Débora Spagnol

Debora SpagnolNotícias falsas, chamadas “fake news”, se espalham pelas redes sociais de forma mais rápida, fácil e ampla do que as notícias reais. A conclusão é de uma pesquisa publicada na revista Science e organizada pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos EUA, em que foram analisadas 126 mil notícias que circularam no Twitter no período de 2006 a 2017. Analisadas por seis organizações independentes que checaram uma a uma a veracidade dos fatos constatou-se que as notícias falsas têm 70% mais chances de serem repassadas do que as verdadeiras. (1) E as falsas notícias políticas se espalham três vezes mais do que os outros assuntos.

Mas qual o fascínio que as “fake news” exercem sobre as pessoas ? Estudiosos dizem que as notícias falsas são desenhadas para atingir o coração dos sentimentos fortes: medo, rejeição, surpresa ou amor. Assim, os criadores sabem que notícias falsas que tocam diretamente no sentimento da sociedade serão mais compartilhadas do que as verdadeiras, mas desprovidas do apelo sentimental. Para ilustrar, basta ressaltar a enxurrada de “fake news” espalhadas pelas redes sociais no nosso país, atualmente polarizado politicamente em razão do julgamento do ex-Presidente Lula. Nem mesmo as grandes redes de comunicação são imunes à propagação de falsas notícias. (2)

fake 2Embora criadas com o objetivo específico de espalhar dúvidas, “enganar, a fim de obter ganhos financeiros ou políticos” (3) as notícias falsas não são novidade. Segundo consta, as informações falsas se originaram ainda na antiguidade, sendo que o mais famoso propagador delas foi o faraó egípcio Ramsés II, que governou o Egito durante 66 anos (de 1279 a 1213 a.C). Embora tenha construído monumentos a ressaltar sua perícia nas armas, visando assim ressaltar seus dotes como guerreiro e estrategista, modernas descobertas arqueológicas comprovaram que ele era um soldado limitado e os monumentos haviam sido erguidos a outros guerreiros, tendo o faraó se apropriado dos mesmos, como se fosse ele o representado. Um autêntico propagador, portanto, de “fake news”. (4)

Já o termo “fake news” é utilizado desde o final do século 19. Especula-se que o primeiro texto contendo a expressão foi publicado em 1891 pelo periódico nova-iorquino “The Buffalo Commercial” foi esse: “O gosto público não aprecia as ‘falsas notícias’ (fake news) e as poções de ‘demônio especial’, como as que lhe foram servidas por um serviço noticioso local há um ou dois anos”. (5)

A propagação de notícias falsas e a dificuldade em se descobrir se determinado conteúdo é verídico não afeta apenas os países menos desenvolvidos: mesmo países com altos índices de escolaridade encontram dificuldades em detectar a veracidade das notícias. Os aplicativos mais populares, como o WhatsApp (que só no Brasil possui mais de 120 milhões de usuários) no Brasil) terminam por se tornar verdadeiras “bombas” de disseminação de desinformação. E terminam por criar um problema para seu proprietário (Facebook): não há como reprimir notícias falsas numa plataforma fechada e criptografada – intencionalmente, para proteger a intimidade das conversas privadas.

Mas algumas alternativas estão em teste. Entre elas e baseada na inteligência artificial, há a “robô Fátima” (uma brincadeira com FactMa, abreviação de FactMachine) – que foi criada para monitorar tuítes com links para notícias e informações falsas ou distorcidas e responder com informação checada. Assim, cada perfil que compartilhar no Twitter uma informação falsa receberá automaticamente, pelo perfil @fatimabot, um link para a checagem dos fatos relacionados àquele conteúdo. (6) Além disso, especialistas entendem que as plataformas devam ajustar seus algoritmos de forma a não recompensar financeiramente o produtor da notícia falsa.

Em termos legais, nossa legislação não possui dispositivos específicos que possam ser aplicados às “fake news”, sendo então as condutas tipificadas nos dispositivos da legislação eleitoral, quando cabíveis.

