Roseli Arrudha

ros

Trago em mim perdidas guerras
chão adubado a carne e sangue supliciados
um cenário imenso manchado de esquecimento
na quietude parda e sofrida das serras.
Venho de um lugar modesto
Santo Antonio braço dado com Iansã
dizem que por ter esse sorriso franco
que não sou pura, que não presto
que o meu sangue é preto e branco
que sou mameluca nunca donzela
que ainda tenho o pé na senzala
que sou muambeira da favela.
Eu que trago substância exótica
na congada das primas lavadeiras
na reza das avós tupis
inicio aqui ventura das ladeiras
olhos no céu, alma no chão
e para o vosso entretenimento
ofereço os doces frutos mestiços
colhidos dessa árvore que eu sou
e a melodia do samba irmão
lamento doloroso da minha raça equilibrista.
Não é fácil não ser de lá e nem de cá
desde antanho sobre a cor da minha pele
combatem escravos e reis
e se ergo os punhos nativos em luta
erguem-se algemas estrangeiras em minhas leis.
Eu venho de uma terra de despossuídos
venho de um lugar modesto
e dizem que por ser o que eu sou
que sou miscigenada
que não presto
contudo, se eu me imundo
é de vossas heranças.

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(poema do livro “Eu que sou o que sou, a vós absolvo”, lançamento 21 de setembro de 2018 em Lisboa, Portugal)