Efson Lima

efson limaAparentemente fomos surpreendidos nesta semana com a campanha publicitária da marca “ Natura”. Na verdade, alguns foram surpreendidos, os antenados não se surpreenderam. Há algum tempo muito já se fala que a diversidade só faz aumentar a capacidade de produção das organizações, possibilita a criatividade e a inovação. As empresas aproveitam e dizem que estão comprometidas com a responsabilidade socioambiental. Dentro de um marco do sistema capitalista, a proposta vai amenizando o sofrimento e oportunizando uma aparente inclusão para alguns grupos.

Dentro desse contexto, diante da campanha algumas pessoas protestaram nas redes sociais contra a campanha da Natura ao apresentar Thammy na campanha dos Dias dos Pais. Afinal, para os conservadores, este não está no conceito “genuíno de pai”. Os que saíram na defesa utilizaram argumentos diversos, entre eles: o Brasil tem 5 milhões de pessoas sem o nome do pai na certidão de nascimento. Thammy é um novo um novo modelo de pai, não porque a instituição pai seja nova, mas que pais responsáveis não estão nas prateleiras brasileiras. Os conservadores britânicos apoiaram o casamento entre as pessoas do mesmo sexo. No Brasil, eles resistem, relutam e criam fatos. Não estou a comparar o conservadorismo brasileiro com o britânico. Nem posso, pois, significaria ofender os britânicos. Thammy fez a defesa da instituição pai ao inferir que ele não era nem pior nem melhor que os outros pais, mas era um “pai presente”. Deu um tapa educado, mas não sei se a classe média conservadora brasileira entendeu. Espero que peça ajuda a britânica ou humildemente transforme as suas viagens em oportunidade de aprendizagem.

Eu respondi assim no meu perfil no Facebook, dia 29/07/2020: “ Voltarei a usar sabonete Natura. Lembrar meu tempo de residente universitário. Na Residência tinha um vigilante que levava a revista da esposa. Os residentes compravam…. um luxo…adoro relembrar o passado e gosto de ver o presente de luta. Soube que as ações da Natura subiram. A diversidade nos enriquece. Quero indígenas doutores (sentido estrito do termo), trans ingressando com sapato plataforma 15 no judiciário, pretos advogados….temos pessoas com deficiência a incluir….jovens da periferia… a luta é diária. Queremos um país onde a valorização das pessoas não esteja na profissão exercida, mas na contribuição que cada profissão pode oferecer a sociedade. Não vejo determinados profissionais sem as empregadas domésticas, sem diarista… sem os catadores de resíduos sólidos… sem as pessoas que recolhem os dejetos de nossas ruas…Quero um país inclusivo!”

A Bolsa de Valores de São Paulo respondeu com as ações da Natura disparando positivamente. As notícias dos principais veículos de comunicação circularam assim: “ Natura dispara e é a maior alta do Ibovespa após campanha de Dia dos Pais” demarcou a revista Exame; “ Ações da Natura dispararam após polêmica sobre participação de Thammy em campanha dos Dias dos Pais” vaticinou o Estadão. A campanha foi ousada. Outras empresas já tinham se arriscado nos anos anteriores. Mas não é um momento tão cafona da sociedade brasileira nos últimos trinta anos. A Avon, por exemplo, na área de cosméticos. A Parada Gay Virtual de São Paulo teve apoio do Bradesco. Afinal, o dinheiro rosa é disputado, vale a mesma lógica para o black money.

Estamos a viver a maior transformação de nossos tempos. Resistência e resiliência são necessárias. Precisamos nos proteger e proteger os outros. Formos forçados a mergulhar na virtualidade. Estamos mudando alguns hábitos… verdade. Mas vamos repetir tantos outros… A consciência humana não muda tão rapidamente. Espero que possamos pensar sempre na inclusão dos outros…. em reposta a campanha da Natura, voltarei a usar alguma coisa da marca. Costumo valoriza quem valoriza a diversidade e procuro me abster de marcas que não respeitam o meio ambiente, a raça humana, a cidadania, a cultura…. Cada um é responsável pelo que cativas, não é verdade Saint-Exupery? Talvez, sim, responde a ciência. Esta não trabalha com absolutismo… Deixa isso para outros conhecimentos.
Meu amigo Jackson, você que é da área da comunicação. Por favor, atente-se para essa nova realidade. Há princípios que se impõem entre eles, o da inclusão, da diversidade, que já dialogamos aqui sobre esse último. A publicidade não pode ser instrumento de opressão e reprodução de desigualdade. É difícil atender os dois senhores, mas a publicidade pode ser mediadora para caminhadas mais amenas. Os jovens de hoje já fazem, transformam, mas temos fortes expectativas que farão muito mais amanhã. Portanto, não fujamos dessa responsabilidade.

Tenho responsabilidades também. Eu estou ficando velhinho, os cabelos brancos já se apresentam. Os fios na barba já ousam a sair, espero que continuem a brotar, mas que estejam comprometidos com o bem viver. Que eu não venha negar minha história, muito menos que eu cumpra com o jogo de identidade. Precisamos assumir o nosso lugar de fala e de ser. A caminhada é árdua, cheia de idas e vindas, mas o caráter não pode transitar para atender interesses da oportunidade, muito menos me tornar mais um rato que assola a nação e possibilita aventureiros a chegarem os governos.

Efson Lima – Doutor em Direito/UFBA. Professor universitário. Escritor nas horas não vagas.