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Walmir Rosário

O que deveria ser um tema sério é tratado como vulgaridade, futilidade, desrespeito à segurança e a dignidade humana. E o palco é a Câmara Federal, em Brasília. Pasmem, o projeto mistura alhos com bugalhos e tentaria dar segurança a uma parte dos milhares de passageiros de ônibus urbanos, relegando outra parte ao Deus dará, ao infortúnio que lhes cabe no latifúndio do injusto transporte público brasileiro.

Se por um lado, a lei diz que é obrigatório o uso de cintos de segurança em veículos, mas, porém, todavia, contudo, entretanto, uma exceção foi colocada para salvar a legislação diz: onde se é permitido viajar em pé, ou seja, nos malfadados ônibus urbanos, pode, está tudo liberado. E a questão segurança desce esgoto abaixo, num confronto à normal constitucional que declara igualdade entre os seres humanos em toda a nossa pátria.

E a justificativa é a mais estapafúrdia, explicando que se não for permitido passageiros em pé, o serviço seria caríssimo e impraticável, pois o número de veículos passaria para mais que o dobro. Pior, ainda, é que o motorista não poderia dar partida no veículo antes que o passageiro estivesse devidamente sentado. Também, o passageiro ao pedir para descer no ponto, somente poderia sair do assento, após a parada e a consequente retirada do cinto de segurança. Uma pérola, beira ao caos organizado.

Mas agora um milagroso projeto de lei pretende implantar a obrigatoriedade do cinto de segurança, mesmo nos ônibus que permitem passageiros em pé. Se lhes parece estranho, vejam a justificativa do parlamentar José Nelto (PP/GO), no projeto de lei 2515/2022, para alterar o Código de Trânsito Brasileiro, estabelecendo o cinto de segurança como equipamento obrigatório nos assentos preferenciais, de passageiros, do motorista e cobrador dos veículos de transportes coletivos.

A justificativa do deputado goiano é que, quando houver assentos disponíveis dentro desse meio de locomoção é de suma importância que haja cinto de segurança, já os demais que não obtiverem uma cadeira dentro do transporte coletivo, finalizarão o percurso em pé como já é de costume. Vale salientar que não há motivo para que o cobrador e o motorista não usem cinto de segurança, tendo em vista que tal medida assegurará um possível acidente de trabalho.

Em razão do já exposto, continua a justificativa: “tal medida beneficiará idosos que já não possuem tanto preparo e força física necessária para utilizar esse tipo de meio de locomoção, como também auxiliará mães e suas respectivas crianças que dependem desse tipo de transporte para se locomover”. Aos que costumeiramente utilizam o transporte público de passageiros, resta uma pergunta: O deputado já andou em um desses ônibus?

Acredito que não, do contrário não continuaria a justificativa com outras baboseiras, tais como a que se segue: “Dessa forma, a presente proposição tem como finalidade instituir tal acessório de enorme e comprovada importância, sem nenhum prejuízo aos passageiros, levando em consideração que aqueles que não conseguirem se assentar, finalizarem a corrida em pé como já feito cotidianamente”. Melhor seria ter o desconhecido parlamentar permanecer calado. Ganharíamos muito com o silêncio do deputado.

Pelo exposto no absurdo projeto, realmente o parlamentar não tem ou teve, bem como seus assessores, a menor intimidade com um ônibus urbano, notadamente nos horários de maior movimento. Numa pegou uma fila num ponto ou terminal, jamais viu passageiros viajando pendurados nas portas (abertas, por sinal), muito menos o que acontece quando o motorista aplica um freio de arrumação.

Nem por sonho sabe, ou por ouvir dizer, que os assentos preferenciais foram selecionados nos ônibus para o uso dos mais expertos, dos que chegam mais cedo e se abancam sem qualquer respeito ao que diz a lei, e muito menos aos idosos, gestantes e outros que deveriam ser beneficiados. Mesmo que os que por direito reclamem seus lugares, os infratores não dão a mínima, pois fingem sono profundo, embora não seja o dos justos.

Não creio que o minúsculo e inexpressivo projeto consiga chegar ao plenário, mas será incluído no currículo do inusitado parlamentar e divulgado pela imprensa e campanhas políticas, como prova de seu suado trabalho. Já os que sacolejam diariamente nos ônibus terão melhor sorte, pois se já estão excluídos sem o projeto de lei do deputado José Nelto, continuarão sem causar nenhuma dó ou piedade aos nossos ilustres parlamentares.

Pegando uma carona nesse inexpressivo projeto, relato aqui o acontecido comigo dias recuados, ao embarcar num ônibus da Rota em Feira de Santana com destino a Senhor do Bonfim. Para comprar a passagem, tive que apresentar uma série de documentos e cartão de crédito. No embarque, só faltaram me exigir a certidão de batismo e de óbito, mas, enfim viajei.

Tratamento igual não foi dado aos que paravam o ônibus no meio da rodovia e embarcavam apenas pagando, em reais, moeda nacional, sem as outras exigências a mim cobradas. Lotação esgotada nas poltronas, os viajantes em pé não era alertados pelo motorista – ao contrário de nós – pela falta de uso do cinto de segurança e ainda se recostavam em nossos assentos, alguns sentando-se nos braços das poltronas.

Faltavam educação e fiscalização. E ninguém, sequer, cobrou a segurança. Fineza que conhecer o deputado José Nelto, que é autor de diversos projetos, aconselhá-lo a desistir desse infrutífera empreitada. Quem sabe, mudar o foco para que o brasileiro possa ter um  transporte digno pode até ter sido uma boa intenção, o que seria uma proposição relevante, o que não é o caso em questão.

 

Walmir Rosário é Radialista, jornalista e advogado