:: ‘Deus Consumo’
Sou de uma geração em que, na imensa e empobrecida periferia da Grande São Paulo naquela virada dos anos 70 para os anos 80, o sonho (além de mudar o mundo, na porrada se fosse preciso) era chegar a Machu Pichu e Cuzco, no Peru, Meca dos Mochileiros de nuestra América.
Para isso, bastava uma calça velha azul e desbotada, duas ou três camisas Hering, o dinheiro necessário pra não passar fome e disposição pra encarar trens decadentes, carrocerias de caminhão, ônibus poeirentos e intermináveis caminhadas à pé. Tudo pra poder contemplar o mundo do alto daquelas montanhas imortais.
Sonhávamos muito e nos contentávamos com pouco. Na estrada, adquiria-se um senso de companheirismo e de solidariedade que era inoculado no nosso caráter, para sempre.
Hoje, na sociedade movida a aparência, muitos jovens querem roupas de grife, carros do ano, baladas se possível todos os dias e dinheiro para gastar sem se preocupar com o café da manhã do dia seguinte. Tudo ao mesmo tempo, tudo sem o menor esforço.
E aí, quando nos deparamos com o caso de duas jovens baianas de classe média envolvidas com o submundo em troca de uma vida de pequenos luxos, fazemos cara de surpresa.
Não deveríamos fazer. Enquanto imperar o Deus Consumo, episódios como esse se tornarão cada vez mais comuns.
Uma geração que, de tão apressada, nem se permite sonhar.
E cá pra nós, perder a capacidade de sonhar, dos sonhos simples aos sonhos impossíveis, é mergulhar no abismo.
Daniel Thame
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