É impossível conter a primeira lágrima quando uma doente mental, corpo franzino, 56 anos, toca no piano os primeiros acordes de Chopin, no auditório do Hospital Psiquiátrico de Havana. Pra que segurar o choro quando a emoção transborda no momento em que uma outra doente mental canta Allegro? O hospital, localizado numa área de 40 hectares na periferia da capital cubana pode ser apontado pelos opositores do socialismo como marketing puro.

Marketing ou não, o que se vê é um trabalho excepcional no tratamento de doentes mentais. São cerca de 3.700 internos, num ambiente que em nada lembra os manicômios tradicionais. No hospital, eles têm todo o tipo de terapia ocupacional (corte e costura, artesanato, pintura, confecção de utensílios domésticos, horta, etc.), além de aulas de balé e dança, música e atividades esportivas. O hospital possui pista de atletismo e até um estádio de beisebol. Mente sã, corpo são. O criatório de frango com maior índice de produtividade de Cuba está localizado na área do hospital psiquiátrico e é operado pelos internos. “Ô loco!”, diria um rechonchudo apresentador da tevê brasileira.

O setor de saúde é uma das pilastras, talvez a principal, do regime cubano e o hospital psiquiátrico serve para ilustrar isso. Num país cuja medicina é socializada, o forte é o trabalho de prevenção. É aí que entra o médico da família. Existem 22 mil desses médicos, que atendem a uma média de 120 famílias cada um.

O que o médico da família não pode tratar é encaminhado à rede urbana de policlínicas, que possui cardiologistas, ortopedistas, oncologistas, etc.; além de pequenos laboratórios. Cuba tem 428 policlínicas urbanas e 66 hospitais de montanha, estes localizados em áreas rurais. Ainda na área rural, as gestantes são encaminhadas aos hogares maternos a partir do 7º. mês de gravidez. Em função disso, 92% dos partos são feitos em hospitais.

O mapeamento epidemiológico é feito por área, facilitando o trabalho preventivo. Num segundo nível, existem os hospitais municipais (162) e provinciais (14). Os provinciais são hospitais de referência, que atendem até 50 especialidades. Resultado: 99,9% dos casos são resolvidos na própria província. O restante fica por conta das 11 Instituiciones de Medicación, hospitais de referência nacional, que realizam transplantes e tratamentos que exigem tecnologia de ponta.

O Hospital Hermanos Amejeiras, no centro de Havana, é um dos maiores de Cuba. Possui 950 leitos para internamento e 62 para terapia intensiva. Funciona como pós-graduação para os alunos da Faculdade de Medicina de Havana e sua manutenção custa US$ 25 milhões/ano. Como não existe vacina contra a falta de dinheiro, o jeito foi abrir o hospital para os estrangeiros, que contam com dois andares exclusivos para a realização de cirurgias e tratamentos que podem custar até 15 mil dólares.

“Precisamos dos estrangeiros para obter dinheiro, mas garanto que eles não tem qualquer privilégio na hora dos transplantes”, garante o médico Zenóbio Gonzáles, diretor do Hermanos. O mesmo tratamento feito em Cuba sai de 40% a 60% mais barato do que nos EUA. Problemas? Claro que existem. “Cuba produzia 85% dos remédios que consumia. Hoje faltam matérias primas e temos que apelar a amigos de outros países para conseguir medicamentos para cirurgias mais complexas. Antes a gente receitava sem se preocupar com os remédios, hoje temos que saber o que está disponível antes de receitar”, diz Zenóbio.

Cuba tem um dos menores índices de mortalidade infantil do mundo (9,9 por mil), uma expectativa de vida elevada (76 anos) e uma média de filhos nos padrões europeus (2 por casal). O aborto é liberado. O número de casos de AIDS até agosto de 1994 era de 1.080, com 72 mortes. A maioria dos casos atinge jovens entre 17 e 24 anos. Esses números podem ser perfeitamente questionados, já que o homossexualismo é reprimido no país e não existe distribuição de preservativos. “A repressão faz com que a troca de parceiros não seja tão freqüentes e além disso não temos problemas em larga escala com drogas”, justifica Zenóbio Gonzáles.

EDUCAÇÃO PARA TODOS- “Hablás inglês?”, pergunta o taxista, diante do nosso confuso portunhol. Taxistas, garçons, balconistas. Os filhos da revolução não tem do que reclamar, pelo menos na área educacional. O ensino é gratuito, obrigatório e garantido pelo governo. São nove ciclos no que no Brasil chamamos de ensino fundamental e ensino médio, incluindo um pré-universitário de dois anos e em seguida a opção entre um curso técnico ou a universidade.

As crianças passam o dia todo na escola. Muitas salas de aula são improvisadas em velhos casarões ou garagens, o material escolar é escasso, mas o nível do ensino é elevado. Crianças de 7, 8 anos, surpreendem pela desenvoltura com que conversam e pelo nível cultural. Os irmãos Carlos, 9 anos, e Michel, 7, sabem que apesar dos sacrifícios, terão garantia de estudo até a universidade. Carlos quer ser médico e Michel arquiteto. Nas colas das camisas, o bordado com o nome de Che, mito de todas as gerações pós-revolução.

Que maravilha! Nem tanto. A crise transforma arquitetos em garçons, químicos em motoristas de táxi e professores universitários em guias turísticos. É excesso de mão de obra num país parado por falta de meios de produção.

FÁBRICA DE CAMPEÕES- O esporte cubano dispensa maiores apresentações. Campeões no vôlei, multi-campeões no atletismo, destaques no boxe, no beisebol. Apesar da origem espanhola de boa parte da população, o esporte é dominado pelos negros. Javier Sottomayor e Mirella Luis são ídolos inquestionáveis. Ginásios de esportes e pistas de atletismo existem às dezenas, em todo o país.

O beisebol é o esporte número 1 de Cuba. É praticado como aqui se praticava o futebol, quando ainda havia espaço para campinhos de terra. O futebol inexiste. Deus seja louvado: nos sete dias que passamos em Cuba, ninguém perguntou por Romário!