Vamos trocar o saci-pererê pelo Dia das Bruxas?
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Corramos todos à aula de inglês, pois o pensamento de colonizados nos mostra que a língua portuguesa-brasileira está com os dias contados. E se isso era algo subjetivo, agora se torna explícito, após a eleição de um indivíduo de baixo nível cultural e altíssimo grau de subserviência aos Estados Unidos. Por via das dúvidas, é conveniente aprendermos todos a bater continência (military continence?) a todo tipo de pessoa ou coisa que nos lembre aquele país (presidente topetudo, bandeira, assessores de terceiro escalão, copos americanos, lojas americanas etc.), para sermos coniventes com a pantomima que se instalou no governo federal.
É claro que alguns colonizados já se anteciparam à destruição do patrimônio cultural que é a língua portuguesa e falam torcendo a boca, em feitio de gângsters de filmes B: em vez de treinador, dizem coach; gerente agora é manager; orçamento é badget; presidente (de empresa) virou chair man; pessoas importantes não têm cachorro, têm pet; bicicleta dessa gente é chamada de byke, documento é paper, centro é center, loja não mais dá desconto, tem preço off. E nada mais é grátis, agora é free. O (nem sempre) inocente intervalo do cafezinho passou a chamar-se cofee break, enquanto o velho molho de churrasco foi rebatizado como molho barbecue. Essa gente, que tem dinheiro mas não tem juízo, desconhece o que seja saci-pererê, mas comemora uma coisa chamada halloween. Não demora, vão trocar alguma de nossas festas típicas (o São João, por exemplo) pelo Dia de Ação de Graças (que será dito, com a língua devidamente enrolada, Thanksgiving day). Se algum desses lesos aparecesse em outros tempos em Buerarema e chamasse a Barbearia de Mestre Alcides de Barber Shop seria posto pra fora a ponta-pés, pra aprender a respeitar nossas raízes culturais… Durante o Carnaval, a relação de anglicismos teve um acréscimo, feito pelo Capitão reformado: Golden Shower. “E o que é Golden shower” – perguntaria a ingênua leitora. Não digo. Além de cultivar um grande desamor pela baixaria, este é um blog familiar, que não pretende deixar coradas suas leitoras. Quem insistir em saber o que é Golden shower que consulte a enciclopédia de aberrações sexuais do clã Bolsonaro.
Resistir é preciso (e possível!)
A Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSC-SP) e a USP tiveram no Vestibular deste começo de ano, realizado, como de hábito, pela Fuvest – questões sobre textos de Karl Marx e Chico Buarque. De acordo com o Estadão, jornal sabidamente comunista, alguns dos temas das perguntas de Português foram patriarcado, ditadura militar e racismo. O texto de Karl Marx foi usado para discutir a figura histórica da mulher no capitalismo. Os candidatos também tiveram que analisar o gênero discursivo da letra da música “Meu Caro Amigo”, de Chico Buarque, que retrata um momento da ditadura militar. Trata-se de uma “carta-canção” ao teatrólogo Augusto Boal (um que, perseguido pela ditadura, vagou, exilado, pela Argentina, Portugal e França, voltando aqui só em 1984, com a redemocratização), em que Chico, a propósito de dar notícias do Brasil, tece um panorama da mesmice em que se encontra o País: “Aqui na terra estão jogando futebol/Num dia chove/Noutro dia bate o sol”- Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta.”
Curiosamente, o mesmo Estadão publicou, há cerca de um mês, entrevista com o professor Vahan Agopyan, reitor da USP, e lhe perguntou sobre a implantação de uma excrescência chamada “Escola sem partido”, uma das ideias medievais da extrema-direita brasileira que o prefeito João Dória quer transformar em lei. Respondeu o mestre:
Na USP, é impossível. Obedecemos às leis, mas coisas que ferem nossa autonomia a USP não precisa seguir. E isso fere. A universidade é um locus de debate. Formamos cidadãos.
