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Efson Lima

efson limaFoi pelas mãos da literatura que o termo nação grapiúna ganhou dimensão maior. Jorge Amado, quando da posse de Adonias Filho na Academia Brasileira de Letras, em 1965, ao proferir o discurso de recepção, entabulou por 10 vezes os termos grapiúna(s). Qual razão teria para ser tão enfático? Certamente para colocar a civilização do cacau no patamar que tanto almejou. Tanto o discurso de Jorge Amado quanto o de Adonias Filho foram organizados naquele mesmo ano no livro “A Nação Grapiúna”.
Mas, afinal, o quê possa ser Nação Grapiúna? No passado, recorríamos aos dicionários, enciclopédias, atualmente, recorremos ao Google no momento da dúvida. Eu ainda, em matéria sobre a região do cacau, prefiro voltar ao historiador, que traduz tão bem a História regional, Arléo Barbosa, que em “Notícia Histórica de Ilhéus” sintetiza sobre o termo grapiúna. “Na toponímia do sul da Bahia sempre se sobressaiu a palavra “grapiúna”. Anteriormente o termo abrangia a todos os autóctones da região.

efson lima 2Atualmente foi monopolizado pelos itabunenses para designar somente os nativos daquela cidade. Entretanto, ainda é comum o seu uso como gentílico de todos os habitantes da região Cacaueira”, (BARBOSA, 2013, p. 93).

Particularmente, penso que é de bom tom utilizar a palavra para se referir a todo o complexo cultural, inclusive, os habitantes, da civilização do cacau sulbaiana. Aliás, registra-se que foi Afrânio Peixoto, que pela primeira vez descreveu a paisagem do cacau, como conhecemos, em obra romancista. Registra-se também que Inglês de Souza, paraense, em 1876, publicou “O Cacaulista”.

Para o professor Arléo, a palavra “grapiúna” tem natureza tupi e está relacionada ao grande número de aves de plumagem preta, como jacus, macucos, mutuns e diversas outras que enriquecem a região da costa do cacau. Por falar em macuco, lembra a cidade de Buerarema, do cronista Antônio Lopes e imortal da Academia de Letras de Ilhéus.
Recentemente, em 2020, quando da organização do Festival Literário Sul-Bahia, discutimos qual seria o nome do Festival. Passamos pelo Festival Literário do Cacau, depois, debatemos sobre possível Festival Literário Grapiúna, entretanto, um quantitativo de pessoas considerou o termo “ grapiúna” próprio para designar os itabunenses e, portanto, não todo o sul da Bahia. Então, prevaleceu o termo sul -Bahia, com hífen mesmo. Agora, resta-nos pesquisar e delimitar

Os aspectos da formação da nação grapiúna estão descritos no livro “Tocaia Grande” (1984), de Jorge Amado. Este autor escreveu “O menino grapiúna”, onde contou a reminiscências da época em que viveu na região cacaueira, surgindo, segundo a crítica, à idéia de fazer o livro “Tocaia Grande”, que abordou o nascimento e desenvolvimento de uma cidade na região do cacau, como podemos ver no seguinte excerto : “Cruzam-se hábitos, maneiras de festejar e chorar. Misturam-se sergipanos, sertanejos, levantinos, línguas e acentos, odores e temperos, orações, pragas e melodias. Nada persistia imutável nas encruzilhadas onde se enfrentavam e se acasalavam pobrezas e ambições provindas de lares tão diversos. Por isso se dizia grapiúna para designar o novo país e o povo que habitava e construía.”(AMADO, 1986, p. 191).

É bem verdade que, talvez, a ideia de escrever o livro “Tocaia Grande” tenha se dado com o livro “O menino grapiúna”, mas não podemos perder de vista que esse sentimento está latente em quase toda a obra amadiana, bem como o discurso de recepção a Adonias Filho na ABL já deixava nítido o desejo de fazer um livro para demonstrar a formação da civilização do cacau, a nação grapiúna. Um romântico – modernista brasileiro, agora, com toda vontade de afirmar a região do cacau no cenário nacional.

No preâmbulo do discurso de recepção (1965) na Academia Brasileira de Letras, Jorge Amado deixa nítido de onde ele chega para fazer o discurso. Na verdade, fisicamente, ele chega de Salvador, mas não é a Salvador imaginária que ele leva ao Rio de Janeiro, o famoso escritor carrega mesmo é a região do cacau na cabeça e no coração: “Chego diretamente da Bahia para aqui vos dar as boas-vindas neste momento em que tomais posse de vossa Cadeira na Academia Brasileira, onde vossa falta já se fazia sentir. Posso dizer que chego quase diretamente da região do cacau, de cidades que nós assistimos crescer, a algumas delas assistimos nascer, como, por exemplo a cidade de Itajuípe, erguida Pirangi, nas proximidades de Sequeiro do Espinho, na época das grandes lutas, nascida na fumaça do clavinote de Brasilino José dos Santos, compadre Brás. Chego das ruas de Ilhéus onde éramos meninos há menos de meio século. Meninos de Ilhéus, e é nessa condição que antes de tudo vos saúdo, com alegria e amizade fraternal, em nome dessa gente grapiúna de quem sois orgulho e glória. Trazeis sua marca poderosa e engrandecestes a civilização por eles criada, a cultura nascida da lavoura de cacau e da saga de sangue e morte na manhã da conquista.”

