José Bandeira NetoFormado pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) do Rio de Janeiro, o médico radioncologista José Bandeira Neto há 10 anos integra a equipe do Centro de Radioterapia da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna (SCMI). O centro tem como diretor o médico Erick Santarém. Muito respeitado entre os pacientes e colaboradores da unidade, Bandeira relata, nessa entrevista, como vem sendo o fluxo nesse período de pandemia.

O especialista recomenda que as pessoas não interrompam o tratamento e fala sobre os protocolos e novas medidas adotadas para evitar a disseminação do novo coronavírus e para proteger pacientes e profissionais de saúde.

 

Confira a a entrevista na íntegra::


SCMI- Com medo de ser infectado, muita gente abandonou o tratamento na radioterapia. Quais as medidas foram adotadas para evitar a transmissão da doença entre pacientes?
José Bandeira Neto- Antes mesmo da chegada da pandemia na nossa região, reforçamos todas as medidas de segurança, com a triagem e separação dos pacientes suspeitos para o novo coronavírus. Temos dois espaços para o atendimento inicial, sendo que um deles é para entrada de paciente com os sintomas gripais. Essa medida foi implantada em março, com a separação dos fluxos desde a entrada, com a instalação de toldos na área externa. Lá, sempre mantendo o distanciamento, fazemos a aferição de temperatura e anamnese (entrevista com os pacientes).
SCMI – Muitas pessoas passaram pela triagem?

JBN- No período de 18 de março a 13 de maio, por exemplo, foram realizadas 3.062 consultas de triagem, sendo 19% oriundos de Itabuna e 81% de outros municípios. Do total de analisados nesse período 70 apresentavam algum sintoma do novo coronavírus, mas nenhum deu positivo. Tivemos de fazer uma avaliação bem criteriosa, porque o paciente em tratamento contra o câncer, às vezes, apresenta sintomas parecidos com os da Covid-19. Do total de monitorados, apenas uma pessoa foi encaminhada para a Vigilância Epidemiológica de Itabuna. Ele fez teste e deu negativo.
SCMI – Esse processo de triagem foi mantido?

JBN- Sim. Mantivemos esse trabalho cuidadoso de triagem e encontramos, até o momento, um paciente que está internado e testou positivo para Covid-19. Como prevê os protocolos, ele foi colocado em isolamento e o tratamento dele na unidade foi temporariamente suspenso após análise do caso e tipo tumoral pela equipe.

SCMI- E os cuidados internos para evitar a transmissão da doença?

JBN- Reduzimos a quantidade de reuniões presenciais, reorganizamos a quantidade de colaboradores em alguns espaços coletivos, como o café. A orientação é que apenas uma pessoa se dirija ao local por vez, porque é um momento que ela precisa retirar a máscara para fazer as refeições, tomar café ou água. A nossa recomendação é: se tirar a máscara, fique em local isolado, sem a presença de outras pessoas, em casos de ambientes fechados. Não é recomendado que duas ou mais pessoas façam refeições juntas porque o risco de transmissão do vírus aumenta.
SCMI- O medo tem causado o afastamento de muita gente do serviço de saúde. Isso ocorreu aqui na unidade?
JBN- Aqui, na radioterapia, assim como tem ocorrido em todo o país, tivemos uma redução significativa no número de pacientes no serviço de oncologia.

SCMI-  Por causa da pandemia, chegou-se a cogitar a suspensão dos serviços de oncologia em todo o País.

JBN- Em 16 de março a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica aventou a possibilidade de suspensão das cirurgias eletivas e até interrupção das cirurgias oncológicas de menor gravidade. Mas eles recomendaram que a agenda de cirurgias não fosse interrompida para os tumores biológicos mais agressivos, como de pâncreas, fígado, colo do útero, vias biliares, estômago, ovário, reto e pulmão.

SCMI- Tem informações sobre a quantidade de atendimento?

JBN- No Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), por exemplo, o movimento para diagnóstico de cânceres caiu 30%. A redução de cirurgias chegou a 60% para tratamento oncológico. Aqui, no Centro de Radioterapia, na comparação com o mesmo período de 2019, houve queda no movimento no período de março a maio. Foram 75 atendimentos em março, contra 73 no mesmo mês do ano passado. Em abril houve uma redução em torno de 30%, baixando de 97 para 67. Em maio, a queda foi de 63%, caindo de 110 para 41 atendimentos.

SCMI- Por quê ocorreu essa queda?
JBN- Acredito que essa redução está muito aliada à dificuldade de o paciente realizar exames, consultas e fazer biópsia. De acordo com a Sociedade Brasileira de Patologia e de Cirurgia Oncológica, mais de 50 mil pacientes deixaram de ter diagnóstico de câncer nos últimos quatro meses por causa da pandemia do novo coronavírus.

SCMI- Isso retarda todo o processo de tratamento, não é mesmo, doutor?

JBN- Essa falta de diagnóstico e tratamento da doença fará com que essas pessoas cheguem às unidades com os tumores em fase mais avançada. Podem ocorrer até casos de pacientes que eram operáveis, que não poderão mais ser submetidos ao procedimento de cirurgia por causa do avanço da doença. O número de pessoas precisando de atendimento vai aumentar, neste semestre, e teremos uma maior demanda de pacientes já em estágio mais avançado da doença.

SCMI- A manutenção do tratamento é muito importante nessa época de pandemia?

