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Era noite de Lua cheia quando os maracás começaram a tocar na terra Indígena Caramuru Catarina Paraguaçu, em Pau Brasil,  no Sul da Bahia. A Cabana do cacique Nailton estava lotada por de representantes vindos do Extremo Sul da Bahia (Pataxó) dos Tupinambá de Olivença, com uma grande delegação com mais de trinta representantes na sua grande maioria jovens envolvidos nas questões da espiritualidade de seu povo ou interessados em conhecer e valorizar mais esta dimensão. Pataxó HãHãHãe das diversas regiões da Aldeia Caramuru e mais de 15 representantes da Aldeia Nova Vida que fica no baixo sul (Camamu). Os Xacriabás vieram do Oeste da Bahia (Coco) e do Norte de Minas (São João das Missões). Até mesmo representantes do Povo Mongóio-Kamakãn de Vitória da Conquista compareceu ao evento com uma pequena delegação. Após as boas vindas do anfitrião o Cacique Nailton, por volta das 19:30h teve início a um grande ritual que perdurou por toda a noite até ás 24:40h.

encontro-de-pajes-3Foi assim a abertura do Encontro de Pajés que teve como tema: “Nossa Resistência e nossa História são mantidas pela nossa espiritualidade”, mantendo sempre a tônica das celebrações e da valorização da espiritualidade indígena.

Já no segundo dia as delegações puderam apresentar a realidade vivenciada em cada comunidade, destacando sempre a parte da cultura, da espiritualidade, seus desafios, seus avanços e o que esperavam a partir deste encontro. Ficou claro no depoimento de todas as comunidades a necessidade de se retomar com mais força a espiritualidade tradicional e a valorização das suas culturas, em especial diante do avanço de outras denominações religiosas, que muitas das vezes chegam desconhecendo e desconsiderando que as comunidades já têm e praticam suas ritualidades. Em especial os mais velhos foram enfáticos em afirmar que é preciso barrar este avanço que agride e desvalorizam seus costumes e tradições e isto só pode ser feito com o fortalecimento dos seus rituais, com a articulação e valorização dentro das comunidades e com outras comunidades.

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Foram citados vários fatos atuais onde a presença e a força dos “encantados” atuaram em favor da causa indígena, em destaques a ocupação do congresso nacional no dia 16 de abril de 2013, quando se percebe que nenhuma força humana conseguira furar o forte bloqueio que impediam que os indígenas chegassem ao Plenário do Congresso Nacional onde os parlamentares se organizavam para criarem a comissão que iria votar a PEC 215. Durante todo um dia de intensos rituais no final da tarde guiados por forças superiores os indígenas ocupam e suspendem a sessão do Congresso. Para Saulo Feitosa, membro do Cimi Nordeste, só existia uma explicação para o acontecimento: “Esta ação foi a força dos encantados, dos Seres de Luzes dos Povos Indígenas”.

Outro fato bastante citado foi o ocorrido no final e 2014, quando o perigo volta a rondar os direitos dos povos indígenas, no fechamento dos trabalhos parlamentares, a bancada ruralista e seus aliados tentam votar a PEC 215. Para um dos aliados dos povos que ali se manifestavam, Egon Heck, missionário do Conselho Indigenista Missionário, afirmava:  “Eu poderia dizer como algo jamais visto que quanto mais as forças policiais se multiplicavam em número mais os rituais cresciam em força, em ânimo, entusiasmo e em respostas que para muitos parecem casualidades, mas que para os povos são providências dos encantados. Como, por exemplo, na primeira noite em que prenderam algumas lideranças indígenas a chuva foi tão forte que o Congresso, não por acaso, foi invadido por lama e alguns parlamentares ficaram, por horas, ilhados naquele mar de lama”.  http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=7947&action=read.

No período da tarde do segundo dia houve um momento de analise conjuntura e como se posicionar frente aos ataques aos direitos que as comunidades vêm sofrendo, em especial como usa a espiritualidade como instrumento de defesa. Haroldo Heleno do Cimi Regional Leste apresentou uma rápida análise destacando os vários instrumentos que visam suprimir os direitos indígenas duramente conquistados, em especial a PEC 215, o PL 1610, a grande ameaça que até agora era a mais perigosa contra estes direitos que era a interpretação que a 2ª Turma do STF vinha dando ao processo de demarcação, conhecido como “Marco Temporal”. Mas agora tínhamos um desafio ainda maior e mais perigoso, ficamos sabendo das informações durante a abertura do encontro, que é o Decreto do Presidente Temer, que modifica os procedimentos de demarcação de terras indígenas (Um conjunto de tudo que não presta). O Decreto afetaria a demarcação de aproximadamente 600 terras indígenas em diferentes estágios do procedimento demarcatório. Entre os vários dispositivos graves previstos pelo decreto está a incorporação do “marco temporal”, uma interpretação restritiva do artigo 231 da Constituição Federal que, na avaliação das entidades e movimentos, serviria somente para “legitimar situações de esbulhos de terras indígenas, posses ilegítimas, irregulares e ilegais e, consequentemente, outras violações de direitos humanos dos povos indígenas”.

