Memória, perdê-la é o início da morte de nossa cidade
Jeffson Oliveira Braga
A minha “oração aos concidadãos grapiunenses”, que sejam tomados de iluminação para compreender o quão perigoso para um povo, a perda da sua memória. Preocupar-se com a memória, o legado, sempre foi uma das primeiras escolhas dos homens virtuosos, quando buscam deixar para posteridade seus feitos.
Desta feita, a título de ilustração, um breve diálogo extraído das narrativas dos eventos da Guerra de Troia da Ilíada, do poeta grego Homero:
– “O tessálico que vai lutar, com o senhor, ele é o maior homem que já vi. Eu não lutaria com ele”, disse o menino.
– “Por isso que o seu nome nunca será lembrado” (Aquiles)1.
Perceba, este singelo diálogo entre um menino, que seguindo ordens de Agmanón considerado o rei dos reis entre os gregos, busca Aquiles para enfrentar um guerreiro da Tessália. A descrição ecoada para posteridade pela deusa que os gregos chamavam de “Mnemosyne”, Memória. Esta memória é o canto dos poetas, que registrava e deixava para as próximas gerações, a tradição, como: da Ilíada e da Odisséia, dos Cantos Cíprios e várias outras histórias que marcam nosso imaginário e são ilustradas por filmes como “Troia”.
Aquiles no fragmento destacado, escolheu enfrentar quem, quer que fosse, para ter seu nome ecoado para a posteridade. Hoje, no ano de 2025 estamos fazendo referência a um possível evento que marcou a história, nutrido na memória, trazendo máximas e ensinamentos a serem seguidos.
O que quero trazer à tona, são máximas e sentimentos um pouco fora de moda. Sim, isso mesmo, ética, honra e respeito aos que antecederam, os antepassados. Certa feita, um autor cunhou uma frase mais ou menos assim: “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”. Apesar de ter ficado famosa e comumente atribuída a Isaac Newton, essa inscrição tem origem no século XII e é ligado a Bernardo de Chartres. Este, utilizou a metáfora dos anões estarem sobre ombros de gigantes, que expressa o significado de “descobrir a verdade a partir das descobertas anteriores”.
Veja, desprezar aqueles que vieram antes de nós, é o mesmo que passar pela ponte, em seguida destruí-la, e num momento de necessidade, quando as hienas te perseguirem, não terá esse sustentáculo para ultrapassar o abismo colocado a sua frente. Logo, vai sucumbir, será tragado.
A destruição com a demolição do sobrado do comendador José Firmino Alves, em 19 de outubro de 2024, construído no final do século XIX é um alarmante sintoma da falta de referência
1 Diálogo extraído do Filme Troia (2004). Direção: Wolfgang Petersen | Roteiro David Benioff | Elenco: Brad Pitt, Erica Bana, Orlando Bloom | Título original Troy.
do que seja patrimônio cultural. O distanciamento da identidade, da beleza, da preservação de patrimônio é como desprezar a manutenção da viva memória do passado. Impedindo que as futuras gerações fiquem com referência, ignorando e desvalorizando suas origens.
Viver nos destroços do passado, demonstra o perigo da falta de orientação. Não saber por onde caminhar, qual direção seguir.
Necessário então, preservar edifícios, monumentos, sítios arqueológicos, objetos e tradições que representam a história, as raízes e as conquistas de um povo. Tudo isto, alimenta e constrói o imaginário coletivo de um povo, representado pelo patrimônio histórico, compondo o material e o imaterial.
Num mundo distópico construído por George Orwell no livro 1984, existe uma frase emblemática que compunha o slogan do Partido: “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”. A frase, traz ensinamentos profundos e plenamente oportunos aos dias atuais.
O desprezo ao passado, pode pavimentar um edifício sem fundamento. A figura utilizada por George Orwell para representar o Estado totalitário em seu universo distópico, criado no fim da década de 1940, nos alerta dos perigos daquilo que é visto como uma tentativa de desconstruir a história.