Os incisos 1º e 2º do art. 57-H da Lei nº 9.507/97 (Lei das Eleições), por exemplo, prevê punição de 5 a 30 mil reais, além das demais sanções cabíveis, a “quem realizar propaganda eleitoral na Internet, atribuindo indevidamente sua autoria a terceiro, inclusive a candidato, partido ou coligação”. Também é crime a “contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na Internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação”, com pena de detenção de 2 a 4 anos e multa de 15 a 50 mil reais. As pessoas contratadas podem ser condenadas à pena de detenção de 6 meses a um ano, com alternação de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, além de multa de 5 a 30 mil. (7)

Importante mencionar que na esfera criminal somente há crime quando todos os elementos do tipo penal estiverem configurados. Dessa forma, tem-se que o fato de alguém produzir notícia falsa e a divulgar por conta própria, sem a contratação onerosa ou gratuita de terceiros, em tese, não configura o crime previsto nos dois parágrafos discutidos, podendo vir a caracterizar outro tipo penal ou mesmo ilícito de natureza cível-eleitoral, com possibilidade de aplicação de multa.

O Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), por sua vez, possui alguns tipos penais que podem enquadrar, em perspectiva, como típicas a prática de “fake news”, entretanto a configuração é de difícil caracterização. Caluniar alguém imputando-lhe falsamente fato definido como crime (art. 324), difamar alguém imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação (art. 325), ou injuriar alguém ofendendo-lhe a dignidade e o decoro (art. 326), na propaganda eleitoral ou para fins de propaganda, são tipos penais que, em tese, podem vir a ser praticados por meio das “fake news”. Esses tipos penais, porém, somente são caracterizados se cometidos na própria propaganda eleitoral ou para fins de propaganda, o que torna quase impossível a caracterização pelas “fake news”, que em regra são produzidas por terceiros, de forma despretensiosa e difundidas sem qualquer vinculação a candidato ou com finalidade direta de propaganda. (8)

Algumas condutas poderão ser enquadradas no âmbito dos ilícitos civis-eleitorais, gerando assim algumas penalidades não criminais: remoção de conteúdo da internet; representação eleitoral para requisição de dados e registros eletrônicos do eventual infrator e suspensão de acesso ao conteúdo.

Em termos administrativos, houve a criação pela Polícia Federal de um grupo para combater notícias falsas durante o processo eleitoral. A equipe será composta também por técnicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Procuradoria Geral da República (PGR), além de contar com a ajuda de uma equipe do FBI para criar um conjunto de normas com punições em relação à disseminação de informações falsas. O objetivo é punir quem criar e compartilhar notícias falsas acerca de políticos, pesquisas, campanhas e outros assuntos relacionados às eleições. (9)

E tal preocupação se justifica: pesquisas indicam que nas últimas eleições presidenciais nos EUA, ao menos 65 milhões de eleitores (equivalente a 27% do eleitorado) leram ao menos um texto em sites de “fake news” durante a campanha eleitoral. Embora não se tenha real dimensão do grau de interferência no resultado das eleições, entende-se que esses pequenos grupos de leitores de notícias falsas podem impulsionar alegações fabricadas de suas ‘câmaras de eco’ para uma visibilidade generalizada, potencialmente intensificando a polarização e o efeito negativo para os candidatos opostos, causando danos ao debate político. (10) Lá, o candidato (sensacionalista) e que foi eleito, “sequestrou” a pauta jornalística, tomando quase todos os espaços da mídia.

Mas como se precaver e diminuir o impacto e alcance das “fake news”? Apenas uma real educação digital e o uso ético das redes sociais, parece, seriam capazes de diminuir a produção e propagação de notícias falsas.

Enquanto isso não acontece, talvez a adoção, pela mídia e responsáveis pela produção de conteúdo, poderia trazer bons resultados. A prática de jornalismo profissional e transparente; a checagem de toda a informação recebida; a tradução da notícia de forma clara e objetiva, eliminando duplas interpretações; investigações jornalísticas independentes; desconfiança de perfis “fakes” e monitoramento das redes podem ser boas alternativas.