Haroldo Heleno, recorreu a uma passagem bíblica para motivar a plenária. A História de Davi e Golias, já que muita gente gosta de citar o fato, sempre que temos um grande desafio pela frente, se usa a expressão: “Isto é uma luta de Davi contra Golias”, se usa para dizer que é uma luta desigual, e alguns para dizer que não tem jeito.  Mas Heleno lembrou e fez questão de destacar que quem venceu a luta não foi o gigante, mas sim o pequeno Davi, que nem guerreiro era, e não usou nenhuma arma poderosa, usou apenas uma “Boladeira”, mas Davi tinha dois elementos extremamente importantes para derrotar o gigante: A  fé em seu Deus e a clareza de onde tinha que acertar a pedra, na testa do gigante, ou seja, ele tinha claro o seu objetivo. Nailton afirmou: “É nestes momentos que precisamos ter uma certeza, devemos dedicar aos nossos rituais 50 por cento de nossos tempos, para nos fortalecermos cada vez mais, para enfrentar esta dura realidade os outros 50 por cento a gente dedica ao restante: articulação, organização, comer etc”. Nailton usou esta expressão em vários outros momentos do encontro, sempre no sentido de chamara a tenção para a valorização dos rituais.

A noite em volta de uma enorme fogueira e iluminados pela lua cheia as conversas da tarde ainda borbulhava nas mentes de todos, e um forte e intenso ritual nos acalmou com a presença de muitos encantados.

A manhã do dia 14 reservado para os encaminhamentos, nos trouxe um grato e surpreendente momento, na programação estava um pequeno ritual seguido dos encaminhamentos e avisos e volta para casa. Até este momento os encantados tinham nos visitados, mas sem muitas revelações, apenas manifestações de presença e participação nos rituais.  Nesta manhã a visita foi mais contundente, já na primeira manifestação, um aviso em especial para os Tupinambá e Pataxó. Na mensagem que o encantado trazia: “Algumas coisas não precisavam ser ditas, eles sabiam o que ia acontecer”, “Outras coisas não iam ser reveladas agora, mas que eram importantes e, portanto, todos deviam estar preparados”.  Numa segunda manifestação, mas geral para todos os povos presentes: “Em alguns momentos teremos que perceber as coisas mesmo sem a ver, temos certezas que algumas existem, mas não a vemos, mas temos que nos preparar para enfrentar grandes desafios”. E assim foram diversas manifestações presenças nesta manhã, alguns conselhos mais individuais e direcionados em especial a alguns jovens Pataxó HãHãHãe. E para os Tupinambá de Olivença a presença de espirito maligno manifestando em um jovem, foi um claro recado na necessidade do fortalecimento de seus rituais e num trabalho mais focado nos seus encantados e na valorização de suas crenças e tradições. O ritual de estendeu até as 13:00h.

Os encaminhamentos tirados foi o de fortalecer os rituais em cada comunidade. O compromisso de todas as comunidades presentes na realização de rituais nas noites de luz cheia. Realizar pequenos encontros de lideranças religiosas nas regiões e se mobilizarem desde agora para a realização do Encontro de Pajé de 2017, para que não haja dificuldades no deslocamento, na alimentação, enfim tentar fazer um encontro autônomo.

O encontro que tinha entre seus objetivos: Promover e Incentivar junto as comunidades indígenas do sul da Bahia uma retomada e o fortalecimento de suas espiritualidades, favorecendo o intercâmbio com povos que mantem muito enraizada suas experiências espirituais: Num primeiro momento promover a troca de experiências e de lutas entre os povos participantes do evento; Fortalecer a compreensão de algumas lideranças da necessidade de reforçar as espiritualidades de seus povos e da importância que a mesma tem nos processos de resistência e luta dos povos indígenas por seus direitos, particularmente pelos seus territórios, e por fim buscar construir e reconstruir formas de articulação e solidariedade entre os povos, diante da atual conjuntura de ataques aos seus direitos. Para o cacique Nailton o evento superou todas as expectativas, tanto na quantidade de pessoas que se esperava como nos objetivos propostos. “Já firmei o compromisso com as lideranças que aqui estavam, que o encontro de 2017, vai ser aqui na Cabana de novo, pois este foi apenas um tira gosto, e até lá vou visitar e incentivar outras lideranças que não puderam vim neste para se fazer presente não próximo”, “Estou satisfeito e acredito que os encantados também”, afirmou Nailton.