Débora Spagnol

debbieA infância pode ser considerada como a ´fundação´ necessária à ´obra´ que se constitui nossa vida: uma estrutura forte, saudável e amorosa pode garantir uma vida mais plena e feliz.

No início do século 20 a ciência criou o conceito de “Primeira Infância” – período que vai de zero a seis anos – e no qual todas as interações (positivas ou negativas) que a criança mantém em família e sociedade são definidores e formadores da personalidade do adulto futuro. Assim, se na primeira infância a criança viveu em ambientes amorosos, harmoniosos, estimuladores e inteligentes as chances de que se torne um adulto saudável e bem sucedido são significativas. Ao contrário, se a criança vivenciou situações de pobreza extrema, abandono afetivo, negligência ou violência e portanto permaneceu em estado de alerta em razão do enorme estresse daí advindo, há grandes chances de que se torne um adulto portador de várias doenças crônicas e problemas emocionais.

Em março deste ano e depois de dois anos de discussões no Congresso Nacional, foi publicada a Lei nº 13.257/2016, popularmente conhecida como o “Marco Legal da Primeira Infância” e que prevê a criação de uma série de programas, iniciativas e serviços voltados a auxiliar as famílias no desenvolvimento integral das crianças de zero a seis anos. De forma simples, busca colocar a criança como prioridade na formulação de políticas públicas, desenvolvimento de programas sociais e formação de profissionais (professores, psicólogos e assistentes sociais).

Assuntos como ampliação da licença-paternidade e maternidade, discussão de gênero nas escolas, cursos ´on line´ sobre paternidade ativa, participação infantil enquanto cidadã, incentivos a brincadeiras, integração das políticas da infância, aprimoramento dos docentes e prevenção da violência estão entre os principais tópicos tratados na lei.

Nos artigos iniciais, a lei essencialmente indica sua base ideológica, fixando regras de partilha de competências entre os entes federativos.

A partir do artigo 18 se explicita a concretização dos princípios antes propostos, inserindo-se artigos de alteração e inclusão de novos dispositivos à legislação já existente e que, de forma resumida são os seguintes:

– NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (Decreto-Lei 5.452/43):

-> Sem prejuízo do salário, o empregado poderá faltar ao trabalho até 2 (dois) dias para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período de gravidez de sua esposa ou companheira e 1 (um) dia por ano para acompanhar filho de até 6 (seis) anos em consulta médica (art. 473)

-> A licença paternidade poderá ser estendida de 5 dias para 20 dias e a licença maternidade acrescida de 60 dias, atingindo assim o total de 180 dias, desde que a empregadora esteja cadastrada como “empresa cidadã” (Lei 11.770/2008) junto à Receita Federal. Nesse período, os empregados deverão receber salário integral. Em contrapartida, os pais deverão comprovar comparecimento em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável, sob pena de perder o direito ao benefício.

Tais dispositivos são bem vindos nos tempos atuais, em que se reconhece como imprescindível a presença do pai nos primeiros dias da criança. Como benefício, a mãe tem suas responsabilidades divididas e o pai retorno ao trabalho mais feliz e motivado.

– NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (Lei nº 8.069/90):

-> É necessária formação específica dos profissionais que atuam no cuidado diário ou frequente de crianças na idade compreendida entre zero e 06 anos, visando especialmente a detecção de sinais de risco para o desenvolvimento psíquico (art.11).

-> A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, resguardando-se o direito de manter suas crenças e culturas (art.22).

-> Os serviços de unidades de terapia intensiva neonatal deverão dispor de banco de leite humano ou unidade de coleta de leite humano (art.9º); é obrigatória a permanência de um dos pais em casos de internamento hospitalar de criança e adolescente (art.12) e será garantida assistência odontológica desde o nascimento (art.13).

-> Intervenção multidisciplinar em casos de suspeita ou confirmação de violência de qualquer natureza contra a criança ou adolescente, inclusive com acompanhamento domiciliar, se necessário (art.13, § 1º)

-> É facilitada a entrega espontânea do filho para adoção, caso em que a mãe deverá ser encaminhada, sem constrangimento, à Vara da Infância e Juventude (art.13, §2º).

-> Preferência para que a criança ou adolescente seja mantido em sua família de origem, desde que não exista motivo grave a desautorizar tal arranjo familiar. Porém, a família deverá obrigatoriamente ser incluída em serviços e programas oficiais de proteção, apoio e promoção. Excepcionalmente, será nomeada família substituta (art.19).

-> Gratuidade, a qualquer tempo, da averbação requerida no reconhecimento de paternidade no assento de nascimento e a certidão correspondente (art.33).

– NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (Decreto-Lei nº 3.689/41):

-> Ao preso, seja no momento da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante ou diante do Juiz em sede de interrogatório, será indagado acerca da existência de filhos, sua idade, eventual deficiência e o responsável pelos cuidados, no caso da permanência da prisão, fazendo constar as anotações colhidas.

-> Autoriza o deferimento de prisão domiciliar à gestante, à mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos ou ao homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 anos de idade incompletos (art.338).

Com essas determinações, o legislador avançou no sentido de determinar que eventual existência de filhos menores influencie na fixação da pena e no seu regime de cumprimento, priorizando as garantias constitucionais de crianças e adolescentes.

Apoiar o desenvolvimento saudável das nossas crianças em seus primeiros anos através do convívio mais prolongado com ambos os genitores e garantindo saúde física e psicológica é duplamente vantajoso: amplia o número de adultos física e psicologicamente saudáveis e em longo prazo diminui as despesas do Estado com seus cidadãos.  Pesquisas indicam que a cada dólar investido na primeira infância a sociedade recebe sete dólares em retorno.

Uma infância mais saudável também pode resultar em aumento da escolaridade, diminuição da desigualdade social, redução da criminalidade, ampliação da empregabilidade e impacto positivo na saúde pública.

 

– Integra da lei: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13257.htm

– Mais informações sobre a importância da afetividade na primeira infância: http://www.enciclopedia-crianca.com/importancia-do-desenvolvimento-infantil/segundo-especialistas/o-investimento-em-desenvolvimento-na e http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/o_comeco_da_vida_documentario_brasileiro_importancia_do_afeto_na_primeira_infancia.html