Heleno Nazário

gramaUm artigo na área da Botânica trata de uma espécie rara de gramínea, existente apenas na Mata Atlântica do Sul da Bahia. O trabalho intitulado Ecological niche modelling and genetic diversity of Anomochloa marantoidea (Poaceae): filling the gaps for conservation in the earliest-diverging grass subfamily está publicado na Botanical Journal of the Linnean Society e é assinado pelos cientistas João P. Silva Vieira (Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS), Alessandra S. Schnadelbach (UFBA), Frederic Mendes Hughes (Instituto Nacional da Mata Atlântica – INMA), Jomar Gomes Jardim (Centro de Formação em Ciências Agroflorestais da Universidade Federal do Sul da Bahia – CFCAF/UFSB), Lynn G. Clark (Iowa State University) e R. Patrícia de Oliveira (UEFS). O professor Jomar Jardim respondeu a perguntas sobre o estudo para a seção UFSB Ciência.

 

Morta em Paris, “vivinha da silva” na Bahia

Os pesquisadores localizaram e coletaram amostras de população da Anomochloa marantoidea, espécie bastante rara e pertencente a uma linhagem divergente e das mais antigas de gramíneas, e por isso essencial para o estudo de padrões evolucionários em grupos biológicos.

Um detalhe da história da pesquisa sobre essa espécie é que ela foi redescoberta por botânicos em 1976, quando encontraram duas populações da gramínea na região de Una. Isso ocorreu mais de um século após a descrição científica original, feita a partir de espécimes cultivados em estufas em Paris, com poucos detalhes sobre a localização original – sabia-se apenas que foram coletadas no Brasil. No entanto, as plantas na estufa parisiense morreram alguns anos após a coleta, motivando o trabalho de campo nos anos 1970.

A equipe atual de botânicos localizou duas novas populações naturais da Anomochloa marantoidea na região, ambas descobertas em reservas indígenas do povo Tupinambá. As saídas a campo, cada uma com duração de três dias, ocorreram em julho, agosto e outubro de 2015 e em junho e julho de 2016. Segundo o professor Jomar Jardim, as etapas da investigação científica combinaram trabalho de campo, análise genética em laboratório e análise de dados em computador.

 

 

 

Descobertas

 

 

Anomochloa habitat 2

Para chegar a essas localizações, os pesquisadores usaram um recurso indisponível aos antecessores da década de 1970: a técnica da modelagem de nicho ecológico, uma forma de modelagem computacional com programas específicos que levam em conta dados de clima, elevação, solo e vegetação a partir de bases digitais online e correlacionar matematicamente com dados das populações conhecidas. Com isso, os cientistas orientaram as saídas a campo pelo modelo computacional e com uso de um equipamento de GPS portátil, o que permitiu concluir que a espécie se caracteriza também pela alta restrição climática, isto é, se estabelece e se multiplica em condições muito específicas de bastante umidade e temperatura média elevada, típicas da floresta ombrófila densa, uma subdivisão da Mata Atlântica.

Um dos dois habitat encontrados fica na Serra do Padeiro, aldeia indígena Tupinambá, em Buerarema-BA.

 

Dados sobre a distribuição geográfica e os locais com potencial ecológico para a ocorrência da espécie ajuda na tomada de decisões de conservação tanto da Anomochloa marantoidea, que está na Lista Vermelha da Flora Brasileira, e na lista de espécies ameaçadas do Ministério do Meio Ambiente, na categoria criticamente em risco de extinção, quanto de outras espécies associadas à mesma vegetação. O motivo é a preferência da espécie por locais em que possa estar abrigada pelas copas das árvores e no microclima específico que é também favorável à produção de cacau no sistema cabruca e, mais recentemente, à produção de banana e pupunha. Em ambos os casos, a gramínea corre risco de ser destruída por se tratar de espécie herbácea pouco conhecida e sem importância econômica aparente. Um dos autores do estudo, o professor Jomar Jardim, afirma que a espécie está em “elevado grau de ameaça e que um plano de conservação deve ser elaborado para manter as populações conhecidas e buscar por outras a partir das áreas indicadas na análise de nicho ecológico”.

Encontrar as novas populações permitiu chegar ao segundo objetivo do estudo: coletar espécimes da gramínea em cada uma das populações encontradas para análise genética. Conforme o professor Jomar, “a análise da estrutura genética a partir de marcadores moleculares sugere fragmentação recente e baixo fluxo gênico entre as populações”, o que significa que há dois grupos com diferenças genéticas que não estão trocando genes em quantidade suficiente, pelo isolamento dessas populações, o que tende a enfraquecer a espécie. O processo reprodutivo de Anomochloa marantoidea ainda precisa ser mais estudado, afirmam os autores da pesquisa. A boa notícia é que, em paralelo com a proteção de locais onde essa espécie ocorre e de pontos potencialmente viáveis para essa ocorrência, a conservação em cativeiro também é viável, como demonstrado pela reprodução de plantas da gramínea no herbário da Ceplac, onde um exemplar está em cultivo desde 1986.

 

Fotos por Jomar G. Jardim