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Débora Spagnol

A palavra ´terceirização´ utilizada no Brasil equivale ao termo inglês outsourcing, que, literalmente, significa ´fornecimento vindo de fora´. De forma resumida, terceirização é definida como o método pelo qual uma empresa prestadora de serviços é contratada por outra empresa ou pela administração pública para realizar os serviços entre elas pactuado.

Através desse sistema, a empresa que presta serviços emprega e remunera os trabalhadores que exercerão as atividades contratadas, sem que haja o reconhecimento de vínculo empregatício entre a contratante e os colaboradores ou ainda entre os trabalhadores e os sócios da empresa contratada.

O Projeto de Lei n. 4.330/2004 traz mudanças significativas na legislação brasileira com relação à terceirização das atividades, sistema de contratação que vinha sendo regulado unicamente pela Súmula nº 331 do TST.

A proposta que buscava expandir a terceirização para atividade-fim e não apenas para atividade-meio foi aprovada na Câmara dos Deputados por 230 votos a favor e 203 contra. Já a proposta que estende a atividade para setores para administração pública teve 257 votos a favor e 38 contra.

Também foi aprovada a proposta que diminui a “quarentena” de pessoas que saiam de um trabalho e passem a prestar serviço como terceirizado. Pela proposta, o funcionário pode voltar à empresa como terceirizado após 12 meses e não 24, como estava previsto.

Agora o projeto segue para o Senado, sem data para votação. Se os senadores mudarem algum ponto do texto, a matéria volta a ser debatida na Câmara. Se o Senado mantiver o texto como está e aprová-lo, ele vai para sanção presidencial.

Se a Presidenta vetar algum ponto da proposta, ela volta para ser apreciada em sessão conjunta do Congresso, que pode manter os vetos ou derrubá-los (ou seja, fazer valer o texto aprovado na Casa). Se a Presidenta Dilma sancionar (aprovar) o projeto, ele passa a valer como lei trinta dias após a publicação em Diário Oficial.

O projeto até agora aprovado abrange empresas privadas, sociedades de economia mista, empresas públicas, produtores rurais e profissionais liberais, excluindo a administração pública direta. Em tramitação há mais de uma década, o projeto foi utilizado durante vários anoscomo bandeira de campanhas a mandatos eletivos, a favor, sob o discurso de defesa da lucratividade das empresas e eficiência do Estado, ou contra, sob o argumento da super exploração do trabalhador.

Tramitando com aprovação pelas Casas e sendo sancionado, publicado e transcorrido o prazo citado, permite que as terceirizações ocorram em quaisquer atividades, de meio ou fim, sendo que o contrato de prestação de serviços pode versar sobre o desenvolvimento de atividades intrínsecas, acessórias ou complementares à atividade econômica da contratante (art.4º, §2º, do PL).

Neste sentido, os críticos da ampliação da possibilidade de terceirização dos serviços já citam o primeiro equívoco, ao destacar que se foge do principal objetivo para o qual a terceirização foi criada – justamente a permissão de que empresas especializadas realizem esta sua competência para a contratante e permitam que esta última se ocupe de sua finalidade precípua.

Ocorre que o projeto, na forma como até agora foi aprovado, tem originado opiniões divergentes acerca das vantagens e desvantagens a empresários e trabalhadores.

O empresariado, em sua grande maioria, é favorável à terceirização, no sentido de que esse sistema já é um fato consumado e irrevogável, não mais existindo possibilidade de descartá-la do dia a dia das empresas.

Há inclusive uma corrente empresarial a afirmar que a regulamentação do trabalho terceirizado alinhará o Brasil às mais modernas práticas trabalhistas do mundo, trazendo incentivo ao surgimento de novas empresas e a ampliação dos postos de trabalho na prestação de serviços (1).

Além disso, citam avanços à atividade empresarial, como a descentralização dos riscos de produção e de distribuição de bens e serviços.

Já pelo prisma dos trabalhadores, são elencados vários prejuízos que a terceirização trará aos seus direitos historicamente conquistados, dentre eles:

– A possibilidade de redução salarial – com a mudança de empregador, a empresa terceirizada não tem obrigação de pagar o mesmo valor que anteriormente o funcionário recebia na empresa em que trabalhava, mesmo exercendo as mesmas funções na nova empregadora.

– Abolição da equiparação salarial – trabalhos idênticos poderão ser remunerados deforma desigual, em razão da distinção de empregadores.

– Benefícios concedidos através de acordos e convenções coletivas de trabalho – a nova empregadora não estará obrigada a cumprir normas que ela não pactuou e de cujas negociações sindicais não participou.

