Daniel Thame

daniel charge cuba zapExatos 1.317 quilômetros separam o Rio de Contas, em Ubaitaba, Sul da Bahia, e a Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro.
1.317 quilômetros que separam e ao mesmo tempo unem uma história de superação, que de tão improvável surpreendeu o mundo e fez surgir um novo ídolo brasileiro, no maior espetáculo esportivo do planeta.

A trajetória de Isaquias Queiroz, que emergiu das Olímpiadas 2016 como o maior medalhista brasileiro numa única edição dos Jogos, é ainda mais fascinante porque é fruto do imponderável, ainda também seja de um talento inato e de muito, muito esforço pessoal.

Menino humilde de Ubaitaba, cidade localizada ás margens do Rio de Contas, Isaquias sofreu um acidente doméstico e em seguida perdeu um rim ainda na infância. Ganhou dos colegas e assumiu sem maiores traumas o apelido de  `Sem Rim`, personagem que poderia muito bem caber num romance de seu conterrâneo Jorge Amado.

bronzeFuturo? Um emprego no comércio em Ubaitaba, quem sabe tentar a vida em Itabuna ou então arriscar-se no ex-Eldorado Paulista, que há muito perder o brilho.

Mas, não no meio do caminho, mas às margens do caminho, havia um rio.

E foi neste rio, que o menino Isaquias remou contra o destino e reescreveu a sua história.

Na cidade em que a canoa parece fazer parte da indumentária, Isaquias, ainda menino, demonstrou que poderia remar além dos limites do Rio de Contas.

E remou, sem deixa a canoa virar.

A primeira medalha veio em Itacaré, Sul da Bahia. Um menino de 10 anos, orgulhoso entre os pais e os amigos.

A medalha não mudou muita coisa. Era preciso continuar remando contra a falta de estrutura, os recursos escassos, o dinheiro contado para disputar competições dentro e fora do Estado. A dura vida de atleta de esportes fora do circuito Futebol/Vôlei.

E Isaquias, com seu  talento,  continuou remando. Cada vez mais forte, cada vez mais longe.

Em 2015, sagrou-se campeão mundial de Canoagem, privilégio estão restrito aos privilegiados europeus e suas superestruturas esportivas, com investimentos em atletas desde a base.

O mundo, então, voltou os olhos para o baiano, o Brasil descobriu que havia um canoísta pronto para brilhar nas Olimpíadas 2016. Ainda que não fosse um astro do futebol, Isaquias já não era um anônimo praticante de um esporte que poucos ouviram falar.

Vieram as  Olimpíadas, as duas medalhas de prata (uma delas ao lado do Erlon de Souza, vizinho de Ubatã, outra história de superação), e uma de bronze. Três provas disputadas, três medalhas conquistadas.

Veio enfim, a consagração, num palco planetário. O nome inscrito na história dos Jogos Olímpicos.

O esporte amador brasileiro, que nunca foi tratado com  a seriedade que merece, é pródigo em histórias de superação.

Essa foi a Olímpiada da menina da favela vítima de racismo que ganhou o Ouro no Judô, do menino abandonado pelos pais que levou o Ouro no Salto com Vara, do baiano da periferia de Salvador que faturou o Ouro no Boxe.

E foi a Olimpíada de Isaquias Queiroz, que remou contra as correntezas reais e metafóricas, e se tornou o verdadeiro Menino do Rio.

Do Rio de Contas, do Rio de Janeiro de todos os rios do mundo, porque se como cantou o poeta. Se navegar é preciso e viver é preciso, Isaquias pode acrescentar que remar também é preciso.