A preservação do patrimônio cultural permite promover o respeito as memórias, a diversidade cultural e a história de diferentes gerações do povo grapiúna. Cada construção ou objeto antigo conta uma história única, contribuindo para uma compreensão mais ampla da nossa cidade.
O sobrado do comendador José Firmino Alves (1852-1941), local que foi cenário da gestação do processo emancipatório da Itabuna era uma parte da nossa história que, não poderia e, não pode ser renegada, a interesses privados. Máxima do direito público que facilmente pode ser equiparado ao episódio em destaque, os interesses coletivos sobrepõem aos interesses privados. Uma vez que, prova disso, a Constituição Federal de 1988 enaltece o espírito coletivo, em caráter prescritivo de dever de todos, a proteção do patrimônio cultural brasileiro. A inteligência do art. 216, §1º da CRFB/88, traz que é dever do Poder Público, com conjunta colaboração da comunidade, promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
Rememorando as categorias aristotélicas, muito importante para um observador descrever a realidade e as coisas do mundo, necessário se faz distinguir primariamente o que é essencial, do acidental. A estrutura do edifício é essencial, pois, a manutenção das suas paredes, deixava viva a memória daquele que foi o primeiro intendente da cidade, considerado um dos fundadores do município de Itabuna. Modificar sua cor é totalmente acidental, como foi substituído todos esses anos.
Então, a memória, a tradição, a história é o que está em jogo. Demolir, configura um estado de espírito de total desprezo as suas raízes. O desconhecimento disso é denunciante. É o culto ao efêmero.
O descaso do Poder Público municipal, delata contra si, quando a demolição se deu motivadamente às surdinas, na calada da noite, em período de feriado prolongado. O cenário demonstra uma tentativa flagrante de uma conduta desprezível, um atentado a memória da cidade de Itabuna. Já que o sobrado não apenas representava a arquitetura da época, como também, significa memória cultural e política de Itabuna, materializada na edificação.
O que é esperançoso, bonito e instigante, ser constrangido pelo desvelar da verdade. E a verdade, não precisa de muito esforço para ser contemplada. Basta olhar e vê. Por mais que tentam atacar a memória, os pressupostos históricos do nosso município, a comunidade grapiúna entendeu e despertou do sono dogmático, fazendo levante frente essa aberração contra a memória de Itabuna, com manifestações de repúdio de diversas instituições: o Centro de Documentação e Memória Regional da Universidade Estadual de Santa Cruz – CEDOC/UESC; o Centro Cultural Teosópolis (CCT); a Academia de Letras de Itabuna (ALITA) e Academia Grapiúna de Artes e Letras (AGRAL). A prova que o mal nunca sobreporá o bem.
Destaque, para a petição pública encabeçada pelos integrantes da Academia de Letras de Itabuna (ALITA), como também, a notícia de fato, endereçada ao Procurador Geral da Bahia, para abertura e investigação das circunstâncias da demolição à revelia dos embargos da Prefeitura de Itabuna, a falta de documentação e outras irregularidades que circunda o fato.
Está na penumbra, escondido na trincheira é pior que a morte. Se é a morte que me espera, irei como um guerreiro. Não serei abatido como um cordeiro.
Seja como for, prefiro ser lembrado pela honradez, como em outras manifestações coletivas, como a graça concedida aos meus concidadãos ao patrocinar enquanto patrono de salvo conduto por meio de Habeas Corpus coletivo, que permitiu transitar sem constrangimento estatal, quando os direitos e garantias fundamentais estavam sendo pisoteadas por medidas, que hoje, estão mais que comprovadas a sua ineficácia. Que em minha memória seja revivida sempre posturas vinculadas com a verdade, inevitavelmente corajosas, desvinculadas ao jogo sujo do poder.
Saúdo aos meus concidadãos grapiuneses!!! Deus abençoe!!! Sejam firmes na preservação da memória do nosso povo, da cidade de Itabuna. Para que, por falta de orientação morramos pelo esquecimento das nossas memórias. Que preservemos o todo custo, o patrimônio cultural da nossa cidade.
Jeffson Oliveira Braga é Advogado, escritor, filósofo e professor.











