Naomar Almeida Filho

naomarNa Carta Aberta, afirmei que, reiterando um padrão pessoal de gestão pública, ao assumir a reitoria da UFSB, concentrei-me em aspectos conceituais, políticos e pedagógicos do projeto, delegando a dirigentes de minha confiança a dimensão administrativa, particularmente o gerenciamento do cotidiano e a gestão de pessoas.

A iniciativa de descentralizar a gestão administrativa foi sempre meu estilo de gestor público, desde a criação do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, no início dos anos 1990. Foi assim que cumpri dois mandatos de reitorado (2002-2006; 2006-2010) na UFBA, tendo Francisco Mesquita como Vice-Reitor. Em total confiança, na UFBA, o Vice-Reitor se responsabilizava pela gestão financeira, patrimonial e contábil da instituição, além do gerenciamento do cotidiano burocrático coordenando a equipe de gestores das pro-reitorias e assessorias.

Na UFBA, aprendi que o ofício de Reitor demanda uma agenda fluida e flexível, com certa dose de quase-ubiquidade, onde as janelas de oportunidades se abrem e fecham com rapidez, em cenários definidores que se apresentam borrosos em distintos lugares e tempos. Para exercer esse cargo com o mínimo de eficiência e criatividade, é absolutamente imprescindível a capacidade de delegar poderes e tarefas, desse modo dependendo, em todos os aspectos, do fator confiança. Somente dessa forma, poderia ficar mais dedicado à governança política e à liderança acadêmica, livre para realizar estudos preparatórios, prospecção de ideias, concepção de propostas, organização de eventos, elaboração sobre aspectos conceituais e pedagógicos do projeto institucional, soluções de gestão acadêmica, representação institucional, contatos externos, busca de apoios políticos, captação de financiamentos, diplomacia universitária etc.

Na UFSB, não foi diferente. Tão logo começamos a exercer algum grau de autonomia administrativa perante a instituição tutora (que era a UFBA), deleguei plenos poderes de gestão à Vice-Reitora Joana Angélica Guimarães. Vejam por exemplo, em anexo, a procuração registrada na Superintendência da Receita Federal no início de 2015, essencial para a gestão financeira da UFSB.

À medida em que recebia autorização de senhas e chaves (chamadas tokens) necessárias para acessar os sistemas de gestão da rede administrativa federal, descentralizava atribuições e competências para membros da equipe central de gestão. Como Pró-Reitor de Planejamento e Administração, Francisco Mesquita responsabilizava-se pela gestão financeira, patrimonial e contábil da instituição. Além de apoiar a dimensão administrativa da gestão e estar a postos para me substituir em impedimentos e eventualidades, a Vice-Reitora Joana Guimarães se responsabilizava pela gestão de pessoal, principalmente redistribuições, nomeações, contratações e movimentação de docentes e servidores técnico-administrativos. Os outros pró-reitores – Raimundo Macedo na PROTIC (Pró-Reitoria de Tecnologia de Informação e Comunicação), Rogério Quintela, Joel Felipe e Fabiana Costa na PROSIS (Pró-Reitoria de Sustentabilidade e Integração Social) e Tereza Barbosa, Ricardo Kalid, Jeane Almeida, Márcio Florentino e Daniel Puig na PROGEAC (Pró-Reitoria de Gestão Acadêmica) – igualmente gozavam de plena autonomia para montar suas próprias equipes, preencher cargos, gerir processos, produzir soluções e atender demandas em suas respectivas áreas de atuação. Num clima ideal de confiança, essa autonomia se relativizaria no compartilhamento da responsabilidade, sendo o Conselho de Gestão a instância competente para dar a necessária consistência e harmonia ao trabalho coletivo da equipe dirigente.

Antes de concluir esta primeira crônica, devo fazer um comentário que julgo pertinente. Confiança aqui não se refere somente ao registro subjetivo, no plano moral individual, como elemento de uma ética pessoal, de certo modo equivalente a honestidade e integridade. Para mim, trata-se mais de uma questão de ética social e política; ética social porque implica comprometer-se ativamente com a melhoria do vínculo social que nos une e viabiliza nosso bem-viver; ética política na medida em que faz da confiança um importante elemento de transformação social e institucional a partir de projetos coletivos, efetivamente compartilhados.

Na sociedade brasileira atual, marcada por relações sociais e humanas sobredeterminadas numa estrutura econômica e política de raiz escravocrata, definida por desigualdades e injustiças, infelizmente parece predominar uma cultura de violência e intolerância. Esse contexto social condiciona diretamente a organização do serviço público, submetido a mecanismos de controle institucional e jurídico fundados numa lógica perversa de suspeição e desconfiança. Na concepção de gestão que me orienta (e que eu acreditava que nos orientaria), confiança constitui fundamento de cultura institucional imprescindível a uma nova eficiência, necessária à instituição pública baseada em criação e inovação, sobretudo quando se trata de fomentar novos modelos de gestão para consolidar novos modelos de universidade, o que seria o nosso caso.

Mas, infelizmente, não foi isso o que ocorreu…