Thais Alves

capoeiraAs pessoas afogavam suas mágoas, suas tristezas, seus medos, suas lutas e, principalmente, seus cansaços. Estamos na cidade da Bahia, se levantasse a cabeça até dava para ver os orixás do dique olhando todos para baixo.

Paulo grita uma palavra de ordem para política. Um senhor de 63 anos mestre em capoeira (veja bem, mestre em capoeira) chega junto e responde que naquele lugar as pessoas gostavam mais do opositor. “Votei no PT”, ele diz.

Paulo, possesso com o enfrentamento daquele velhaco, afinal porque as pessoas deviam pensar diferente? Mais da metade do país não concorda com ele, mas ali na sua vizinhança, aturar isso é insuportável.

Ele vai em casa e volta. Veja bem, o sujeito homem vai em casa. Podia ter respirado, podia ter tomando um banho, podia ter namorado a crush, podia ter aberto mais uma cerveja da geladeira e sentado no sofá para ver sorridente o tamanho do rombo no qual o país se afogava. Podia ter feito tanta coisa. Mas ele escolheu voltar ao bar. E o fez com uma faca. Foram, ao todo, treze golpes. 12 no senhor. 1 no braço do parente que tentou defender seu mais velho.

13 golpes de raiva. Pelas costas. Um senhor de 63 anos. Podia ser seu avô, podia ser seu pai. Foi Mestre Moa, agora meu ancestral.

Paulo contou que foi xingado, que estava bebendo desde de manhã, que estava arrependido. Foi encontrado no banheiro de casa. Um rastro de sangue no caminho simplesmente levou a polícia até ele. Paulo, também tinha uma vida. Não terá mais. Assassino bom é assassino morto, diriam alguns.

 

Eu digo que Paulo vai amargar alguns anos de reclusão e uma vida inteira de remorso. A vida que ele tinha, não terá mais. Porque voltou ao bar com uma faca. Porque não respirou. Porque não se controlou. Paulo matou. Minutos antes de entoar um grito de apoio ao seu candidato, que foi, na verdade, uma ameaça, uma afronta. Uma semente jogada pelo ódio.

Paulo, que bebeu o dia inteiro para comemorar a votação expressiva de seu mito, matou uma pessoa e feriu outra. Paulo matou uma pessoa. Matou porque odiou, porque se cegou, porque achou que podia, entendeu que deveria. Desses entendimentos silenciosos que a gente escuta com a cabeça e não com os ouvidos.

Dessas mensagens que eu também recebo nos grupos do zap, grupos de amigos, pessoas queridas até, pessoas de bem (como eu e como mestre moa), que com certeza não matariam ninguém, mas defendem quem mataria, quem matou, quem mata.

Eu penso que se Paulo estivesse armado a tragédia teria sido muito pior. Mas ele não estava, ele não precisou estar. Ele foi em casa, ele pegou uma faca, ele enfiou a faca 12 vezes nas costas de um senhor de 63 anos. Podia ser seu pai. Podia ser seu avô. Podia ter sido você. E foi. Foram 43 milhões de brasileiros. Quase metade do país, quase metade, QUASE.