
Quem são das “letras”? Maria Bethânia e Fernanda Montenegro. A polissemia das palavras.
Efson Lima
A inscrição de Fernanda Montenegro para compor o quadro da Academia Brasileira de Letras tem gerado um debate interessante na sociedade brasileira. A pergunta “quem é das letras” surge repentinamente. Não obstante, o tema adquiriu maior relevância em terras baianas com a escolha de Maria Bethânia, na segunda-feira última (11/10) para compor a Academia de Letras da Bahia, cuja instituição já ultrapassou o centenário.
Na semana passada, uma figura pública baiana em diálogo comigo, informava que havia recusado o convite para pertencer a uma determinada Academia de Letras na Bahia. A pessoa não se sentia à vontade, pois, mesmo com publicações em periódicos não se encaixava no conceito das artes e das letras. Refutei, pois, o currículo da pessoa o credencia para as mais diferentes funções. Além de inteligente, uma figura humana dedicada ao que faz e exemplar gestora.
De fato, a polêmica surge se mantivermos preso ao conceito estrito “letras”, mas essa não é o que preconiza os objetivos e as finalidades dessas Casas literárias. O termo deve ser compreendido no sentido amplo. Turva-se também , pois, muitos veem o termo “arte” como sendo inerente apenas das atividades artísticas. Em uma sociedade em que se debate os conceitos de “criatividade” e “inovação” tardiamente justifica a confusão, mas não permite a nossa caminhada enquanto estratégia de desenvolvimento.
Surgem também outras polêmicas necessárias no caso da eleição de Fernanda Montenegro para Academia Brasileira de Letras, pois, a consideram uma mulher branca e de classe média alta. Recuperam rapidamente a figura de Conceição Evaristo, uma mulher destacada na literatura, mas segundo alguns foi defenestrada no processo eleitoral por razões raciais entre outras querelas. Considero uma injustiça à autora, pois, esquecem de destacar o currículo do concorrente: Cacá Diegues. Não avançarei nessa polêmica, quase todas as críticas levantadas são válidas, mas não podemos analisar somente a fotografia do momento sem considerar a série histórica de fotografias e o processo histórico de quem é fotografado e de quem fotografa. De fato, o tecido social brasileiro ainda não está representado em diversos espaços.
Retomemos ao debate de quem são das letras. Como já esboçado, o termo “letras” deve ser compreendido de forma elástica. Não pode ser visto tão somente para quem escreve, pelo contrário, precisa ir em direção à oralidade. Não somente para aquele que faz e/ou estuda literatura, mas também para aquele que está a esboçar as diversas literaturas e diversos fazeres. A práxis é uma arte constante. Bob Dylan ao ganhar o Prêmio Nobel, em 2017, provocou reflexões no planeta. As letras de suas canções justificavam a premiação na área da literatura segundo os julgadores. À guisa de curiosidade o primeiro Curso de Letras no Brasil foi ofertado a partir de 1933, na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae, que, posteriormente, em 1946, foi transformada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Portanto, a institucionalização do termo enquanto formação ocorre bem depois da fundação da Casa de Machado de Assis em 1897.
A Academia de Letras da Bahia assegura no seu artigo primeiro que “tem por objetivos o cultivo da língua e da literatura nacionais, a preservação da memória cultural baiana e o amparo e estímulo às manifestações da mesma natureza, inclusive nas áreas das ciências e das artes”. A Academia Brasileira de Letras estabelece que tem por finalidade promover “a cultura da língua e da literatura nacional” Portanto, essas instituições preconizam os saberes culturais, os valores humanísticos e a ciência encartada nas diversas áreas dos saberes.
Não me resta dúvida que Maria Bethânia e Fernanda Montenegro são das letras e exalam para a sociedade brasileira empoderamento e valorizam ainda mais os campos artísticos, entrelaçando-os. As suas presenças físicas nessas instituições demonstram um louvor à interdisciplinaridade, cuja prática parece ser tão cara ao cotidiano brasileiro. Elas são guaxe de uma nova esperança. São poíesis para nosso tempo a despertar boa imaginação e bons sentimentos, sem prejuízo da práxis.
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Efson Lima – doutor e mestre em direito/UFBA. Professor universitário. Advogado. Escritor nas horas não-vagas.
Excelente reflexão. Parabéns!
Excelente reflexão Efson. Necessário ampliarmos o olhar, pensarmos e agirmos para além “da caixa” que nos limitaram durante muito tempo. Parabéns. Que as Academias sejam diversas, múltiplas de olhares e saberes.
Duas grandes promotoras da arte e da cultura nacional. Que as academias se ampliem, Efson Lima! Parabéns pelo texto!