escav flicaNa segunda mesa literária da Flica 2015, realizada da manhã de hoje, os historiadores Tâmis Parron e Cacau Nascimento falaram sobre a temática Etnias, resistências e mitos rememorando o período escravagista brasileiro e seus desdobramentos na sociedade atual. O curador da Flica e mediador, Aurélio Schommer, começou a conversa trazendo à tona a obra do historiador baiano João José Reis, referência da historiografia brasileira sobre os conflitos de resistência negra no Recôncavo Baiano.

De Cachoeira, Cacau Nascimento, lembrou a formação singular da cidade no período escravagista. Com território pequeno em relação às regiões vizinhas, Casa Grande e Senzala estavam muito próximas em Cachoeira, assim, as frequentes revoltas de escravos marcaram a história da cidade, com participação de segmentos específicos da sociedade, como as irmandades religiosas católicas.

Para Tâmis Parron, os ciclos de revoltas escravas influenciaram a forma como se definiu pela primeira vez a cidadania desracializada na constituição brasileira. Todo aquele que tinha carta de alforria e, portanto, podia ser negro, mulato ou mestiço, era considerado cidadão.

Indo além da narrativa da história “oficial”, Cacau Nascimento destacou a importância da resistência negra à escravidão como fundamental para a abolição em 1888. Em contraponto à afirmação de Tâmis, Cacau lançou a pergunta retórica: “Sobre consciência de cidadania para além da etnia… Será que o africano já não tinha essa consciência intrínseca?” E completou: “O problema racial no Brasil não é, de fato, racial, mas um problema de classe”.

Tâmis Parron concordou com a afirmação de Cacau e concluiu: “O racismo é um instrumento cultural de domínio étnico que substitui as leis da escravidão”.

O processo de higienização das grandes cidades também foi debatido, analisando a composição social do País hoje. O historiador baiano lembrou do processo que levou os negros aos morros nas capitais baiana e carioca, por exemplo, acentuando a desigualdade. Ao negro, só era permitida certa inserção na sociedade branca, na medida em que aquele se aproximava dos padrões deste, de comportamento, de “cultura” e sociais. No entanto, para longe do discurso de vitimização, Cacau ressaltou a resistência negra desde a chegada dos primeiros africanos ao Brasil até às cotas raciais nas universidades, lembrando que durante este desdobramento houve momentos de tensão e de relaxamento.

O diagnóstico foi dado por ambos os autores. Tâmis Parron lembrou dos ideais abolicionistas de não apenas acabar com a escravidão, mas com os efeitos dela, promovendo, entre muitas outras medidas, distribuição de terras, acesso igualitário à escolarização, oportunidade de emprego pleno para todos, para, a partir desse ponto de vista, declarar: “nunca abolimos a escravidão”. Cacau Nascimento fechou seu discurso afirmando: “O Brasil é um Estado que não é Nação. Temos um problema seríssimo de identidade. A aceitação do racismo é só uma consequência disso”.