Débora Spagnol

 

Debora Spagnol“Alegria ! Alegria ! Venho a ti livre de minhas dívidas, depois de colocar à venda a metade de meus administrados”. – Carta de um governador à amante, após ser processado pelo crime de corrupção na antiga Roma. (1)

“Lei de Gerson”, “jeitinho brasileiro”, “cafezinho” são expressões e palavras comumente utilizadas pela população brasileira para justificar a existência da  “subcultura” da corrupção.

Mas a corrupção é um problema globalizado que ameaça os bons governos e a política idônea, desencorajando os investimentos e impedindo os desenvolvimentos econômico e social.

Se no passado a corrupção era acobertada pela falta de informação da população, atualmente o desenvolvimento tecnológico mundial possibilita a revelação de denúncias e escândalos de negociatas que envolvem pessoas públicas e empresários. E permite também que o povo cobre a punição dos envolvidos.

Embora o crime de corrupção só tenha sido especificado nos direitos grego e romano, há indícios de que já era previsto em codificações esparsas. A “Lei das XII Tábuas” cominava a pena de morte ao juiz corrompido e há passagens na Bíblia que aludem à corrupção no antigo direito hebreu (Gênesis, Salmos e Epístola de São Paulo aos Romanos). (2)

No direito grego, o crime de corrupção era definido como crime próprio do funcionário público contra a administração pública, dividido em três tipos: peculato, corrupção e abuso de autoridade. Mais tarde surgiu o suborno, um crime específico de corrupção de juízes, punindo-o com penas gravíssimas, como a morte.

Mas foi no direito romano que o crime de corrupção teve um tratamento pormenorizado com o objetivo de evitar a decadência moral, iniciando-se aí o desenvolvimento de leis penais de cunho preventivo contra esse crime. Foi em Roma que surgiram os livros contábeis e a obrigação do governo prestar contas de suas receitas e gastos, além dos diários oficiais cuja finalidade era controlar os gastos e as atitudes tirânicas de seus governadores. Mesmo com tanto esforço, o império romano foi totalmente infestado pela corrupção, cujos protagonistas iam do mais baixo ao mais alto escalão. (3)

Se no período das ordenações portuguesas (Afonsina, Manoelina, Sebastiânica e Filipina) as penas para o crime de corrupção iam da perda do cargo público até a pena de morte, na época medieval as leis passaram a admitir penas cruéis, com o escopo específico de intimação: afogamentos, mutilações, soterramentos, guilhotina e uso da fogueira eram frequentes.

Com a chegada do Iluminismo, o direito penal consagrou seu período humanitário, banindo as penas cruéis e trazendo a motivação útil e política à justiça penal. Tais valores seriam mais tarde adotados pela Declaração dos Direitos do Homem, promulgada pela Revolução Francesa.

No Brasil, a formação dos primeiros núcleos de colonização nos sistemas de capitanias hereditárias com poder político resultou no aparecimento de inúmeros polos geradores de corrupção. A fama de abundância da nova colônia atraiu pessoas que ali chegavam para enriquecer e que, sem limitações jurídicas e morais, passaram a cometer inúmeros abusos e injustiças.

As Ordenações Filipinas, adotadas pelo país na época, previam situações de punição à corrupção tanto dos funcionários públicos como dos agentes do reino, através da salvaguarda da coroa de qualquer prejuízo. Para isso deram mais poder ao juiz, prevendo penas graves e cruéis aos corruptos.

Com o Código Penal do Império promulgado em 1830 surgiram os princípios da irretroatividade da lei penal, da igualdade de todos perante a lei e da intranscendência. Os crimes de corrupção na época eram definidos como peita, suborno e concussão e previsão multas como perda ou suspensão do emprego, multa, prisão (até mesmo para o juiz que vendesse sentença).

Com a proclamação da República em 1890 criou-se a toque de caixa um novo Código Penal cuja aplicação tornou-se complexa e que evoluiu para a Consolidação das Leis Penais que vigorou até 31 de dezembro de 1941.

