Com uma indústria sucateada, depois que o bloco soviético desmoronou como um castelo de areia e o governo norte-americano apertou o cerco, ampliando o bloqueio econômico, Fidel Castro teve que dar os anéis para não perder os dedos. E assim, Cuba se abriu ao turismo. Era a única saída para fazer dinheiro rápido num país que fazia 80% dos seus negócios com os agora ex-camaradas do Leste Europeu.

O problema é que, se traz efetivamente os dólares indispensáveis para a manutenção das conquistas socialistas, como a saúde e a educação, o turismo pode levar não apenas os anéis, mas também os dedos e as mãos. “O turismo é fundamental para nós nesse momento, apesar de todas as influências negativas que ele pode trazer numa sociedade tão carente como a nossa. Mas não temos outro caminho”. A opinião é de Maria Lívia Rodriguez, diretora para a América Latina do Instituto Cubano de Amizade entre os Povos. É a mais óbvia tradução do ´se correr o bico pega, se ficar o bicho come´.

Em Havana, o bicho pega e come. Com os turistas, os cubanos passaram a ter acesso a uma série de informações e, pior do que isso, notaram que no país que os submete a tantos sacrifícios, existem locais exclusivos para os estrangeiros. A segregação é feita pelo poder econômico. Que cubano em condições normais pode dispor de 7 dólares (o salário de um mês) para freqüentar um bom restaurante ou de 35 dólares para se hospedar num hotel como o charmoso Inglaterra, encravado no coração de Habana Vieja?

Para ter acesso a esses privilégios, o caminho mais curto é a prostituição, mas isso vai merecer um capítulo a parte.

Se falta luxo e mesmo nos grande hotéis como o Habana Livre, o Kolly, o Nacional, o Copacabana e o já citado Inglaterra, se nota um ar de decadência, sobre o que se ver em Havana. A parte velha é um mergulho no passado, com um importante patrimônio arquitetônico onde se destacam o Capitólio, o Palácio da Justiça, o Palácio dos Capitães Gerais, o Castelo dos Três Reis, a Praça da Catedral, o Grande Teatro de Havana, o Museu da Revolução e a Praça de São Francisco.

RUN EM LA BODEGUITA- Programa imperdível é circular pelas ruas desertas de Habana Vieja em plena madrugada, num daqueles carros antigos que nos países capitalistas só existem nas mãos de colecionadores. Imperdível também é uma visita a La Bodeguita Del Médio, ou simplesmente La Bodeguita, o botequim preferido de dez entre dez intelectuais que visitam Cuba. Ai, tomar um rum negro (que eles chaman de ron, forçando o erre) ou um mojito (bebida feita com limão, água mineral, rum branco, açúcar e hortelã) é quase um ritual. Nesse festival de simbologia, pode-se escrever uma frase ou um poema na parede, marcando para a posteridade a passagem pelo local.

Havana possui ainda bons restaurantes, com todo tipo de comida. Quando os dólares começam a escassear, pode se recorrer à chamada comida criolla (frango, arroz, feijão, batata frita e salada). O preço é inacreditável: 3 dólares.

Na área cultural, a dificuldade é escolher o que fazer. Museus, teatros, bibliotecas. Nos ´sebos´, encontram-se preciosidades como o Diário de Che Guevara ou poemas de José Marti por 1 dólar, com direito à pechincha. Justiça seja feita: se a entrada nos restaurantes é limitada pelo dólar, o povo cubano tem todo acesso a cultura. Para se ter um parâmetro: o turista paga dez dólares para assistir ao Balé Nacional de Cuba. Para o cubano, o mesmo espetáculo sai por 2 pesos, o equilavente a 2 centavos de dólar.

Aqui um parêntese: durante a estréia do Lago dos Cisnes, a primeira bailarina errou o passo e tropeçou. Aqui no Brasil, teria levado uma sonora vaia. Ao perceberem o erro da bailarina, os cubanos se levantaram e aplaudiram a jovem de pé, por longos três minutos.

Os chamados consumistas compulsivos não têm do que se queixar. Em Havana, quase todos os grande hotéis possuem as chamadas ´diplotiendas´, verdadeiros mini-shoppings com todos os tipos de produtos importados, desde alimentos a aparelhos eletro-eletrônicos, passando por roupas, perfumes e bebidas. As ´diplotiendas` que existem fora dos hotéis são abertas aos cubanos, desde que eles possuam dólares. O máximo a que eles se permitem é comprar alimentos. Ou, em casos excepcionais, batom, esmalte e maquiagem, objeto de desejo das cubanas.

Nas ´diplotiendas´ não é raro encontrar muitos cubanos. Sinal de que a economia informal está funcionando. E também que os dólares enviados pelos parentes e amigos exilados em Miami são cada vez mais bem vindos. Execrados até dois anos atrás, os cubanos de Miami são vistos com bons olhos até pelo governo. E olha que eles não fazem outra coisa que não seja bombardear de todas as maneiras (menos no sentido literal) o regime. Anéis, dedos, mãos. Fidel que tome cuidado com os braços.

FLÓRIDA CUBANA- Fora de Havana, outra cidade conserva um importante patrimônio arquitetônico é Santiago de Cuba. Mas para quem já está cansado de museus e prédios antigos, existem paraísos que mais parecem a Flórida, como Cayo Largo e Varadero. Em Varadero, distante cerca de 140 quilômetros de Havana, os grupos espanhóis Meliá e Gitart construíram grandes complexos hoteleiros, com estrutura de Primeiro Mundo. Piscinas hollywoodianas, shopping centers, restaurantes e danceterias num ambiente que as águas transparentes do Caribe tratam de completar um cenário de sonho.

São nesses hotéis de alto padrão, construídos através de um sistema de parceria com o governo cubano (que fica com 50% do faturamento) que turistas de várias partes do mundo, especialmente dos países de língua espanhola, se deliciam. A espanhola Marta Alvarez não dispensa o ´topless´ e com naturalidade topa posar para fotografias. “Gracias”, improvisa o fotógrafo brasileiro. A espanhola nem se dá ao trabalho de responder, mais interessada no sol e nas atenções de um guapo cubano. Atenções desmesuradas também não faltam a dois turistas alemães, embasbacados com as calientes cubanas.

Cuba é um dos recantos turísticos do planeta onde os preços são acessíveis até para os padrões brasileiros. Mas é bom aproveitar enquanto é tempo. As coisas tem andado tão rápido que os cubanos vão perceber que podem conseguir um preço bem melhor pelos anéis. E cobrar ainda mais caro pelos dedos e pelas mãos.

(Na próxima reportagem: saúde, educação e esporte, as pérolas e o marketing do socialismo. Ou do que resta dele)