dezenas de processos com tema comum, como disputas por guarda e alimentos, violência doméstica, jovens infratores, entre outros.

Ali, as partes são estimuladas e se perceber nas situações de conflito de forma mais abrangente, muitas vezes saindo do papel anterior de vítima e percebendo como sua própria postura e comportamento, mesmo que inconscientemente, contribuíram com a situação conflituosa.

Essa percepção, por si só, é significativa e favorece naturalmente a solução do problema, reduzindo a resistência e muitas vezes resultando em acordos nos processos.

Na área de família, as constelações familiares normalmente são identificadas a existência de dinâmicas como alienação parental e uso dos filhos como intermediários nos ataques mútuos entre os cônjuges, entre outros emaranhamentos possíveis.

Na área criminal, facilita-se a pacificação entre réu, vítima e respectivas famílias, o que em caso positivo pode reduzir as reincidências, auxiliar o agressor a cumprir a lei de forma mais tranquila e com mais aceitação e também, dentro do possível, aliviar a dor da vítima.

As constelações familiares tem sido utilizada por juízes, mediadores, conciliadores, advogados e membros do Ministério Público, sendo hoje uma contribuição eficiente à resolução de conflitos e pacificação das relações, facilitando a solução rápida de questões que hoje abarrotam o judiciário e que, por sua própria essência, estimulam a contenda. (7)

 

REFERÊNCIAS:

1 – Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Constela%C3%A7%C3%B5es_familiares. Acesso em novembro/2017.

2 – A essência da constelação familiar pode ser assim descrita: “Uma ave quando voa pode voltar-se para qualquer direção, mas o que vemos é o bando conduzir-se como um todo. Cada ave submete-se ao esquema geral do bando e, graças a essa submissão, continua a participar do grupo. De vez em quando, uma ou outra pode sair um pouco do movimento, para em seguida, juntar-se ao todo novamente. Ela é parte do movimento, ela influencia, mas não determina o movimento”. Por Maristela Hardy, consteladora.

3 – HELLINGER, Bert. A Cura. São Paulo: Editora Atman, 2014. Disponível no site:  https://www.livrariacultura.com.br/p/livros/psicologia/aconselhamento/a-cura-40041612. Acesso em novembro/2017.

4 – HELLINGER, Bert. Ordens do Amor – Um guia para o trabalho com constelações familiares. São Paulo: Editora Cultrix, 2014. p. 37. Disponível no site: https://www.livrariacultura.com.br/p/livros/psicologia/terapia-familiar/ordens-do-amor-689513. Acesso em novembro/2017.

5 – HELLINGER, Bert. A simetria oculta do amor – porque o amor faz os relacionamentos darem certo. São Paulo: Editora Cultrix, 1999. Disponível no site: https://www.livrariacultura.com.br/p/livros/psicologia/a-simetria-oculta-do-amor-295319. Acesso em novembro/2017.

6 – MENDES, Ana Tarna dos Santos e LIMA, Gabriela Nascimento. O que vem a ser direito sistêmico ? Disponível em: https://jus.com.br/imprimir/54930/o-que-vem-a-ser-direito-sistemico. Acesso em novembro/2017.

7 – STORCH, Stami.   Direito Sistêmico: a resolução de conflitos por meio da abordagem sistêmica fenomenológica das contestações familiares. Disponível em: https://direitosistemico.wordpress.com/2017/09/22/artigo-descreve-modelo-original-de-pratica-de-constelacoes-na-justica-e-aplicabilidade-do-direito-sistemico/. Acesso em novembro/2017.