Debora Spagnol

 

Debora SpagnolA internet e as mídias sociais trouxeram a possibilidade de ampliação do conhecimento e das informações sobre todos os assuntos possíveis, propiciando a oportunidade de novas reflexões sobre o mundo e o comportamento. Dentro desse caldeirão de novos conceitos, estilos de vida e de relacionamento, as pessoas são livres para escolher como exercer seu afeto e sua sexualidade e o fazem das mais variadas formas, objetivando sempre a felicidade. (1)

Vivenciamos a “modernidade líquida” tão propalada pelo filósofo e ensaísta polonês Zygmunt Bauman, que afirma serem as identidades muito semelhantes a uma crosta vulcânica que endurece, derrete novamente e muda permanentemente de forma. O termo cunhado pelo pensador reflete a volatilidade de uma sociedade em que muitos fatores levam as pessoas a desenvolver uma identidade e personalidade flexível e versátil com a qual possa mais facilmente se adaptar às rápidas e permanentes mudanças e reviravoltas da vida moderna. É a diferença entre o sólido (rocha) e o líquido. Enquanto a rocha, independentemente do tempo e agentes externos é mantida da mesma maneira, o líquido é alterado e adaptado de acordo com os agentes de pressão.

A sociedade líquida definida por Bauman é aquela permeada por relações fluídas, frágeis, descompromissadas. É a era denominada pós-modernidade. Não se trata mais de uma sociedade em que os indivíduos sabem o seu destino desde o nascimento: agora todos estão imersos em um espaço social onde – teoricamente – escolhem seu próprio futuro, definem o seu caminho e são responsáveis pelos seus fracassos. Ninguém é, e sim está. (2)

Os meios de comunicação em massa propiciam os relacionamentos virtuais: através de mensagens, vídeos e fotos, relações começam e terminam, sem que muitas vezes haja qualquer contato físico entre os envolvidos. Um simples “clique” faz com que as pessoas entrem ou saiam da vida das outras, poupando-as de frustrações indesejadas – e também, muitas vezes, da profundidade necessária ao saudável estabelecimento dos vínculos.

Esses tempos “líquidos”, embora possam gerar em algumas pessoas certa inquietude e angústia, não deveriam ser vistos como deterministas de um futuro, mas sim como uma transição entre o que era e o que pode vir a ser. As intensas transformações vivenciadas pelos indivíduos e pela sociedade, conjugados com as constantes exigências de cumprimento de obrigações, disciplina, previsibilidade de comportamentos (nas relações sociais), contrapondo-se à espontaneidade, fluidez e imprevisibilidade (nas relações amorosas), terminam por gerar dilemas de difícil – quando não impossível – solução. (3)

Todas essas modificações na forma de se ver e tratar o amor e os relacionamentos inevitavelmente resultam em modificações nas formas de formação e constituição das famílias.

As famílias modernas tinham por função a reprodução, a segurança, o repasse de valores morais e culturais e a socialização. No seu bojo, em tese, o integrante encontrava o amor, afeto, apoio e compreensão que lhe permitiam se tornar um sujeito pleno.

Ao contrário, as famílias pós-modernas – líquidas – têm como características um número cada vez menor de membros, com relações fluídas, sem figuras de autoridade e onde o objetivo principal não é mais o fortalecimento do grupo familiar, mas a valorização do indivíduo e a satisfação momentânea de seus desejos, em detrimento de seu amadurecimento emocional. Frustrações não são mais toleradas.

O sexo casual é uma realidade frequente, sendo os desejos vividos com mais liberdade e sem tabus, muitas vezes desvinculados de quaisquer compromissos amorosos ou familiares. Dia a dia cresce o número de pessoas que decidem enfrentar sozinhas as agruras da vida, restando à sociedade adaptar-se às escolhas: de imóveis a supermercados, passando pelas redes sociais, o “mercado da solidão” cresce e rende muito.

Em decorrência disso, à luz do direito contemporâneo e considerando-se os princípios democráticos de aperfeiçoamento e de dignidade da pessoa humana, não se pode mais conceituar como família apenas a relação entre homem e mulher, ungidos pelos laços do matrimônio e com a finalidade de gerar filhos. Rompidos os paradigmas tradicionais identificadores da família, vislumbram-se outros arranjos.

Novos tipos de família surgem: monoparental, homoafetiva, socioafetiva, monuclear, simultânea, substituta, eudemonista, pluriparental são termos que designam esses novos arranjos familiares e constituídos, quase sempre, com base no afeto e companheirismo, mas dentro dos novos “padrões” pós-modernos. (4)

Métodos alternativos de paternidade são frequentemente utilizados por casais (homo ou heterossexuais) quando existentes dificuldades naturais de concepção: adoção, reprodução assistida e gestação de substituição (barriga de aluguel) são os mais comuns.

Há pessoas, porém, que não desejam manter um vínculo amoroso ou uma instituição familiar tradicional ou até mesmo são assexuais, mas carregam em si o desejo da maternidade ou paternidade.

Então surge uma nova configuração familiar conhecida como “COPARENTALIDADE”: uma instituição familiar diferente de tudo o que já conhecíamos. (5)

 

 

REFERÊNCIAS:

1 – RIO LIMA, João Pedro da Silva. A positivação do direito à busca da felicidade na Constituição brasileira. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18903/a-positivacao-do-direito-a-busca-da-felicidade-na-constituicao-brasileira. Em seu artigo, ele cita que o termo “felicidade” já foi conceituado por vários filósofos. Freud afirmou que felicidade é utopia, sentimento impossível de plenitude, eis que existe apenas felicidade parcial; Aristóteles pregou que é pela busca da felicidade que se justifica a boa ação humana; Epicuro definiu felicidade como simples satisfação dos desejos, mas recomendou a moderação. Felicidade seria então o “bem usar as coisas do mundo”; Confúcio, como harmonia entre os homens; para os budistas, felicidade significa superação dos desejos e liberação do sofrimento; Karl Marx afirmou que o povo seria feliz se se suprimissem todas as formas de manipulação da sociedade, especialmente a religião enquanto ilusão da própria felicidade.

[1] “Para nós, os habitantes deste líquido mundo moderno que detesta tudo o que é sólido e durável, tudo o que não se ajusta ao uso instantâneo nem permite que se ponha fim ao esforço, tal perspectiva pode ser mais do que aquilo que estamos dispostos a agir numa barganha”. BAUMAN, Zigmunt. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar. p. 78

[1] SILVA,  Lia Flávia Afonso da. Relações líquidas e pós-modernidade: formação de nova família. Disponível em: http://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/2977/2/20261376.pdf. Acesso em 15 abr 2017.

2 – “Para nós, os habitantes deste líquido mundo moderno que detesta tudo o que é sólido e durável, tudo o que não se ajusta ao uso instantâneo nem permite que se ponha fim ao esforço, tal perspectiva pode ser mais do que aquilo que estamos dispostos a agir numa barganha”. BAUMAN, Zigmunt. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar. p. 78

3 – SILVA,  Lia Flávia Afonso da. Relações líquidas e pós-modernidade: formação de nova família. Disponível em: http://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/2977/2/20261376.pdf. Acesso em 15 abr 2017.

4 – NICODEMOS, Érika. Direito de família contemporâneo. Conceito de família e filiação. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26392/direito-de-familia-contemporaneo. Acesso em 15 abr 2017.

5 – Para saber mais sobre o assunto, confira texto no link: https://femininoealem.com.br/direito/advocatus/novos-arranjos-familiares-a-coparentalidade/. Acesso em 27 jul 2018.