:: ‘coordenadora do Projeto “ A Lógica do Crime nas Mulheres”’
As mulheres e a criminologia
Angela Maria Carvalho Silva Cassol
Fazem seis meses que iniciamos um projeto de escuta psicanalítica no Presídio feminino de Cariacica – Grande Vitoria – Espirito Santo. Perguntam-se por quê? O que a psicanálise pode fazer em relação ao aumento assustador do envolvimento de mulheres no crime e mais, o que pode contribuir para a recuperação delas.
O presídio que estamos trabalhando tem a visão clara, resultante de anos de trabalho, que punir e oferecer oficinas pedagógicas não muda o sujeito. Muitas, ao alcançarem o sistema semi- aberto, não retornam tornando-se foragidas, o que faz com que ao seres pegas sua pena aumente.
Cada vez mais construímos cadeias e até agora não conseguimos recuperar, trazer para uma nova vida, quem ai acaba chegando.
A faixa etária dominante é entre 20 e 40 anos, o delito em comum (90%) é o tráfico. Enganam-se aqueles que pensam serem envolvidas por amor a seus parceiros ou filhos. Não deixa de ser uma demanda de amor mas não ao parceiro e sim ao “Pai”.
Essas mulheres, independentes de classe social, têm varias de classe média, vem de famílias onde o pai não exerce sua função primordial, melhor, na maioria não há pai. São frutos de famílias sem limites. Mães que tiveram filhos com vários homens e não deu a nenhum deles essa responsabilidade, essa função. Mães que ao se envolverem com outros permitiram ( inconscientemente) que sua filha fosse molestada anos e anos. Mães que permitiram que sua filha de 14 anos casasse com um homem de 40. Mães que se encantaram excessivamente com sua filha permitindo que esta se sentisse dispensada de qualquer limite ao gozo, ao prazer.
Nosso sistema social nos mostra todos os dias como estamos embaraçados com a estrutura familiar. Cada família paga seu preço de forma particular: vendo sua filha entregar-se as drogas , roubando, tendo filhos jovens demais , fazendo quadros anoréxicos, se deprimindo etc.
Aqueles que têm recursos econômicos não ficam muito ou nem vão para a cadeia, mas os pobres..ah estes estão sempre sendo entregues lá. A defensoria pública é a ausência descarada e repetitiva da vida dessas mulheres.
E a psicanálise? Onde entra? Como disse, este Presídio entende que para recuperar estas mulheres ( e muitas são mães) é preciso trata-las. O que vem a ser isto? Envolvimento com drogas, dependência de drogas (a grande maioria delas) não é caso de policia e sim de saúde pública. Assassinatos, roubos, além de ser caso de policia também é caso de saúde mental.
A psicanálise é o campo onde ao implicar o sujeito em seu ato permite que este “de fato” e “logicamente” se pergunte sobre si. E assim fazendo poderá encontrar o que sua demanda busca. Construir recursos substitutivos a essa ausência paterna que em muitos casos é irreversível.
O Estado seria um substituto simbólico se de fato ocupa-se o lugar de Lei para todos. Lei e aposta no sujeito. Isto se daria ao lhe garantir, saúde, moradia, trabalho, dignidade. Nossa realidade estes anos luz longe disso.
Nesse buraco, muitas vezes, a organização do tráfico ocupa essa função. Vejam que ironia, que antagonismo! Opera porque as leis são claras e mantidas, o sujeito ganha respeito, pode comer, vestir, ir ao medico. É um absurdo mas é assim que ganham cada vez mais espaço, ganham jovens e mulheres.
Escutei de várias que além de precisarem traficar para poder consumir a droga, ali encontravam a família que nunca tiveram.
Outra fala constante é do “dinheiro fácil, fácil doutora mas sabendo que iríamos acabar ou na cadeia ou no caixão!”
O que podemos ler destas falas? Elas nos gritam que este dinheiro as levaria ao encontro de um limite ou pelas leis ou pela Lei maior que é a morte.
Muitos documentários mostram que envolvidos no tráfico usam roupas de marcas, querem carro importado, armas….engraçado isto não é o normal em nossa sociedade pautada no consumo de objetos? Porque achamos normal jovem e adulto, empresários, médicos, etc enfim todos nós vivermos essa loucura da posse de objetos que nos garanta sermos reconhecidos como sujeitos?
O estado resolveu retirar da rua os crakeiros, porque só eles? Por que eles incomodam o consumismo. Se estivéssemos interessados na saúde mental e física de todos, teríamos hospitais e clinicas, analistas atendendo a todos dependentes e não continuaríamos enchendo as cadeias de dependentes químicos para ali os deixarem sem nenhum tratamento, sem nenhuma chance de recuperação.
Este projeto esta funcionando de forma voluntária, ainda não conseguimos nenhuma parceria com patrocinadores. Patrocinamos sempre a doença, mas seu tratamento e ainda mais de “mulheres”, não existe interesse.
Angela Maria Carvalho Silva Cassol é psicanalista e coordenadora do Projeto “ A Lógica do Crime nas Mulheres”
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