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Daniel Thame, jornalista no Sul da Bahia, com experiência em radio, tevê, jornal, assessoria de imprensa e marketing político danielthame@gmail.com

maio 2024
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:: ‘Maria Geni’

A partida de uma mãe: a griô e a superação das adversidades sob a ótica da engenharia social

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Efson Lima

 

Nos últimos anos, eu escrevi sobre as partidas de alguns intelectuais sulbaianos. Falei sobre a covid -19 e seus desafios, cuja doença impôs milhares de mortes no Brasil, comentei sobre o direito à saúde, busquei tecer sobre a saudade das pessoas comuns e dos imortais… abordei também os desafios para 2022, como encartei naquele texto de 31 de dezembro de 2021, naquela que seria a última sexta-feira de Maria Geni. Eu não imaginava que, nos primeiros dias deste ano, teria que escrever sobre a partida de minha mãe para o plano transcendental. De imediato, peço licença para falar sobre ela, leitor. Mas, os senhores observarão que ela está para além de nossa família. Ela foi mãe de nove filhos biológicos, teve inúmeros netos, bisnetos…. e foi mãe de tantos outros que se aproximaram.

 

 

Recentemente escrevi um poema em que busco conceituar o termo mãe. Para muitos, mãe é genitora, para outros é mulher criadora. No primeiro, encontramos o traço biológico, o DNA; no segundo a sociafetividade das relações que são tecidas seja para os que são da prole e seja também para os que são acolhidos e agasalhados pelo laço da ternura. “Coração de mãe sempre cabe mais um”, as mães sempre assim abordaram a ampliação da família. Estas correlações vão demarcando os caminhos de cada um e de cada uma.

 

 

efsoon (2)Hoje, estou na altura dos meus 37 anos. Tive a oportunidade de conviver com “mamys” durante 23 anos sob o mesmo teto, o destino nos separou fisicamente em 2007, precisei caminhar pelo mundo das oportunidades boas e ruins… fui estudar em Salvador. Na caminhada da vida, como sabido, nem sempre encontramos flores e rosas. Os espinhos surgem num lindo roseiral… ou pode ser colocado na esquina seguinte.

 

Mesmo diante da distância física, o sentimento era o mesmo quando nos encontrávamos, as ligações telefônicas acalentavam a saudade…. as perguntas delas sobre mim não exerciam controle moral, mas a preocupação da mãe em face do menino que havia se tornado doutor, em cuja manhã da defesa da tese, ela passou o turno todo orando. Passar o fim de ano era esperado, assim como o período da Semana Santa. Evangélica, ela precisou ser tolerante com as diferentes percepções sobre a fé de cada um. No Natal, eu decorava a área externa da casa, mas não me sobrava tempo para retirar o pisca-pisca, as bolas coloridas, o papai noel colocados sobre algumas dúzias de caqueiros de plantas… eu voltava para Salvador e ela retirava cada um daqueles objetos e embalava-os para o próximo ano.

 

Nesse último Natal, 2021, por coincidência, eu não coloquei a decoração do Natal. Chovia muito na região. Ela também não teria tempo para retirar os adereços decorativos. O destino não iria colaborar. Tive a sorte da aeronave aterrissar no aeroporto. O taxista disse: “ o tempo abriu para você”. Em casa, mão confidenciou-me: “eu estava orando para você desembarcar e não precisar voltar”. Nessa caminhada, só um Natal não passei em casa, o de 2013 para 2014. Eu lutava para não viajar no período. Natal tinha que ser em família sob o olhar atento daquela mulher.

 

Mulher no sentido pleno. Mãe no sentindo de guerreira. Educar 9 filhos para determinadas famílias é fichinha. Para uma mulher que não alcançou a quarta série do ensino fundamental foi um mega desafio. As condições financeiras não existiam. Levar-nos de Entroncamento de Itapé para Ilhéus foi contar com a sorte. Era mulher de fé. Foi católica fervorosa e nos fins dos anos oitenta se tornou evangélica. Ela sempre estava a aprender. Quando surgiu um programa de alfabetização no bairro, ela se matriculou.

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Nossa mãe foi uma griô. Uma contadora de causos, estórias e histórias. Tinha uma memória invejável. Narrava os fatos com os detalhes a justificar sentido para ela e para o ouvinte. Acompanhei minha mãe em inúmeras rodas de conversa. Competia-me apenas ouvir na infância; na adolescência, complementava as informações. Na vida adulta, tornei-me parceiro: ela contava, eu ouvia os fatos e os reproduzia nos textos, nos poemas, na minha vida cotidiana.

 

Não aprendi solidariedade e respeito na caminhada, mas em casa, dividindo o único ovo com os irmãos; compartilhando o sal com a vizinha… o sentido de comunidade a mim é pleno e o respeito às pessoas e à vida tem cada vez mais sentido. Não foram a UFBA, a UESC, a FIOCRUZ, a graduação, o mestrado e o doutorado, foram à labuta diária e o respeito às pessoas que precisávamos ter sempre. Essas instituições lapidaram conhecimento, ofereceram -me o técnico e a reflexão crítica.

 
Dignidade da pessoa humana é chavão na Academia. Difícil é no lugar árido da educação formal, onde muitas das vezes restam os revólveres para conferir sentido e dimensão à vida. Pegar ou largar sãos apenas os verbos oportunizadores de quem mora nessas áreas. O tráfico de drogas foi meu vizinho. As cenas que as televisões mostram, eu as via sem filtro. Pertinho, na minha frente, no meu lado. Na última vez, que subi na laje de casa, olhei para a imensidão do mar, mas vi também a imensidão de casas espalhadas pelos morros. Refleti: eu fui criado por uma engenheira social.

 
Mãe sempre creditou no milagre para superar as adversidades. Eu materialista convicto, percebo que ela se pautou na força da superação e no aprendizado direto das observações. Foi pragmática. Protestou quando teve sua barraca na Feira do Malhado desmantelada. Pescava uma vez por semana nos rios em Itapé; plantava pequenas roças nas propriedades alheias para alimentar-nos; contava-nos inúmeras estórias envolvendo cobras, das quais precisou se desvencilhar quando da colheita de tucum e uruba na estrada de Barro Preto. Fazia vassouras e peneiras para vender. Fez redes e jererés. Improvisou uma pequena granja no fundo de casa em Entroncamento. Correu da onça.

 

 

Foi mãe e criança. Brincou com os netos e viu os bisnetos chegarem. Contava cada um e uma. Era a forma de fazer a chamada. Seus cabelos brancos evidenciavam os desafios enfrentados e as batalhas vencidas. Percebendo os desafios vindouros, traçada que era ( forma pela qual foi chamada pelo genro e pela bisneta), partiu para o plano superior.

Não fugiu da luta, foi buscar proteção maior para todos nós, inclusive, para você, leitor. Ela sempre foi solidária. Só nos últimos dias, eu passei a compreender melhor os cadernos, os lápis e as canetas que comprava e dava aos rapazes que trabalhavam na feira com ela. Mãe sempre acreditou na força da educação para transformar as pessoas. Obrigado, mãe!

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Efson Lima – Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Aprovado em primeiro lugar no exame da OAB na Bahia, que lhe conferiu a carteira de advogado. Escritor. Membro da Academia Grapiúna de Letras. Membro – eleito para Academia de Letras de Ilhéus. Articulista do jornal A Tarde. Professor universitário. Coordenador de Assistência Técnica e Inclusão Sócioprodutiva no Estado da Bahia. FILHO de MARIA GENI LIMA PEREIRA.





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