“Mas, e se houver denúncias de alunos?” – perguntou o Estadão. Resposta:
Denunciar para quem? Não vou criar um mecanismo de controle ideológico na USP…
Enquanto houver atitudes corajosas como estas da Fuvest e do reitor da USP, estará viva a resistência contra o retrocesso que querem impor à população brasileira.
(Bddepd)
(As diatribes do Barão e sua equipe são publicadas às terça e sextas, quer chova, quer faça sol)
PERFIL DO BARÃO
1111Todos mostram seu perfil, também vou mostrar o meu. Chamo-me Marcos Aparício Lins Machado de Guimarães Rosa, e, logo se percebe, não sou propriamente uma pessoa, mas uma homenagem: cada um desses nomes tem um significado para mim, mas não vou tirar de ninguém – se não o prazer, ao menos o exercício de identificá-los.
Atendo também por Barão de Pau d´Alho (e isto tem a ver com o cheiro de minha terra – aí uma pista para pesquisadores ociosos). Sou um jornalista modesto, se é que isto existe, pois escolhi esse título honorífico de menor impacto, quando bem me poderia autoproclamar Marquês da Cocada Preta, Conde de Macuco ou Duque Sei-Lá-do-Quê. A propósito, os títulos de nobreza (tiremos daí os reis e príncipes, gente de outra classe) são, em ordem decrescente de importância, duque, marquês, conde, visconde e barão, caso não me engana e a história – e ao dizer isto já denuncio este como um espaço dedicado à informação…
Apesar do velho adágio “nobreza obriga”, não sou muito de frequentar as ditas rodas sociais, muitas vezes parecidas com rodas da malandragem: vivo um tanto isolado do lufa-lufa da cidade, envolvido com meus livros, um tabuleiro de xadrez e uns discos de jazz e MPB. Quando acometido da fadiga do tédio, ou se quero sofrer um pouco, ligo a tevê, assisto a um noticiário, registro um monte de agressões à língua portuguesa, me canso e retorno à rotina. Novela, não vejo nunca, pois meu masoquismo ainda não chegou a tais extremos. Nada de telefone nem zap-zap, não sei bem o que é rede social, para mim rede é aquela coisa que os pobres do Nordeste usam em substituição à cama, e que os ricos têm nas casas de praia.
Procuramos fazer aqui, semanalmente, uma coluna, erguida com as coisas que nos derem na telha, deixando a eventuais leitores espaço para os devidos xingamentos, pois vivemos, formalmente, em regime democrático. Diga-se ainda que, por se tratar de um espaço politico-ecológico, escolhi para musa da coluna aquela moça chegada a encontros religiosos em altos de goiabeiras – e de cujo nome, graças a Deus, já esqueci.
Caríssimo
Aproveitando o ensejo de aprender com tão singular figura da realeza tupiniquim aproveitamos o ‘embalo’ para recomendar – em razão do objeto do tema que norteou o artigo – a leitura de uma de nossas crônicas (A Fala do Santo) levada a termo na pág. 39 do “Chama o Burro e outras Crônicas de Antanho” (Via Litterarum/2018), que transita por caminhos que passam pela subserviência tupiniquim (ora em fase de exacerbação descontrolada), pelo desrespeito à cultura brasileira, pelas mazelas insertas em livros didáticos, por Monteiro Lobato e Eça de Queiroz e relevando a importância da obra que dá título à crônica (pela Editus/2002), do mestre Ruy Póvoas.
Presumindo contribuição no instante em que ocupo o precioso tempo do ‘ilustre’ Barão e de seus estimados e estimáveis leitores, lego um forte abraço
Adylson
Caro Mestre,
Imagino ser necessário equilíbrio para resistirmos aos ataques ideológicos a nossos valores culturais, sem adentrar o perigoso caminho do nacionalismo irracional e tosco, porta aberta para o nazi-fascismo que nos espreita ali na esquina.
Estou, por motivos de saúde, fora de casa e, assim, distante dos meus livros. Na primeira oportunidade, vou reler A fala do santo – justa citação do multimestre Ruy Póvoas.
No mais, lembrar que o governo brasileiro, neste exato momento, tem algo de folclórico: parece dirigido por uma mula-sem-cabeça…
Axé!