Em 1942 entrou em vigor o Código Penal (Lei 2.848/1940), que ainda é nossa legislação penal fundamental. Sob influência do Estado Novo, a nova lei foi vista como autoritária com relação ao sistema de penas e medidas de segurança, que adotou o sistema duplo binário.

Porém com a modificação da Parte Geral do Código, em 1984, adotou-se o princípio da culpabilidade em todo o seu projeto.

No que se refere aos crimes contra a administração pública, a legislação extrapenal trouxe inúmeras modificações ao longo do tempo. Acrescentaram-se ao Código Penal artigos visando punir novas situações criadas pela criminalidade moderna e que atingem bens e valores da administração pública.

O Decreto 325, de 1991, disciplinou a comunicação ao Ministério Público do crime funcional contra a ordem tributária, com relação ao enriquecimento ilícito dos agentes públicos.

Já a Lei de Licitações (8.666/1993), trouxe a tipificação das condutas criminosas relacionadas a licitação e contratos da administração pública. O Decreto 4.410, de 2002, que promulgou a Convenção Interamericana Contra a Corrupção de 29/03/66, reconhecendo que a corrupção arruína a legalidade das instituições públicas, atentando contra a sociedade, a ordem moral e a justiça, além do desenvolvimento integral da humanidade.

A Lei 10.467, de 2002, incluiu no Código Penal sobre os crimes praticados por particular contra a Administração Pública Estrangeira. (4)

Em nível internacional, o problema da corrupção levou a ONU a compor a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC), de 09/12/2003, que passou a vigorar no Brasil em 14/12/2005, após ratificação pelo governo.

Assim, a legislação penal brasileira apresenta normas importantes para o combate à corrupção. Mas isso não impede que haja excessos em todos os setores do judiciário: do Ministério Público aos tribunais superiores, o combate à corrupção no Brasil passou a ser utilizado com características de “law fare”. (5)

Se no passado acreditava-se que a corrupção decorria de falha moral dos cidadãos e agentes públicos, novas teorias sociológicas determinam outras motivações: má governança das instituições públicas, intervenção estatal excessiva, centralização das decisões burocráticas e excesso de poder discricionário de burocratas e políticos, entre outros.

Em uma república a corrupção do homem se dá através da violação de contratos, da oportunidade e da racionalização. O homem é senhor de si mesmo e mesmo que em um determinado ambiente a corrupção seja vista como propícia e esperada, o homem é livre para manter-se íntegro ou corromper-se. E é o livre arbítrio que nos conduz ao nosso futuro enquanto indivíduos e enquanto nação.

 

REFERÊNCIAS:

1 – Blog “História e suas curiosidades”. <http://historiaesuascuriosidades.blogspot.com/2011/11/corrupcao-corrupcao-da-para-rir-e-para.html>. Acesso em Set.2018

2 – Cícero, famoso romano pela erudição, depois de um ano como governador de província voltou para casa como milionário. E não escondeu sua façanha. Ele, que se tornou senador não pelo fato de ascender de família tradicional, mas pela enorme capacidade oratória (o que engrandecia o Senado), representa na atualidade aqueles que, tendo um histórico de pobreza em sua vida juvenil, não pensam duas vezes e sacam os cofres públicos, movidos por razões alheias à ética social e constitucional.

3 – MALICIA, Amanda. Evolução histórica do crime de corrupção. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/38147/evolucao-historica-do-crime-de-corrupcao>. Acesso em Set.2018

4 – Disponível na integra: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2002/lei-10467-11-junho-2002-395031-norma-pl.html>. Acesso em Set.2018

5 – Segundo o Wikipedia, “Lawfare é uma palavra-valise (formada por law, ‘lei’, e warfare, ‘guerra’; em português, ‘guerra jurídica’) introduzida nos anos 1970 e que originalmente se refere a uma forma de guerra na qual a lei é usada como arma de guerra. Basicamente, seria o emprego de manobras jurídico-legais como substituto de força armada, visando alcançar determinados objetivos de política externa ou de segurança nacional”. Para entender mais sobre o assunto, recomendo a leitura: <http://estadodedireito.com.br/lawfare1/> . Acesso em Set.2018