Na mesma oportunidade, aproveita o auditório qualificado da Academia Brasileira de Letras para afirmar sobre o surgimento da civilização do cacau. Não obstante estabelece um paralelo para ressaltar a origem da Literatura do Cacau, evidenciando as características próprias e marca indelével. “Da epopéia da conquista da terra surgiu a civilização do cacau e surgiu uma Literatura de cacau, com suas características próprias, com sua marca inconfundível, sua própria verdade. Para evitar qualquer mal-entendido quero de logo afirmar que só me considero importante na criação dessa ficção grapiúna até onde é importante quem coloca a primeira pedra, o primeiro a abrir uma picada que outros transformariam em estrada ampla…Creio que aqui vos saúdo também em nome desses escritores do cacau que vos consideram mestre de nossa Literatura grapiúna como eu vos considero. Participam eles desta festa de hoje, também a sua festa pois é a consagração da Literatura do cacau, daquela criada por vós e da que nós criamos, eles e eu. São nossos companheiros de ofício e de criação, filhos do mesmo solo, sofrido, e vale citar os seus nomes desta tribuna, ligando-os ao vosso nome, pois a Literatura por eles construída nasce da mesma realidade e da mesma ânsia que a vossa.”

Jorge Amado, se não comunista para vida toda, foi socialista com ideias inclusivas, pluralista, um autêntico sujeito democrático e coletivista, certamente, não brilharia a sós com Adonias Filho, o individualismo não foi marca de suas obras e da vida amadiana, então, aproveitou o momento para lembrar dos demais escritores sul-baianos, reconhecendo-os: “Mas não apenas floresceu a novelística, também os demais gêneros literários, inclusive a pura flor da Poesia, a rara flor da grande Poesia. Quando nesta noite aqui se exaltam os faustos do cacau, como esquecer o nome de seu poeta, o grande poeta brasileiro Sosígenes Costa? Muitos outros nomes deveria eu lembrar para dar medida justa do que vai acontecendo nessas terras grapiúnas como fermentação de idéias, como trabalho intelectual, como devotamento à cultura e ao esforço de criação. Basta com que lembre porém os nomes de dois desses trabalhadores. Um, o de Nelson Schaun, recorda tudo quanto ali foi feito pela cultura num tempo em que essa palavra pouco ou nada significava para a gente da terra, quando o dinheiro ainda era tão novo que só a ele se dava valor. Nesse tempo, o irredutível jornalista foi o símbolo vivo das Letras e do estudo, de valor intelectual e de esforço cultural. E, nos dias de hoje, um poeta vindo de fora tem buscado, com persistência e entusiasmo, valorizar a civilização do cacau e fazer da região um centro de permanente interesse artístico e constante inquietação literária, o abnegado Abel Pereira.”

Aproveito para lembrar o papel da Academia de Letras de Ilhéus no fomento da literatura. Dois dos principais nomes que defenderam e fizeram ser erguida a ALI, sobressaem no discurso de Jorge Amado, reverenciando-os, Nelson Schaun e Abel Pereira, respectivamente, secretário e presidente quando da fundação do sodalício mais consolidado do interior da Bahia, inclusive, com sede própria e vida cultural pujante. Coincidência ou não, os dois primeiros presidentes da Academia Brasileira de Letras são duas grandes personalidades brasileiras, que o tempo não ousou mandar para o esquecimento: Machado de Assis e Rui Barbosa, por sinal, imortais. Que assim continuem!

O sul da Bahia tem tanta identidade em comum, que já defendeu o Estado de Santa Cruz para contemplar a Nação Grapiúna. Certamente, fomos umbilicalmente ligados pelo cacau, pela literatura e pelos valores – sejam os impregnados do que a de pior no homem – vingança, ódio, mas também de desejos e propostas emancipadoras. A literatura do cacau e a arte continuam pujantes por meio de outras lentes, através das telas, a partir de outras vozes, escritas, teatro. Agora com a ajuda da tecnologia na TV, nos canais na internet, nas redes sociais… A cultura tem pulsado, agora, de forma descentralizada e plural. Nação grapiuna é mais que termo topográfico, é vocábulo que representa a literatura, identidade, cultura e o povo sul – baiano.

 

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Efson Lima – coordenador-geral da Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da Faculdade 2 de Julho. É doutor, mestre e bacharel em Direito pela UFBA. Das terras de Itapé e ilheense de coração.