JBN- É muito importante que os pacientes com o diagnóstico confirmado por biópsia se esforcem para ter o atendimento porque os serviços não pararam exatamente porque são essenciais e podem salvar vidas. Nesse mês de julho já observamos um retorno de pacientes, com aumento na demanda. O fluxo por consulta ainda está um pouco menor na comparação com o mesmo período do ano passado, mas já notamos um crescimento no movimento. As pessoas que precisam de atendimento não podem esperar essa pandemia acabar.

SCMI – As medidas que o paciente deve adotar?

JBN- O paciente que já tem biópsia deve retornar ao seu oncologista. Precisa procurar o serviço de saúde para ser atendido e o tratamento seja redefinido e iniciado. Todos devem seguir as medidas de higiene e usar máscara.

SCMI- E os casos em investigação?
JBN- Já os pacientes que estão em fase de investigação da doença e que interromperam o processo devem retornar aos seus médicos. Caso estejam aguardando a realização ou resultado de uma tomografia e ressonância devem ligar para o setor de imagem para tentar reagendamento de exames ou laudos para que possamos agilizar o processo. O importante é não ficar em casa doente, esperando essa pandemia passar e, sim, procurar o atendimento e, caso seja confirmado o câncer, iniciar o tratamento o mais precoce possível.

SCMI – Parece que essa pandemia ainda vai demorar…

JBN- Com o número ainda alto de novos casos positivos, observamos que na maioria dos estados não foi atingido um platô na curva e, em alguns estados, já se observam novos picos de uma possível segunda onda. Então, o paciente com câncer não pode esperar, pois trata-se de uma doença com percentual de letalidade ainda maior que o novo coronavírus, cuja taxa de letalidade é de 3%. Porém a letalidade do câncer é ainda maior.
SCMI – Muitos tumores são curáveis?
JBN – Sim. Por isso que temos que tentar detectá-los na fase inicial. O diagnóstico cedo aumenta muito a probabilidade de cura.

SCMI – O que é preciso para a continuidade do tratamento?

JBN- O paciente que ainda não tem biópsia precisa procurar, o mais rápido possível, o cirurgião, urologista, mastologista, ginecologista e proctologista para realizar o procedimento e, aí sim, definiremos o tratamento.

SCMI- Alguns sintomas da Covid-19 são parecidos com câncer?

JBN- Sim. Alguns dos sintomas do novo coronavírus podem estar presentes no paciente oncológico e podem gerar dúvidas, principalmente, durante a triagem. Por exemplo, a febre e dor de garganta, dores no corpo e cansaço também são sintomas comuns em pacientes oncológicos. Um sintoma interessante da Covid-19 é a perda ou diminuição do olfato, mas que, em pacientes que tratam com radioterapia a região de cabeça e pescoço, tumores de seios e da face, podem  cursar com este sintoma. Então, devemos estar atentos em nossa triagem, que é realizada diariamente para todos os pacientes que estão em tratamento diário.

SCMI -Esses pacientes têm a imunidade mais baixa?
JBN- Os pacientes em quimioterapia tendem a ter uma queda na imunidade por causa da toxicidade medular (de algumas drogas) e também em determinados tratamentos e radioterapia – em ossos longos ou em bacia-, onde há produção medular, provocando uma redução nas células de defesa. Esses pacientes têm uma chance maior de infecções virais, como resfriados; ou infecções, bacterianas, ou fúngicas

 

SCMI- Casos suspeitos de Covid-19?
JBN- Nos casos suspeitos de Covid-19, a conduta será individualizada, a  depender do tipo de câncer e gravidade do caso. Inicialmente isolar, solicitar SWAB-RT PCR e acionar a Vigilância Epidemiológica. A interrupção temporária ou seguimento do tratamento é decidida em equipe conforme as  recomendações da nossa da Sociedade Brasileira de Radioterapia. Na medida do possível, tentamos não interromper o tratamento, mas em alguns casos pode ser a conduta até a fase de transmissão (entre 10 e 13 dias).

SCMI- Quais os tipos de tumores com maior demanda na unidade?
JBN-  Os estudos mostram que 70% dos pacientes com câncer, em algum momento da doença, vão passar pela radioterapia. Esse é um procedimento que tem indicação para quase todos os tipos de tumores do corpo. Atualmente, os cânceres mais comuns são de próstata e mama, seguidos dos tumores de reto, cabeça e pescoço, colo de útero, esôfago e estômago e pulmão.

SCMI- Quanto mais cedo o paciente buscar o tratamento, maior é a chance de cura. Não é isso mesmo?
JBN – Isso mesmo. Quanto mais rápido o paciente obter o diagnóstico, via biópsia e iniciar o tratamento, maior é a chance de cura da doença. Mais de 70% dos cânceres em fase inicial são curáveis. A depender do tipo de câncer, esses índices podem ultrapassar 90% de cura se o tratamento ocorrer em fases iniciais.

SCMI- Ao descobrir que está doente, como o paciente deve agir?

JBN- A nossa recomendação é: tem o diagnóstico confirmado da doença, procure o seu médico para iniciar o tratamento; saber se cirúrgico associado ou não a radioterapia e quimioterapia. Não podemos perder tempo em relação ao câncer, que é mais agressivo até mesmo que a Covid-19. Vencer o câncer deve ser a nossa meta.