:: ‘Eduardo Galeano’
Cantada ou Assédio?
Débora Spagnol
Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio assim escreveu sobre o corpo: “A igreja diz:
O corpo é uma culpa. A ciência diz: O corpo é uma máquina. A publicidade diz:
O corpo é um negócio. O corpo diz:
Eu sou uma festa”. (1)
O corpo humano exprime o elo entre a natureza e a cultura, entre o social e o individual, o fisiológico e o simbólico. Moldado pelo contexto social e cultural no qual o sujeito se insere, é através do corpo que se evidencia sua relação com o mundo: expressão de sentimentos, produção de aparência, representações simbólicas, transformações do natural … É através do corpo que o homem faz do mundo a extensão de sua experiência.
Foi com o surgimento da modernidade capitalista oriunda da revolução industrial e suas profundas transformações sociais, culturais e econômicas, que ocorreram grandes alterações na subjetividade humana, manifestando-se principalmente nas próprias relações entre os indivíduos. As mudanças de comportamento trazidas pela relevância das máquinas, pela dinâmica dos fluxos de trabalho e pela cultura do consumo provocou uma mudança no quadro de valores da sociedade, onde os indivíduos passaram a ser avaliados (e por vezes valorizados) não mais pelas suas qualidades internas e pessoais, mas por sua aparência, pela vestimenta, pelos objetos que exibem e pelo jeito que se comportam. (2) Em outras palavras: a visibilidade social e o poder de sedução do indivíduo passaram a ser diretamente proporcionais ao seu poder de compra, traduzindo-se numa verdadeira “cultura do consumo” inserida numa “sociedade do consumo”, onde imperam as logomarcas, a produção do supérfluo e descartável, numa era identificada pela imagem e simulacro em que, segundo Baudrillard, “o mais belo, precioso e resplandecente de todos os objetos é o corpo” (3).
Como consequência natural, surge a “objetificação” dos sujeitos – que significa simplesmente analisar um indivíduo em nível de objeto, sem considerar seu emocional ou psicológico.
Fidel
Eduardo Galeano, sobre Fidel Castro, no livro “Espelhos, uma verdade quase universal”:
E seus inimigos não dizem que apesar de todos os pesares, das agressões de fora e das arbitrariedades de dentro, essa ilha sofrida mas obstinadamente alegre gerou a sociedade latino-americana menos injusta.
Seus inimigos dizem que foi rei sem coroa e que confundia a unidade com a unanimidade.
E nisso seus inimigos têm razão.
Seus inimigos dizem que, se Napoleão tivesse tido um jornal como o Granma, nenhum francês ficaria sabendo do desastre de Waterloo.
E nisso seus inimigos têm razão.
Seus inimigos dizem que exerceu o poder falando muito e escutando pouco, porque estava mais acostumado aos ecos que às vozes.
E nisso seus inimigos têm razão.
Mas seus inimigos não dizem que não foi para posar para a História que abriu o peito para as balas quando veio a invasão, que enfrentou os furacões de igual pra igual, de furacão a furacão, que sobreviveu a 637 atentados, que sua contagiosa energia foi decisiva para transformar uma colônia em pátria e que não foi nem por feitiço de mandinga nem por milagre de Deus que essa nova pátria conseguiu sobreviver a dez presidentes dos Estados Unidos, que já estavam com o guardanapo no pescoço para almoçá-la de faca e garfo.
E seus inimigos não dizem que Cuba é um raro país que não compete na Copa Mundial do Capacho.
E não dizem que essa revolução, crescida no castigo, é o que pôde ser e não o quis ser. Nem dizem que em grande medida o muro entre o desejo e a realidade foi se fazendo mais alto e mais largo graças ao bloqueio imperial, que afogou o desenvolvimento da democracia a la cubana, obrigou a militarização da sociedade e outorgou à burocracia, que para cada solução tem um problema, os argumentos que necessitava para se justificar e perpetuar.
E não dizem que apesar de todos os pesares, apesar das agressões de fora e das arbitrariedades de dentro, essa ilha sofrida mas obstinadamente alegre gerou a sociedade latino-americana menos injusta.
E seus inimigos não dizem que essa façanha foi obra do sacrifício de seu povo, mas também foi obra da pertinaz vontade e do antiquado sentido de honra desse cavalheiro que sempre se bateu pelos perdedores, como um certo Dom Quixote, seu famoso colega dos campos de batalha.
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Tradução: Eric Nepomunceno.
Publicado originalmente no diário universal.
De Eduardo para Lionel
“Sou autor de uma teoria sobre Lionel Messi, mesmo sem base científica. Creio que Messi é um caso único na história da humanidade, porque é alguém capaz de ter uma bola dentro do pé. Sempre se disse que Diego Maradona a levava atada, mas Messi a tem dentro do pé, isso é inexplicável, mas vejam vocês que o perseguem 7, 11, 22 rivais para tirar-lhe a bola, e não há maneira de fazê-lo. Por quê? Porque a procuram do lado de fora do pé, enquanto está dentro. Agora, como pode caber uma bola dentro da pele? É um fenômeno inexplicável, mas essa é a verdade: ele leva a bola dentro, não fora.” (Eduardo Galeano, 1940/2015).
Gracias, Eduardo!
Morreu, nesta segunda-feira (13), o escritor uruguaio Eduardo Galeano. De acordo com o jornal espanhol El Pais, Galeano estava internado deste sexta-feira (10), por conta de complicações decorrentes de um câncer pulmonar.
Galeano é o autor do clássico “As veias abertas da América Latina”, escrito em 1971. Ele também escreveu outras obras de jornalismo e ficção.
Ele começou a vender caricaturas aos jornais de Montevidéu, sua terra natal, aos 14 anos. Sua carreira jornalística começou nos anos 1960, quando ele trabalhou como editor do semanário Marcha e depois no diário Época. Após o golpe de estado no país, em 1973, ele foi viver na Argentina, onde fundou a revista Crisis. Já de volta ao Uruguai, ele fundou um semanário chamado Brecha.
Galeano foi proclamado doutor Honoris Causa por várias universidades: La Habana, El Salvador, Argentina, a Universidad Nacional de Cuyo.
Eduardo Galeano também é autor de “Futebol ao sol e a sombra”, um delicioso livro sobre a história das Copas do Mundo e a política latinoamaericana, traçando um paralelo entre as copas e a longevidade do Comandante.
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