
A Misericórdia da Justiça: Uma Homenagem ao Juiz Frank Caprio e ao Juiz Mohamed Kharraz
Embaixador Professor Karim Errouaki
Um Farol de Humanidade: A Vida e o Legado do Juiz Frank Caprio
O mundo perdeu mais do que um homem; perdeu uma consciência moral, um farol de clareza ética nos tribunais e um raro exemplar luminoso de como a justiça e a misericórdia podem coexistir em equilíbrio harmonioso. Aos oitenta e oito anos, faleceu o Juiz Frank Caprio, levando consigo um fragmento da alma da América.
O Juiz Caprio era muito mais do que um jurista. Era um pai para os marginalizados, uma voz de compaixão para os acusados e uma testemunha viva de que o amor e a compreensão podem ter o seu lugar legítimo mesmo nas mais solenes câmaras do Direito. Numa era em que a autoridade frequentemente carrega o peso frio do distanciamento, a sua presença irradiava calor humano. Ele brandia o seu martelo não como uma arma de rigidez dogmática, mas como um instrumento temperado pela humanidade. Ao fazê-lo, demonstrou que a misericórdia não precisa de ser um apêndice da justiça – é a sua expressão mais verdadeira.
O legado que deixa não é meramente judicial; é profundamente ético. O Juiz Caprio tornou-se uma bússola moral, guiando a sociedade em direção à sua melhor versão. A sua crença inabalável de que a justiça pode ser firme e yet humana, corretiva e yet restaurativa, permanece como um lembrete perene de que a lei atinge o seu propósito mais elevado quando é infundida de compaixão. Com a sua partida, essa bússola cala-se, deixando não apenas pesar, mas uma reflexão premente: terão os nossos sistemas legais se tornado demasiado rígidos, impessoais e mecânicos para nutrir o surgimento de outro como ele?
Juiz Mohamed Kharraz: A Bússola Moral Endurente de Marrocos
Enquanto a América chora o Juiz Caprio, Marrocos testemunhou uma transição paralela com a aposentadoria do Juiz Mohamed Kharraz, distinto membro do Supremo Tribunal marroquino. Embora aposentado, o Juiz Kharraz permanece uma luz orientadora, direcionando o panorama jurídico marroquino para a equidade, a dignidade e a compaixão.
O seu mandato no mais alto tribunal de Marrocos não foi uma mera profissão—foi uma missão para restaurar a humanidade à lei. Tal como Caprio, compreendeu que a justiça transcende a punição; trata-se de compreensão, reabilitação e proteção da dignidade humana. Os seus julgamentos fundiam consistentemente a imparcialidade com a empatia, afirmando que o tribunal pode ser um lugar de restauração moral e legal.
Se a morte do Juiz Caprio deixa um vazio na consciência americana, a aposentadoria do Juiz Kharraz marca o encerramento de um capítulo de sabedoria judicial em Marrocos. No entanto, a sua influência perdura, inspirando juristas, advogados e estudantes. Ambos os juízes demonstram que a visão moral de um único indivíduo pode recalibrar a bússola ética de todo um sistema legal.
A Justiça como Aspiração Humana Universal
As vidas dos Juízes Caprio e Kharraz iluminam uma verdade intemporal: a justiça no seu mais alto nível transcende geografia, cultura e tradição. A justiça despida de misericórdia torna-se estéril; a misericórdia sem justiça degenera em sentimentalismo. A grandeza destes juízes residiu na sua capacidade de equilibrar estas forças, afirmando a autoridade da lei enquanto preservavam a sua humanidade.
A História fornece mais exemplos deste equilíbrio delicado. O Cadi Iyade de al-Andalus (1083–1149) combinou uma arguta razão legal com uma profunda equidade, demonstrando que a justiça nunca se deve divorciar da compaixão. O Cadi al-Nu‘man, do Egito do século X, adaptou a lei às necessidades da sociedade sem comprometer os seus princípios fundamentais. Figuras modernas, como o tunisino Tayyib Bouzizi e o egípcio Fathi Naguib, reafirmam que a integridade moral dos juízes é essencial para conferir força real às constituições e aos códigos.
Juntos, estas figuras—através de séculos e civilizações—revelam que a justiça não é simplesmente punitiva; é restaurativa, protetora e nobilitante. Como observou o teólogo francês Bossuet, “A justiça é a primeira dívida da sociedade para com os seus cidadãos”.