– Enfraquecimento dos sindicatos – a pulverização dos trabalhadores em diversas empresas, com datas-bases diferentes, fragmentará as negociações coletivas, frustrando as reivindicações legítimas das categorias.

– Maior dificuldade de reinserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho – apenas empresas com mais de 100 funcionários são obrigadas a empregar 2% de PCD. As empresas poderão ser ´fatiadas´, dissolvendo-se em múltiplas empregadoras, desobrigando-se assim das cotas.

– Aumento das possibilidades de fraudes – empregadores “laranjas” poderão ser utilizados para constituir pessoas jurídicas e assim empregar os trabalhadores, mas sem que possuam idoneidade técnica ou econômica para cumprir adequadamente os direitos trabalhistas. De forma indireta, há a ´blindagem´ da empresa contratante, eis que em caso de frustração do pagamento das verbas trabalhistas, inicialmente deverá ser esgotada a via judicial em desfavor da contratada.

– Prejuízo à saúde e segurança do trabalhador – devido à alta rotatividade de mão-de-obra em relação às terceirizadas, restam prejudicados a capacidade e os treinamentos, criando assim ambiente propício a acidentes de trabalho. E isso se dá também em razão do baixo investimento em segurança pelas contratantes, eis que necessitam manter o menor custo da mão-de-obra para se tornarem competitivas. É importante observar que, no País, de cada 5 acidentes fatais, 4 vítimas são trabalhadores terceirizados (2).

Dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos (Dieese) mostram que os riscos de um empregado terceirizado morrer de acidente de trabalho é 5,5 vezes maior que nos demais segmentos produtivos.

Entre outras razões para o elevado número de acidentes, destaca-se o compromisso da empresa contratada em cumprir prazos pelo menor preço, com a intensificação da jornada de trabalho com mais horas de atividade e imposição de condições perigosas e penosas, revelando assim a precarização social.

Caso aprovado, o Projeto de Lei trará várias e importantes modificações às relações trabalhistas, conforme se destacam a seguir, ponto a ponto:

Atividades que podem ser terceirizadas.

Hoje, apenas são passíveis de terceirização serviços de vigilância, limpeza e conservação, além dos serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador.

Após a aprovação do PL 4.330, qualquer atividade poderá ser terceirizada (atividades inerentes, acessórias ou complementares da empresa tomadora).

— Responsabilidade das empresas.

Atualmente, a empresa tomadora dos serviços (contratante) tem responsabilidade subsidiária (isto é: se o devedor principal não pagar, o devedor secundário, em substituição, tem de pagar). Na prática, a empresa tomadora poderá ser condenada judicialmente ao pagamento das verbas trabalhistas e previdenciárias.

Com a nova lei, a empresa tomadora dos serviços deverá fiscalizar o correto pagamento das verbas salariais e previdenciárias ao empregado terceirizado. Havendo a prova da fiscalização sobre o pagamento feito pela empresa prestadora de serviços, a responsabilidade da tomadora é apenas secundária. Se não houver prova da fiscalização sobre a empresa prestadora, a contratante terá responsabilidade solidária, isto é: o terceirizado pode cobrar as verbas trabalhistas e previdenciárias de qualquer uma das empresas.

— Vínculo empregatício.

Hoje, se o empregado comprovar judicialmente que existe pessoalidade na prestação de serviços (ou seja, que ele não pode ser substituído por outro no exercício de suas atividades). ou subordinação (que recebe ordens diretas e até mesmo punições) da empresa tomadora, a terceirização é considerada irregular e o vínculo empregatício se forma diretamente com a empresa tomadora.

O Projeto de Lei 4.330/04 nada regulamenta neste sentido, o que implica concluir que serão aplicadas as mesmas regras do tópico 2 – responsabilidade das empresas.

— Representação sindical.

Atualmente, os empregados terceirizados são representados pelo Sindicato da categoria preponderante da empresa tomadora de serviços. Mas, se a terceirização for considerada irregular, o empregado terceirizado terá os mesmos direitos dos demais empregados da empresa tomadora.

Após a aprovação da nova lei, os empregados terceirizados serão representados pelo Sindicato da categoria da empresa tomadora de serviços. O sindicato poderá ser o mesmo da empresa tomadora se a atividade terceirizada pertencer à mesma categoria econômica.

— Exigência de capital social mínimo.

Atualmente tal assunto não é regulamentado.

A nova lei estabelece exigências de capital social mínimo conforme a quantidade de empregados (ainda não foram fixados parâmetros e valores).

– Imobilização do capital social.

Previsão ainda não regulamentada na legislação trabalhista.

Pelo projeto, a negociação coletiva poderá exigir a imobilização do capital social em até 50% (cinqüenta por cento).

