Anna Livia Ribeiro

E393934C-9B96-48A1-B497-A68DDD74E496“A chuva caía sobre as roças de cacau, despencavam as folhas queimadas pelo sol, fugiam as cobras para seus esconderijos, saltavam inquietos os juparás, piavam os corujões na noite. Na estrada, as primeiras poças sobre o barro vermelho prenunciavam o lamaçal em que se transformariam os caminhos nos meses a seguir. Chuvas que garantiam a safra. Que garantiam a floração das árvores, o crescer dos frutos. Depois chegariam os dias de sol e os frutos verdes adquiririam a cor de ouro. Aquelas terras davam frutos de ouro que iluminavam as roças, que enchiam de sonhos os corações dos homens.” (São Jorge dos Ilhéus, p.151, Jorge Amado).

E139406B-A716-4D83-8ABB-075C3BB9DD64Registrado no imaginário das pessoas por histórias e lendas que retratam o passado dos ricos coronéis, o sul da Bahia vem despontando com o chocolate fino, fazendo parte deste movimento bean to bar (da amêndoa ao chocolate) e tree to bar (da árvore ao chocolate). Uma fase de renovação que ganha força e forma na região.

É assim que a história de jovens produtores de chocolate, pertencentes às famílias de cacauicultores tradicionais, se confunde com a própria história da lavoura cacaueira e por serem a primeira geração a produzir o próprio chocolate. A cultura do cacau no sistema de cabruca que corre nas veias ancestrais desses jovens jorrou, levando-os a uma nova direção.

Os irmãos Antônio, Geraldo e Leonor Lavigne, bisnetos de Antônio Lavigne de Lemos – o Senô – são a sexta geração desta família a plantar cacau e a primeira a produzir o Senô chocolates, que homenageia o bisavô. Os chocolates são produzidos com o cacau da propriedade da família, a Fazenda Alegrias e suas amêndoas possuem indicação geográfica (IG do sul da Bahia), ou seja, são certificadas especificando e atestando a procedência e qualidade do produto. Um dos critérios para ser considerado cacau selo IG é ser originário de áreas de cacau cabruca ou sistemas agroflorestais tradicionais.6C50D6D3-5D94-4403-B053-4F552F93F68F

Homem viajado, visionário, empreendedor arrojado e rico o coronel Manoel Misael da Silva Tavares que se empenhou no progresso de Ilhéus construindo alguns prédios como o Ilhéus Hotel – primeiro a possuir elevador no interior da Bahia. Assim é sua bisneta Marcela Tavares, que aprendeu a fazer chocolate antes mesmo de aprender a cuidar do cacau, sendo pioneira na família a produzir chocolate e com premiações tanto no chocolate quanto no cacau. Fruto do seu olhar sensível, reverencia nas embalagens do Cacau do Céu artistas como Goca Moreno e Rafael Pita, entendendo que as pessoas levam a arte no chocolate e na embalagem.FB3FC7C5-130B-4EF4-B5AB-5AFA5DE0DF3C

A mais nova empreendedora e que esteve pela primeira vez expondo seu produto no Festival Chocolat Bahia, que foi realizado em Ilhéus entre os dias 16 e 19 de dezembro, é a Julia. Com apenas 9 anos essa menina movimentou toda a família, que há quatro gerações cultivam cacau, para produzir o chocolate da Ju. Em uma conversa com ela, me disse que já participava das feirinhas na escola comercializando algum produto, que sempre gostou de acompanhar o processo do cacau junto com o pai Lucas Arléo e, com o período de pandemia, passou a acompanhar cada vez mais. No seu aniversário de 8 anos pediu de presente aos pais uma melanger (máquina de moer o cacau para fazer chocolate) e começou a fazê-los como uma brincadeira. A brincadeira virou coisa séria e com a ajuda da sua mãe, Julianna, virou um negócio de família.

Mais do que conhecer a história do chocolate, de como funciona a produção do cacau, é compreender como essas pessoas se conectam, de maneira harmoniosa, com as questões afetivas, sociais, ambientais e econômicas do lugar que conta a sua história de vida.

Jorge Amado, um dos maiores representantes da ficção da nossa região e um dos fundadores da “Academia dos Rebeldes” – grupo de jovens escritores baianos que surge com o intuito de fazer uma literatura moderna voltada para os valores locais, tradições e costumes, seguramente acolheria o que vem acontecendo na nação grapiúna, conhecida nos seis cantos do mundo pelo cultivo de cacau e agora despontando com a produção dos chocolates finos produzidos por uma geração que traz na alma e no sangue as dores e as delícias dessa trajetória.

Anna Lívia Ribeiro é ilheuense, Mãe, Avó, Pedagoga, Especilaista em Educação Infantil, Mestra em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, Gestora em Turismo, Agente de Viagens @viadestinoviagens.