Diálogo com a Filosofia Jurídica Ocidental
Esta visão da justiça alinha-se perfeitamente com o pensamento ocidental clássico e contemporâneo. Cícero argumentava que “a verdadeira lei é a reta razão em concordância com a natureza; é de aplicação universal, imutável e eterna”, enfatizando o fundamento moral da lei para além da sua forma escrita. Montesquieu, em O Espírito das Leis, destacou a necessidade de temperar as regras legais com o juízo humano, alertando contra a aplicação cega que desconsidera o contexto.
Teóricos contemporâneos, incluindo John Rawls, avançam princípios semelhantes: a justiça não é apenas processual, mas distributiva, garantindo proteção para os menos favorecidos. De Cícero a Rawls, a filosofia jurídica ocidental converge com as tradições humanistas dos juristas islâmicos e árabes: a lei não é meramente uma estrutura de autoridade, mas um instrumento moral concebido para garantir equidade, dignidade e coesão social.
O Padrão de ?Umar ibn al-Kha???b
Mesmo ao celebrarmos Caprio e Kharraz, somos lembrados de um padrão ainda mais elevado: o do Califa ?Umar ibn al-Kha???b, cujo governo permanece um exemplar histórico de justiça na sua forma mais pura. A sua administração foi destemida, imparcial e incorruptível—protegendo os fracos enquanto responsabilizava os poderosos. A justiça de ?Umar refletiu os mais elevados ideais morais, demonstrando que equidade e misericórdia são inseparáveis.
Em contraste, os sistemas legais modernos muitas vezes arriscam parecer imitações pálidas: encenações de justiça em vez da sua essência viva. O lamento “?Umar se foi” é mais do que dor; é um indicto da lei contemporânea quando esta se torna ritualizada, formalista ou divorciada da substância moral.
A Justiça Hoje: Entre a Forma e a Substância
O nosso desafio contemporâneo reside em colmatar o fosso entre a justiça como princípio e a justiça como prática. As constituições podem proclamar a igualdade, mas a desigualdade persiste. Os tribunais podem falar de imparcialidade, mas os poderosos frequentemente usufruem de privilégio. A lei pode tornar-se teatro, os seus ritos performados enquanto a essência da justiça é negligenciada.
Juízes como Caprio e Kharraz oferecem um contraexemplo: a lei não é diminuída nem enfraquecida pela compaixão—é por ela completada. Eles recordam-nos que a justiça, no seu auge, protege a dignidade, restaura a confiança e eleva a sociedade. Através de séculos e continentes, o imperativo moral mantém-se constante: a misericórdia e a equidade são inseparáveis.
Conclusão: Um Apelo à Humanidade Renovada na Lei
As partidas e aposentadorias de juízes tão exemplares lembram-nos que os indivíduos podem corporizar ideais de modos que as instituições, sozinhas, não conseguem. O Juiz Frank Caprio e o Juiz Mohamed Kharraz restauraram a humanidade ao tribunal, mostrando que a justiça desprovida de misericórdia está incompleta.
Ao chorarmos e reflectimos, somos convocados à ação. A justiça não deve ser reduzida a ritual ou performance. Devemos cultivar juízes que vejam tanto a letra da lei como a humanidade daqueles que perante eles se apresentam. A verdadeira justiça—quer em Providence, Rabat, Cairo ou Tunis—ousa combinar o rigor da lei com a ternura do coração humano. Ela recorda a clareza moral de ?Umar ibn al-Kha???b, ressoa em Cadi Iyade e Cadi al-Nu‘man, brilha em Caprio e Kharraz, e ecoa os insights de Cícero, Montesquieu e Rawls.
A justiça, no seu sentido mais profundo, é uma aspiração humana universal: um imperativo moral que restaura a fé nas instituições, a dignidade aos cidadãos e a esperança ao nosso futuro coletivo.
Embaixador Professor Karim Errouaki
Alto Representante para os Assuntos Estrangeiros e Direitos Humanos da Organização Internacional UNACCC (com Estatuto Consultivo no ECOSOC da ONU) acreditado junto da União Europeia e do Escritório das Nações Unidas em Genebra
Enviado Especial da Global Peace Education Network (GPEN), Nova Iorque
Ex-Conselheiro Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, o falecido