Débora Spagnol

debora 2Há alguns dias as prestadoras de serviços de internet causaram polêmica entre os consumidores ao informar que pretendem restringir o uso da internet fixa com pacotes determinados (quando o consumidor tem direito a um limite de uso a rede durante o mês – a chamada ´franquia`), como já ocorre com os celulares.

Os contratos hoje praticados pelas operadoras já contêm valores predeterminados e que são fixados de acordo com a velocidade escolhida pelo usuário. O que as empresas pretendem é inverter a forma de contratação: o usuário teria um valor pré-fixado de dados para acessar a internet e poderia ter a conexão cortada ou a velocidade reduzida quando atingido o limite contratado, além de ter que pagar valores adicionais pela utilização além do limite.

Não obstante o alvoroço entre os usuários é fato que as operadoras Claro, NET e Embratel já reduzem a velocidade da internet quando atingido o limite de dados. As empresas TIM e a paranaense Copel já afirmaram que não mudarão seu método de cobrança uma vez que seus planos já são baseados na velocidade de conexão. Mas a Vivo, considerada a segunda maior provedora de internet, anunciou que adotaria a medida a partir de 2017 – e esse foi o gatilho para as inúmeras manifestações indignadas nas redes sociais dos usuários, órgãos de proteção ao consumidor e entidades de classe, como a OAB.

A Anatel – órgão regulador e que tem como obrigação intervir no caso de posturas abusivas por parte das operadoras – inicialmente afirmou que não iria se manifestar sobre o assunto. Depois, cedeu à pressão e fixou regras às operadoras como forma de proteger o consumidor. Entre elas, a exigência de que os clientes sejam informados com antecedência da mudança; que as operadoras tragam em seus anúncios informações claras sobre a franquia (como preços e validade do pacote), além de  disponibilizar ferramentas para medir o seu consumo de internet.

Ocorre que ao permitir que as operadoras mudem os planos para serviços em andamento a Anatel contraria o Código de Defesa do Consumidor e viola a Lei nº 12.956 (Marco Civil da Internet), que prevê entre as garantias ao consumidor a impossibilidade de suspensão da conexão da internet por qualquer outro motivo que não a existência de débito de conta, a obrigatoriedade de manutenção da qualidade contratada e a proibição de alteração unilateral dos contratos.

Somos o 7º país no ranking global de utilização da internet. De acordo com o IBGE, a média da família brasileira é de três pessoas por domicílio. Em uma residência em que o número de aparelhos conectados à internet cresce assustadoramente, o limite de uso certamente é um problema: se cada um possuir um smartphone e ao mesmo tempo outros aparelhos conectados à internet via cabo ou Wi-Fi como tablet, videogame, TV ou computador, a franquia contratada é atingida e ultrapassada com facilidade.

Especialistas alertam pela possibilidade de má qualidade nos serviços com a redução. Ao assistir um filme da Netflix, por exemplo (que são baixados via ´streaming´ – sistema de transmissão de som e imagem sem necessidade de downloads), o usuário consome cerca de 3 GB por hora. Se assistir um filme de duas horas na qualidade HD, o consumo é de 180 GB por mês, apenas de Netflix. Reduzindo o consumo (ou porque atingiu o limite ou por redução da velocidade), a qualidade do vídeo diminui. O mesmo se dá quando se ouve músicas em sites como Google Play e Spotify.

Hoje é possível configurar a qualidade de imagens dos vídeos em alguns serviços ´on line´ como Netflix e Youtube. Mas a manutenção de qualidade HD, por exigir maior consumo de dados para reprodução implicará, por consequência, no aumento dos valores cobrados.

O usuário que já possui planos de internet fixa deverá verificar junto à sua operadora se houve mudança do contrato atual. Quem deseja fazer novo contrato deve ficar atento às condições de uso do serviço, conferindo se há uma franquia mensal já estabelecida – ler as ´entrelinhas´ do contrato às vezes previne males e prejuízos maiores.

Em um cenário em que utilizam cada vez mais serviços via ´streaming´, considero que a mudança será negativa pelo risco de encarecer ainda mais um serviço que já é caríssimo pela qualidade oferecida, comparado a outros países em que se obtém internet rápida e barata. O novo modelo fragmentará os usuários em duas classes: aqueles que podem pagar por planos de dados maiores e os que não podem e por consequência sofrerão a restrição de acesso integral à rede.

O usuário não tem controle prévio efetivo do que irá consumir, uma vez que é tecnicamente impossível que cada página ou serviço da internet informe antes de ser carregada qual será o efetivo consumo, mesmo porque a rede é mundial e não se compõe apenas de páginas, vídeos, jogos e músicas – há outros inúmeros serviços e com eles a impossibilidade de se medir de forma clara o tamanho do tráfego de dados.

Assim, qualquer limitação se torna abusiva ao consumidor, porque ao necessitar contratar pacotes adicionais para atender sua necessidade ele perde o poder de escolha e sofre graves prejuízos financeiros – violações proibidas pelo CDC. Além disso, as regulamentações da ANATEL precisam estar submissas e restritas à lei, não se sobrepondo também à Lei do Marco Civil, no que lhe contraria. A definição do assunto, parece, caberá à justiça.