Baldes reutilizadosTexto: Karen Póvoas

“Minha casa é quase lixo zero…Quando abro a minha composteira eu vejo as plantinhas nascendo dentro, as sementes do tomate, do mamão…É a coisa mais linda quando a gente vê vida de algo que ia pro lixão.”

 O depoimento é da Agente de Viagem, Roberta Tavares, de Ilhéus, que conheceu a prática da compostagem há dois anos, por meio de uma amiga voluntária do GAP – Grupo de Amigos da Praia, de Ilhéus. Roberta criou o hábito de separar todo o lixo de casa. O resíduo seco, como embalagens plásticas, papelão e vidros, é recolhido por uma cooperativa toda semana. O lixo orgânico que pode ser reaproveitado, como cascas de verduras e algumas frutas, vai para a composteira. Já o resto de comida e lixo dos banheiros, gerados em pequenas quantidades, é que ainda são destinados para o aterro sanitário. Para a agente de viagem, compostar é uma terapia. “Depois que aquele alimento está lá há uns 2 meses em decomposição, aí eu tiro o que já virou adubo pra colocar na minha horta e separo as minhocas. Eu sou apaixonada pelas minhas minhocas. Eu tiro com cuidado pra colocá-las em um novo balde de compostagem.” Fala entusiasmada Roberta.

Roberta composta em casa há 2 anos

Roberta composta em casa há 2 anos

A prática da compostagem doméstica ganhou força em Ilhéus, no mês de fevereiro de 2022, com o lançamento do Projeto “Composta Ilhéus”, idealizado pelo GAP – Organização sem Fins Lucrativos, e financiado pela Fundação CARGILL – Multinacional de Produtos Agrícolas, através do Edital “Nutrindo Soluções” que tem como objetivo identificar, incentivar e apoiar o desenvolvimento de projetos socioambientais de organizações da sociedade civil. A iniciativa do GAP surgiu da problemática ambiental percebida ao longo dos quatro anos de trabalho voluntário do grupo na limpeza das praias da Avenida Soares Lopes, no centro da cidade. De acordo com o presidente do GAP, Gabriel Macedo, no primeiro ano de ação, a ONG retirou mais de 10 toneladas de lixo plástico nos mutirões realizados aos sábados.

“Todo esse material seria enterrado com a variação das marés e ventos. A praia da Avenida é atingida diariamente por todo tipo de lixo que desce através do Rio Cachoeira. Por isso, os resíduos são provenientes não só de Ilhéus, mas de vários municípios próximos que fazem margem ao leito do rio, .” explica Gabriel Macedo.

Além da limpeza da Praia da Avenida, os mais de 40 voluntários atuaram na linha de frente da Ajuda Humanitária nas enchentes no Sul da Bahia, evento extremo agravado pela crise climática, com distribuição de alimentos, resgate animal, entre outros. A ONG também conta com 1 Horta Comunitária e Armário Coletivo que fomenta a Economia Circular, além de promover educação ambiental em escolas e universidades. O GAP se destacou também com ações em resposta à Crise do Derramamento de Óleo nas praias do Nordeste, amplamente noticiada pela imprensa nacional, no ano de 2019. Agora, a aposta para uma maior redução de impacto ambiental na cidade de Ilhéus está na compostagem doméstica.

 

PROJETO COMPOSTA ILHÉUS

WhatsApp Image 2022-03-11 at 10.54.55Composta Ilhéus

O projeto ‘Composta Ilhéus’ foi idealizado pela advogada e voluntária do GAP, Jurema Cintra. Ela é compostadora há 17 anos e sua casa é Lixo Zero. Para Jurema, é fundamental unir a coleta seletiva com a compostagem. “As pessoas já participam de ações ambientais com o GAP, já realizam coleta seletiva, já entregam seus materiais em cooperativas, mas é muito importante que o ciclo perfeito se feche. Os 90% de desvio do aterro sanitário se dão com a compostagem, ” conta a advogada.

A prática da compostagem doméstica será implementada, inicialmente, em 500 casas da cidade de Ilhéus com a doação e monitoramento de minhocários, impactando 2.500 pessoas diretamente.

