Débora Spagnol

debora 2Sucesso de público e crítica, o filme brasileiro “Que horas ela volta ?”, protagonizado pela atriz Regina Casé, retrata a rotina  diária de uma empregada doméstica que reside com seus empregadores, sendo por eles considerada “quase como da família”. Ocorre que o “afeto” aos “secretários do lar”, longe de expressar um sentimento verdadeiro (quando muito a suportabilidade), muitas vezes se destina somente à sonegação de direitos a uma atividade que a cada dia se retrai.

Originada no período da escravidão, quando índios e africanos eram utilizados para a realização de atividades urbanas e rurais, artesanato, agricultura, pecuária e também para o trabalho doméstico, a profissão aos poucos conquistou respaldo na sociedade, que então criou normas para reger a atividade.

Embora limitados, importante é ressaltar que atualmente são garantidos direitos trabalhistas imprescindíveis ao exercício das domésticas com segurança e estabilidade. O pagamento na íntegra desses valores é também importante ao empregador, na medida em que previne eventuais prejuízos se o empregado ajuizar reclamatória trabalhista.

As conquistas dos trabalhadores domésticos – assim definidas as pessoas maiores de 18 anos que prestam serviços não eventuais por mais de dois dias na semana – foram inicialmente previstas na Proposta de Emenda à Constituição nº 66, conhecida como “Pec das domésticas” e só se definiu no fim de junho de 2015, com a nova lei dos domésticos (Lei Complementar nº 150). Algumas das regras entraram em vigor somente em outubro de 2015.

De forma resumida, os direitos dos “secretários do lar” são os seguintes:

– Salário – Os domésticos devem receber mensalmente ao menos um salário mínimo (piso nacional) – hoje correspondente a R$ 880,00.

– INSS – Cabe ao empregador o desconto relativo à contribuição previdenciária de seu empregado doméstico, mediante a aplicação das alíquotas de 7,65%, 8,65%, 9,00% e 11,00%, incidente sobre o salário de contribuição de cada um. A contribuição previdenciária é dividida em duas partes: a parte referente ao empregado (descontada deste) e a parte referente ao empregador (12%). Esta parcela não poderá ser descontada do empregado, sendo encargo do empregador.

Horas extras – As primeiras 40 horas além da jornada normal, limitadas a duas horas diárias, que devem ser pagas com acréscimo de 50%. A partir dai, pode compensar com folga ou redução da jornada.

– Adicional noturno – Trabalho noturno é aquele realizado entre as 22h e as 5h. A hora do trabalho noturno deve ser compensada como de 52,5 minutos – ou seja, cada hora noturna sofre a redução de 7 minutos e 30 segundos ou ainda 12,5% sobre o valor da hora diurna. O pagamento do trabalho noturno terá acréscimo de 20% sobre o valor da hora diurna.

– Salário família – Pago aos empregados que possuam filhos saudáveis até 14 anos ou deficientes de qualquer idade e que recebam salário de até R$ 1.089,72.  O valor do benefício varia de acordo com a faixa salarial: R$ 37,18, por filho para quem ganha até R$ 725,02 e R$ 26,20, para quem ganha entre R$ 725,03 e R$ 1.089,72. O empregador paga o benefício ao empregado e depois abate esse valor do INSS a recolher.

Seguro desemprego – Direito de todos os empregados domésticos que tenham sido dispensados sem justa causa e que comprovem vínculo de ao menos 15 meses anteriores à data de demissão, não gozam de benefício previdenciário e não possuem outra renda. O valor do benefício corresponderá a 1 (um) salário mínimo e será concedido por um período máximo de 3 (três) meses, de forma contínua ou alternada, a cada período aquisitivo de 16 (dezesseis) meses, contados da data da dispensa que originou a habilitação anterior.

– Aviso prévio – O empregado doméstico que tiver até um ano de serviço na mesma empresa fará jus ao mínimo, de trinta dias de aviso prévio.

– FGTS – O depósito passou a ser obrigatório aos domésticos, correspondendo a 8% do valor do salário mensal.

– Indenização por demissão sem justa causa – O empregador deverá depositar o equivalente a 3,2% do valor do salário por mês trabalhado. Caso ocorra a demissão sem justa causa, o empregado receberá o saldo depositado, mas se o vínculo empregatício for interrompido por justa causa ou por parte do empregado, então o empregador poderá se ressarcir do valor.

Entre as obrigações, o trabalhador doméstico está sujeito ao cumprimento de jornada mínima de trabalho (8 horas diárias e 44 horas semanais) e local contendo todas as normas de higiene, saúde e segurança.  Além disso, o empregado não pode sofrer diferenças de salários ou discriminação por motivos de sexo, idade, cor, estado civil ou por deficiência.

Alguns cuidados são essenciais aos empregadores: selecionar bem os candidatos, observando acontecimentos, referências pessoais e dos empregos anteriores. É importante que o candidato preencha uma ficha simples, contendo seus principais dados e o histórico de sua vida profissional.

No momento da contratação, o empregado deverá apresentar a Carteira de Trabalho, exame médico subscrito por profissional responsável, número de sua inscrição no INSS (se tiver), CPF, RG e comprovante de endereço atualizado (exigências do programa “e-social” – que possibilita a inscrição do contribuinte junto ao sistema previdenciário).

No filme, a filha da empregada doméstica surge para contrariar as regras e questionar posicionamentos. Na vida real, o judiciário é quem na realidade faz cumprir as obrigações sonegadas – e não é nada tolerante aos sonegadores.