
Para eles, eu não sou minha. E ela não é dela
Jéssica Brito
Parece clichê, mas não é. Todos os dias, nós mulheres precisamos reafirmar que somos donas de nós mesmas. Que nosso corpo, nossas escolhas, nosso silêncio ou nossa fala – tudo isso nos pertence. E que ninguém, absolutamente ninguém, tem o direito de atravessar essa linha.
A cada novo dia, os dados mostram o crescimento da violência contra a mulher. Mas é importante lembrar: a violência não começa no tapa. Ela começa no grito, no verbo que fere, na ameaça sussurrada, no olhar que intimida. Antes do corpo ser tocado, muitas vezes já foi violado pelo medo.
Eu tinha 17 anos quando fui encurralada a caminho do cursinho pré-vestibular. Ele me prensou contra a parede com tanta força que deixou marca no meu braço. Por sorte – ou instinto – eu consegui gritar, reagir e me soltar. Mas o que veio depois também doeu: o julgamento. Me perguntaram o tamanho da minha saia. A culpa, mais uma vez, escorregando das mãos do agressor e caindo sobre a vítima.
Passei meses com medo de andar na rua. Passei meses sem coragem de vestir uma saia.
Hoje, eu penso em todas as mulheres que vivem violências muito maiores, silenciosas, domésticas, invisíveis. Penso nas que foram violentadas, nas que ainda vivem com seus agressores, nas que não conseguiram sair a tempo.
E penso também em como tentam suavizar o que é insuportável: dizem que “feminicídio” é só um nome a mais para o homicídio. Não é.
Feminicídio é quando uma mulher é assassinada por ser mulher.
Quando um homem acha que ela não tem o direito de ir, de dizer não, de se separar, de viver. Quando ele acredita que ela é sua posse – e se ela ousar contrariá-lo, paga com a vida.
“Para eles, eu não sou minha. E ela não é dela.”
Mas é por isso que continuamos falando, gritando, escrevendo. Porque precisamos lembrar, todos os dias, que somos sim: nossas. E que ninguém tem o direito de nos tirar de nós mesmas.
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Jéssica Brito é jornalista do Grupo Ipolítica de Comunicação