Voluntários do GAP na limpeza dos baldes de margarina

Voluntários do GAP na limpeza dos baldes de margarina

As composteiras foram feitas de materiais que seriam descartados. São baldes adquiridos em padarias e restaurantes na própria cidade, fomentando a economia regional e seguindo os princípios da Economia Circular por meio do reuso e reaproveitamento consciente.

Nos baldes são colocados os resíduos orgânicos em camadas de húmus, minhoca californiana e serragem, ficando por cerca de 3 meses decompondo. Ao final do processo, é liberado naturalmente um líquido chamado de biofertilizante, resultado da decomposição dos resíduos orgânicos e nutrientes, e excelente para a saúde das plantas.

Os interessados em compostar podem se inscrever através do formulário eletrônico disponibilizado no instagram do GAP (@gap_ilheus). Os que já se inscreveram, receberam as primeiras composteiras no dia 20 de fevereiro já com o húmus e minhocas, além da serragem para o iniciar o sistema que é cíclico, afinal, a composteira é abastecida todo dia durante as refeições.

 

A dona de casa Alboneza e a filha pretendem tornar a casa ´lixo zero´

A dona de casa Alboneza e a filha pretendem tornar a casa ´lixo zero´

A dona de casa Alboneza e a filha Ana Júlia, de 13 anos, estão entusiasmadas com a nova composteira da família. Elas pretendem tornar o apartamento onde moram em ‘Lixo Zero’. “Receber o minhocário é a realização de uma rica etapa na minha vida e na de minha família. É a oportunidade de colocar em prática mais um hábito que irá contribuir diretamente para a consciência de todos que estarão envolvidos no processo de aprendizagem comigo.” Conta a dona de casa.

Os participantes recebem orientação técnica da Engenheira Agrônoma Maria DÁVila, voluntária do GAP

Os participantes recebem orientação técnica da Engenheira Agrônoma Maria DÁVila, voluntária do GAP

Todas as 500 famílias recebem orientações de assessores técnicos, como DÁvila Maria, Engenheira Agrônoma. Essa consultoria especializada é fundamental, pois é uma ressignificação de hábitos e de propósito de vida.

Segundo o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 57% dos resíduos orgânicos gerados no Brasil podem ser utilizados na compostagem. Com o “Composta Ilhéus”, a proposta é desviar 90 toneladas de lixo, em 12 meses, do aterro sanitário de Ilhéus, gerando uma economia de recursos ao município e ao meio ambiente com a limpeza pública convencional, além de outros impactos positivos, como a preservação dos solos, o incentivo para agricultura urbana e segurança alimentar, mudanças de hábitos alimentares mais saudáveis, consciência ambiental permanente, bem estar entre as famílias e garantia de renda, já que 1 composteira doméstica, recolhendo-se composto orgânico e o biofertilizante pode gerar cerca de 500 reais por ano. Esse “lucro” ambiental se torna ainda maior com a redução da quantidade de lixo recolhido e, consequentemente, a despoluição de solos e rios. Dessa forma, é possível valorar os serviços ecossistêmicos com as minhocas e bactérias trabalhando a favor da sociedade e dentro de casa. Isso é visível e mensurável.

O “Composta Ilhéus” é um projeto pioneiro no estado, sendo o GAP uma das 8 organizações sem fins lucrativos da Bahia, Maranhão e Tocantins selecionadas no edital “Nutrindo Soluções”. Para a Fundação Cargill, a iniciativa do grupo ilheense é de grande relevância local ao promover a alimentação segura, sustentável e acessível.

O projeto apresentado pelo GAP, Composta Ilhéus, está alinhado com a nossa missão e com todos os critérios avaliados. Além disso, o GAP é uma organização reconhecida na região na promoção de impacto socioambiental”, conclui Álvaro Modesto, Analista de Projetos da Fundação Cargill

Para o GAP, o Composta Ilhéus, é uma proposta ousada e pioneira de descentralização de saneamento, com desvio de toneladas de resíduos do aterro sanitário, como também um ato terapêutico, gerando impacto real no bem estar das pessoas, principalmente, nos lares com crianças que terão uma experiência social e científica de como os organismos se degradam e voltam ao ciclo da vida produzindo mais alimentos.  Por isso, considera-se a compostagem um ato extremamente civilizatório.