– Alteração da empresa prestadora de serviços.

Nossa legislação atual não prevê troca de empresas prestadora de serviços. Na prática, porém, a troca de empresas prestadoras de serviços tem sido considerada pela Justiça do Trabalho como indicativo de existência de fraude na contratação de terceirizados.

O projeto em análise prevê a possibilidade de troca da empresa prestadora de serviços com a admissão dos empregados da antiga contratada e garantia dos salários e direitos do contrato anterior.

– Fornecimento de refeição, transporte e serviço médico aos empregados terceirizados.

Atualmente não é regulamentado. Porém, o fornecimento de refeição, transporte e atendimento ambulatorial aos terceirizados pode ser considerado como indicativo da existência de fraude na contratação de terceirizados.

O projeto de lei prevê o fornecimento de refeição, transporte e atendimento ambulatorial aos terceirizados.

– Proibição de sócios da empresa prestadora de serviços.

Hoje não é regulamentado.

Pela nova lei, o sócio da empresa prestadora de serviços não poderá ser sócio, administrador ou ter mantido vínculo empregatício nos últimos dois anos com a empresa tomadora.

– Recolhimento antecipado de tributos.

Atualmente não é regulamentado.

A empresa tomadora deverá fazer o recolhimento antecipado dos tributos devidos pela empresa contratada.

– Quarteirização.

Hoje não há regras prevendo essas situações que envolvem subcontratações.

Se aprovado Projeto de Lei 4.330, a empresa prestadora dos serviços que subcontratar outra empresa para a execução dos trabalhos será solidariamente responsável pelas obrigações trabalhistas assumidas pela empresa subcontratada.

– Administração pública.

Caso aprovada a nova lei, as regras que já estão em vigor permanecerão sem alteração.

Atualmente, a terceirização irregular pela Administração Pública não gera vínculo de emprego entre o trabalhador terceirizado e os órgãos da Administração Pública direta (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), indireta (autarquias ou empresas públicas) ou fundacional.

A administração pública, todavia, tem responsabilidade subsidiária pela contratação.

Como seria natural supor, os movimentos sociais e as centrais sindicais vêm se manifestando contra o projeto, enquanto os órgãos patronais, claros representantes dos setores ligados ao capital-empreendedor, defendem o mesmo, fazendo surgir inúmeras e acaloradas discussões.

Não se desconhece que efetivamente existe uma urgente necessidade de regulamentar legalmente a prestação de serviços terceirizados, inclusive porque, atualmente, tais relações jurídicas são orientadas unicamente por uma interpretação jurisprudencial consolidada, representada pela Súmula 331 do TST (3), a qual, por ser limitada, não esgota os assuntos envolvidos na matéria.

O Projeto de Lei 4.330/04, ao permitir a terceirização de qualquer atividade, assim incluída a atividade-fim, nos traz preocupações ao direcionarmos o olhar às possíveis perdas dos benefícios trabalhistas conquistados ao longo do tempo.

Receia-se que, possibilitada a terceirização das atividades-fim, o que na prática acontecerá é que a maioria das empresas, especialmente as de maior porte, terceirizará setores para afastar-se da obrigatoriedade celetista com a conseqüente redução dos benefícios trabalhistas (como redução de salários, empregados desempenhando mesmas funções, mas com salários distintos – o que, note-se, é inconstitucional, ferindo os princípios da dignidade da pessoa e da isonomia).

Embora se conclua seja um projeto necessário à regulamentação legal da prestação de serviços terceirizados, a aprovação do Projeto de Lei 4.330/04 seria um retrocesso que, mascarada sob os argumentos de maior eficiência da contratada e de resguardo aos direitos do trabalhador, teria sua aplicação marcada pela grave afronta aos direitos do obreiro, sobretudo diante das inúmeras possibilidades de ilegalidades que viriam na esteira de sua aplicação.

Além disso, uma política efetiva para geração de empregos depende da economia aquecida e da redução dos encargos sociais sobre a folha de pagamento – situação que não está abrangida na nova lei.

 

  • Opinião de Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e do Conselho Deliberativo do Sebrae-SP.
  • Sebastião Caixeta, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, por ocasião da audiência pública realizada pelo TST, em outubro de 2011, sobre o tema terceirização: “De cada cinco mortes em empresas, quatro são de trabalhadores terceirizados e em cada dez acidentes de trabalho, oito são registrados em empresas terceirizadas. Não há como se contestar que existe um desrespeito em relação ao meio ambiente de trabalho dos terceirizados”.
  • Diretrizes da Súmula 331, do TST: “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1998).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexiste a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes a Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral”.