
Crônica de uma feira literária. FLIGÊ
Efson Lima
A Feira Literária de Mucugê (FLIGÊ) está na 6ª edição. Relatavam as pessoas do sucesso da última grande Feira presencial, antes da pandemia, realizada em 2019. O desejo da organização era concretizar uma Feira igual ou melhor em relação àquela. A saída foi de Salvador. Mochileiros? Não. Pessoas dispostas a conhecerem a FLIGÊ pela primeira vez. Perdemo-nos na saída de Salvador. Eta, o humor negativou o ambiente? Também não. Foi apenas um teste para a convivência, que seria de sexta a domingo. Saímos pela manhã, fomos conversando sobre política; apreciando às paisagens; revivendo as aulas de Geografia; lembrando dos domínios morfoclimáticos, ouvindo música… rindo de fatos passados, lembrando das vivências… conjecturando sobre artes.
Alcançamos a bela Mucugê, cidade que parece ter sido plastificada no tempo. Preservação parecida como essa só a de Cidade de Tiradentes/MG. Paramos o carro. Fomos encontrar a proprietária do chalé. Tomamos um café. Para lá fomos ver os quartos. Antes, víamos que a FLIGÊ tinha ocupado a cidade. O coreto estava pronto para a próxima atração… mais à frente, uma estrutura parecia ser um palco, mas só que não. Era o espaço de artes de Jessé de Sousa, um artista plástico residente em Vitória da Conquista, que tem um ateliê na linda Mucugê. O que parecer ser um palco, mas tarde conheceríamos as exposições instaladas.
Seguimos para um bairro mais afastado da cidade, à beira de uma rodovia… estávamos em um loteamento. Conhecemos nossa hospedaria… no dia seguinte, perceberíamos que estávamos dentro de um vale. Cercado por lindas serras. Já se aproximando do anoitecer, voltamos para o local da Feira Literária… fomos encontrando pessoas ilustres de nossa Bahia.
Tivemos a sorte de ser levados pelo deputados estadual Fabrício Falcão, para conhecer a Casa Silvio Jessé, um artista plástico, formado em Educação Artística pela UCSAL. Na frente da casa, havia uma instalação artística, que era uma rua, por sinal, denunciava a Covid- 19: “Rua 6,7 milhões de pessoas mortas”. Certamente, denunciava também às negligências governamentais, especialmente, a de um certo sujeito brasileiro, perverso e nocivo ao povo brasileiro. Curiosamente, diversos artistas foram pintados na técnica nanquim, cujos rostos estavam expostos em cordão barbante. Alguns desses rostos foram pintados com máscaras: Elza Soares, Raul Seixas, Maria Bethânia…
Estávamos diante de um túnel do tempo. O espaço era convidativo para tirar fotos nas janelas emolduradas. A arte tem a capacidade de denunciar, mostrar a tristeza e ao mesmo tempo elevar a autoestima das pessoas para travarem a próxima batalha. As músicas de samba, geralmente, são tristes. Muitas das canções de amor fazem – nos chorar… Guernica, de Pablo Picasso salta aos nossos olhos, mas não deixa de revelar a atrocidade do bombardeio alemão. Capitães da Areia, de Jorge Amado, nos envolve, mas não deixa de fazer a denúncia social do abandono infantil.
Ainda na sexta, tivemos a grata surpresa de sermos surpreendidos pela maravilhosa conferência, do professor Aleilton Fonseca, sobre a obra de Capinan, o homenageado, da 6ª Edição da FLIGÊ. Foi um mergulho qualificado na obra de um dos maiores compositores e artista brasileiro. O escritor e docente da UEFS foi revelando as obras de José Carlos Capinan, membro da Academia de Letras da Bahia, por meio de uma ode líteromusical. Magistralmente foi conduzido um salão lotado de pessoas para o mundo poético de Capinam. Espera-se que tais reflexões para além dos áudios e das imagens que foram transmitidas pelas redes sociais, possam ser preservadas por meio escrito.
Voltemos para Mucugê, então, o nosso sábado foi tomado pela primeira atividade, especialmente, para a qual, tínhamos ido e, sem dúvida, umas das mais representativas da Feira Literária de Mucugê, o organizador da atividade foi Élvio Magalhães, o que parecia ser pequeno, agigantou-se. Chegou Javier Alfaia para lançar “Arte, Política Cultural e Cidadania”; a deputada estadual Olívia Santana, para lançar seu livro autobiográfico: “Mulher Preta na Política”. O deputado estadual José Raimundo, a pedido de Élvio, apresentou o livro “Armênio Guedes, um comunista singular”, de autoria de Mario Malin. As pessoas chegavam e rapidamente, mais uma vez, a Casa Silvio Jessé estava tomada. Uma manhã representativa, de recuperar memórias e de denunciar a morte de Mãe Bernardete. A literatura foi pretexto para repensar a Bahia e o Brasil. Um momento comunista na feira literária? Não. Uma manhã brasileira, em defesa do direito à paisagem, à vida, ao direito de existir do negro e da negra e o direito de exercer plenamente a cidadania… mulher preta na política.
Uma manhã de defender a cultura, no sentido pleno. A democracia e o povo.
Os horários foram se entrelaçando. O horário corria, mas não percebíamos. Deparamos-nos no coreto, com a comemoração de um aniversário. Poetas, músicos/as se encontraram e constituíram a “Fligê Paralela”, os conquistenses, mais uma vez, fizeram na FLIGÊ, um dos momentos mágicos. No coreto lá estavam artistas e apreciadores. O violão era dedilhado. As canções saíam “emolduradas” sob o manto” de lindas vozes.
Com diversas atividades acontecendo, a cidade de Mucugê estava tomada pelo espírito literário. A histórica cidade do garimpo estava cheia, não de garimpeiros, mas de conquistenses. Os comerciantes felizes com a movimentação de pessoas e vendas. Infelizmente, a internet não funcionava naquela cidade cercada de serras. As mesas literárias estavam lotadas. A presença de Itamar Vieira causou um alvoroço no público. Parecia ser um cantor. Literatura, musica, artes plásticas, cinema… as pessoas gostam de arte. As pessoas é que são cerceadas de usufruírem. Os momentos musicais foram pensados e articulados para oferecer uma dimensão eclética e popular.
O momento da cantora Ana Barroso, na tarde de sábado, foi apoteótico. Eu não a conhecia, Nágila Maria cuidou de me apresentar aquele mundo musical. Que beleza de performance e música. Um show inesquecível.
No domingo, antes da volta para Salvador. Fizemos uma breve roda, na Casa Silvio Jessé. Curiosamente, fiz algumas perguntas para aquele artista plástico, que fizera suas instalações em Mucugê. Javier Alfaya aproveitou para gravar um vídeo sobre a importância das feiras e festivais literários. Nágila cuidou de gravar. Luciana Oliveira dirigiu. Tiramos a foto do quarteto mágico.
Rapidamente, passamos no chalé, arrumamos as coisas e rumamos à Capital. Na saída, ainda no loteamento, fomos aprendendo com nosso arquiteto sobre o impacto que os muros das casas causam no direito à paisagem das pessoas e da vizinhança. A linda Mucugê foi ficando para trás, para em alguns quilômetros depois ser avistada de Alpinos. Demos adeus a cidade que homenageou Capinan e a música por alguns dias. A FLIGÊ foi uma obra prima.
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Efson Lima – doutor e mestre em direito/UFBA. Membro da Academia de Letras de Ilhéus e da Academia Grapiúna de Letras e Artes.