Emiliano José

Sabem: viajei.

Fui pra Cuba.

Agora.

Entre 1 e 8 de maio deste ano.

Insistiram tanto:

_ Vai pra Cuba, comunista!

Comunistam, fui.

Minha quinta estadia na Ilha.

 

Então, me perguntam.

Como é Cuba?

As pessoas, digo o comum, o cidadão comum, a cidadã comum, me perguntam.

Conhecem pouco sobre a Ilha.

Quase nada.

Importante dizer isso.

Importante os dirigentes cubanos saberem disso.

 

Tenho insistido: Cuba é um milagre.

Contraria tudo.

A lógica da política.

A lógica das coisas.

A lógica bem posta.

Até dogmas marxistas.

Marx, sabiamente, descobriu uma lei do capitalismo: a obsolescência planejada.

Mercadorias têm um tempo de duração.

Curto.

Modo a assegurar a reprodução do capital.

Tudo que é sólido desmancha no ar.

Marshall Berman, lembram?

E não só bens de consumo não-duráveis.

Também, e hoje de modo assustador, os duráveis.

De passagem, penso nos prédios de Salvador.

Nem parecem sólidos.

Você transita, e pouco tempo depois,

cadê aquele edifício, moço?

Já foi ao chão, outro se alevanta.

E logo depois também desaparecerá.

Prefeito Bruno Reis transformou-os em bens de consumo não-duráveis.

Tudo que é sólido desmancha no ar.

Envolto na lógica da acumulação do capital.

Cada vez mais voraz, e destrutivo.

Cuba de alguma forma contraria Marx.

No país, convivem o arcaico e o moderno.

Arcaico e moderno, como nós estamos acostumados a enxergar.

O chamado arcaico resiste mais.

Não se o leia como imprestável.

Nem sei, vou e volto, se usamos apropriadamente o conceito imprestável.

Um carro dos anos 40 do século passado é comum nas ruas de Havana.

E serve de ganha-pão a muito trabalhador.

É um “arcaico” meio hollywoodiano, se me expresso bem, e talvez mal, por dizer isso em Cuba.

Os carros são lindos, os abertos, voltados aos turistas.

Muito bem cuidados.

Há outros.

Bem maltratados.

Mas resistem ao tempo.

Se não há mais peças de reposição, elas são reinventadas, sabe-se lá como.

Aparecem.

Nesses oito dias andei sobre um guerrilheiro de 1982/1983.

Guerrilheiro é como Jorge Ferrera chama o Lada dele.

Carro produzido ainda no tempo da velha União Soviética, lá.

Carro comunista.

Da gema.

O motor, resiste.

Às vezes, problema com o óleo.

Basta trocar, quando o dinheiro permite.

Bate muito, como se houvessem peças soltas.

Talvez estejam soltas.

Amarradas, talvez.

Nesses dias de Cuba, eu o vi morrer, andando, e de repente, ressuscitar.

Nada o faz parar.

O motor do guerrilheiro é bom.

Foi testado pelo pé de chumbo de Nestor Mendes Jr.

E sobreviveu.

Tem muito tempo, não.

No guerrilheiro, iam Valter Xeu, Alberto Freitas e o próprio Jorge Ferrera.

E o motorista.

De Havana a Varadero.

Valter Xeu suou frio.

Ferrera, sorria.

Conhecia o guerrilheiro.

Mendes Jr. meteu 120 no Lada.

E ele sobreviveu.

Mais os quatro tripulantes.

E não pensem em cinto de segurança, essas modernidades, nada disso.

Se segure onde der, e ponto final.

Sobreviva.

Foi meu Uber nesses dias de Havana.

Maneira de dizer: não me custou um tostão.

Com a companhia agradável do motorista e companheiro de lutas, Ferrera.

Se andar pelas residências cubanas, você vai deparar com o velho, arcaico telefone.

É, o fixo.

Aquele de discar.

Na casa do amigo e companheiro Jorge Ferrera, eu o vi tomar de uma agenda, daquelas antigas, procurar um número, discar e hablar.

 

Agenda de papel é coisa do passado no Brasil.

Telefone fixo, da mesma forma.

Como se voltasse no tempo.

Me senti assim.

Prazerosamente.

Nem tudo que é sólido desmancha no ar.

Ao menos em Cuba.

Bicicleta, de largo uso.

Com elas, as pessoas se deslocam por quilômetros.

Elas também são transformadas em triciclos, dois lugares, e trabalhadores também fazem delas, ganha- pão, a entusiasmar turistas.

Carla e Eleonora andaram nelas em 2019.

Não sei se Lua o fez em 2018 com Carla.

Motocicleta, também cobre amplo espectro.

Serve à locomoção individual.

E coletiva.

Frente às dificuldades, população cubana busca soluções.

Motos, delas surgem triciclos, com uma carroceria capaz de comportar ao menos seis pessoas, às vezes mais, ao menos assim me pareceu.

É uma nação acostumada à vida simples.

Por um ideal da Revolução.

E também pelas dificuldades.

Lembro Carla me dizendo do encantamento dela com a vida simples de Cuba.

Olhava pra tudo aquilo, para aquela capacidade de utilizar-se de produtos, utensílios antigos, automóveis antigos, telefones antigos, e achava uma maravilha.

– Quero morar acá – me disse.

– A ver – respondi.

Não deu tempo.

Creio ser, essa capacidade de reinventar, de manter por tanto tempo um automóvel, o que mais seja, uma imposição da realidade cubana, cuja Revolução vive sob o implacável bloqueio americano desde o início dela.

Uma forma de resistir é essa: vida simples.

E com muita criatividade, dar vida longa aos produtos.

Provar: mesmo velhos, podem ser úteis.

Aproveitar tudo.

Coisa velha não é imprestável.