Aos usuários, recomenda-se a adoção de alguns procedimentos simples, sugeridos por especialistas:

1) Não leia só o título – Uma estratégia muito utilizada pelos criadores de conteúdo falso na internet é apelar para títulos bombásticos e provocativos, justamente para chamar a atenção. Ler o texto completo é um passo básico para evitar compartilhar “fake news”;

2) Verifique o autor – Ver quem escreveu determinado texto é importante para dar credibilidade ao que está sendo veiculado;

3) Veja se conhece o site – Não deixe de olhar a página onde está a notícia. Navegar mais no site ajuda a analisar sua credibilidade. É preciso saber quem é o responsável legal pelas publicações e o endereço do site;

4) Observe se o texto contém erros ortográficos – As reportagens jornalísticas prezam pelo bom vocabulário e pelo uso correto das normas gramaticais. Por outro lado, os sites com notícias falsas ou mensagens divulgadas pelo WhatsApp tendem a apresentar uma escrita fora do padrão, com erros de português ou quantidade exagerada de adjetivos;

5) Confira a data de publicação – Muitas vezes, o texto está simplesmente fora de contexto;

6) Saia da bolha da rede social – Para estar bem informado, o eleitor deve ler e acompanhar o noticiário não somente nas redes sociais, procurando por fontes nas quais ele confia e que tenham um bom histórico;

7) Tome cuidado com o sensacionalismo – As “fake news” tendem a conter palavras ou frases que despertam emoções ou mexem com as crenças das pessoas, atingindo um maior potencial de divulgação e compartilhamento nas redes sociais. Fuja de textos que tenham manchetes, fotos ou vídeos que o comovem. Duvide sempre. (11)

Somente com racionalidade e isenção se pode analisar tudo o que se recebe via internet, aproveitando o que é possível e confiável e rejeitando tudo o mais. Senso crítico, sempre.

 

Fontes:

1 – “Fake news apelam e viralizam mais do que notícias reais, mostra estudo”. Folha de São Paulo. São Paulo. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/03/fake-news-apelam-e-viralizam-mais-do-que-noticias-reais-mostra-estudo.shtml.>. Acesso em 12 abr.2018

2 – “Globo divulga fake news no dia da prisão de Lula”. Pragmatismo Político. São Paulo. Disponível em: <https://www.pragmatismopolitico.com.br/2018/04/globo-fake-news-prisao-de-lula.html>. Acesso em 12 abr.2018

3 – Wikipédia. Notícia falsa. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Not%C3%ADcia_falsa>. Acesso em 12 abr.2018

4 – “Cómo el faraón Ramsés II inventó las ‘fake news’”. Espanha. <Disponível em: http://www.lavanguardia.com/cultura/20180130/44408488366/ramses-ii-fake-news-egipto-faraon-libia-batalla-de-qadesh.html>. Acesso em 12 abr.2018

5 – FALLON, Claire. Huff Post Brasil. Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/2017/04/05/de-onde-vem-o-termo-fake-news-da-decada-de-1890-ao-que-tudo_a_22027223/>. Acesso em 12 abr.2018

6 – “Robô Fátima ganha 100 mil para detectar mentiras na internet”. Catraca Livre. São Paulo. Disponível em: <https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/robo-fatima-ganha-r-100-mil-para-detectar-mentiras-na-internet/>. Acesso em 12 abr. 2018

7 – Lei na íntegra: <http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/lei-das-eleicoes/lei-das-eleicoes-lei-nb0-9.504-de-30-de-setembro-de-1997>. Acesso em 12 abr.2018

8 – OLIVEIRA, Márcio. “Desafios do processo eleitoral: há mecanismos para conter as fake news?”. Instituto Novo Eleitoral.  Rio Grande do Norte. Disponível em: <http://www.novoeleitoral.com/index.php/justicaeleitoral/1108-fakenews>. Acesso em 12 abr. 2018

9 – “Polícia Federal ganha reforço do FBI para combate de ‘fake news’ a partir de fevereiro”. A Crítica. Amazonas. Disponível em: <https://www.acritica.com/channels/cotidiano/news/policia-federal-ganha-reforco-do-fbi-para-combate-de-fake-news-a-partir-de-fevereiro>. Acesso em 12 abr.2018

10 – VENTURINI, Lilian. “Qual o impacto das fake news sobre o eleitor dos EUA, segundo esse estudo”. Nexo. São Paulo. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/01/14/Qual-o-impacto-das-fake-news-sobre-o-eleitor-dos-EUA-segundo-este-estudo>. Acesso em 12 abr.2018

11 – DAYRELL, Marina et ali. Senso crítico é arma para combater ‘fake news’.  Estadão. São Paulo. Disponível em: <http://infograficos.estadao.com.br/focas/politico-em-construcao/materia/senso-critico-e-arma-para-combater-fake-news