por Heleno Nazário

O custo da fabricação de tijolos de adobe, um material de construção produzido artesanalmente, foi o objeto de um estudo desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Biossistemas (PPGBiossistemas) da Universidade Federal do Sul da Bahia. A análise considerou a chamada composição orçamentária da produção realizada em duas localidades rurais na área de abrangência de Itabuna e Ilhéus. O trabalho desenvolvido resultou na dissertação intitulada Produção artesanal do adobe e composição orçamentária no eixo Itabuna-Ilhéus-Uruçuca, BA, Brasil, de autoria do engenheiro civil e chefe do Setor de Orçamento e Planejamento da Diretoria de Infraestrutura da UFSB, Luiz Eduardo Souza da Silva, sob orientação da professora Sílvia Kimo Costa, docente permanente do PPGBiossistemas e ligada ao Centro de Formação em Políticas Públicas e Tecnologias Sociais (PopTecs). A defesa ocorreu no dia 28 de julho, no Campus Jorge Amado, contando com a banca de examinadores integrada pela orientadora do trabalho e os professores Ronaldo Lima Gomes (UESC), Jomar Gomes Jardim (CFCAF e PPGBiossistemas/UFSB) e Nadson Ressye Simões da Silva (CFCAF/UFSB).

O uso de tijolos de adobe, conforme a pesquisa defendida e aprovada, oferece diversos aspectos a considerar. Em termos ambientais, é um material sustentável e reaproveitável. Como material para construção, tem pontos positivos em termos de conforto térmico e acústico. Do ponto de vista cultural, o estudo confirmou que o modo de fabricação continua sendo “vernacular” – isto é, ainda é feito da forma tradicionalmente conhecida e com recursos naturais existentes na região. E em termos de precificação, a análise da composição orçamentária, ou seja, de custos de produção, indicou que o tijolo de adobe pode ser tanto um material acessível para construção quanto uma fonte de receita para comunidades que se dediquem a essa atividade. Soma-se a esses fatores a forte demanda por alternativas para a falta de habitações no Brasil e na região Nordeste.

 

O autor da dissertação, Luiz Eduardo, e a orientadora, professora Sílvia, enviaram mais informações sobre o estudo para a editoria UFSB Ciência.

Do que trata a pesquisa?

A pesquisa objetivou analisar o processo de fabricação do adobe na área de abrangência do eixo Itabuna – Ilhéus – Uruçuca, municípios localizados no Litoral Sul do Estado da Bahia, considerando os custos associados à sua manufatura (composição orçamentária).

Foram escolhidas duas localidades rurais para coleta de dados, o Assentamento João Amazonas e o Projeto Sapê Ecológico. O primeiro localizado na rodovia Ilhéus-Uruçuca, a 33Km do centro de Ilhéus, onde se encontram 74 famílias assentadas. O segundo trata-se de uma iniciativa de construção em terra iniciada em 2020 por um bioconstrutor. A edificação encontra-se situada em área rural a 11km do centro de Itabuna.

 

Como a pesquisa foi realizada?

A metodologia compreendeu abordagem metodológica da observação participante, que segundo Minaio, Deslandes e Gomes (2016, p. 64), trata-se de processo através do qual “o pesquisador se coloca como observador de uma situação social com a finalidade de realizar uma investigação científica”.

Embora a observação participante faça com que o “observador seja parte do contexto de sua observação e, sem dúvida, modifique esse contexto, por interfere nele, assim como é modificado pessoalmente” (MINAIO; DESLANDES; GOMES, 2016, p. 64), durante a coleta dos dados, ateve-se à observação unicamente para descrição do processo de fabricação do adobe nas localidades selecionadas para a pesquisa.

A observação contemplou:

a) descrição do processo de fabricação do adobe e b) os materiais utilizados foram listados e o quantitativo mensurado, assim como os intervalos de tempo gastos entre as etapas de fabricação, que contempla desde a extração da matéria-prima (solo) ao processo de secagem do adobe (PEREIRA et al., 2014).

A atividade de campo envolveu o registro fotográfico do processo de fabricação do adobe. O uso das imagens para fins de publicação, encontra-se autorizado pelo Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética n. 5.700.715/ 2022.

Já o processo de composição orçamentária considerou o procedimento sugerido por Tisaka (2011) e Matos (2009) e compreendeu as seguintes etapas:

Etapa 1: cálculo do volume de barro mínimo necessário para suprir a produção diária (que variou conforme a localidade analisada) – considerou-se o quantitativo de unidades fabricadas em função do fornecimento ininterrupto de barro, horas de trabalho, traço do barro e dimensão das formas utilizadas.

Etapa 2: cálculo do custo para escavação (mecanizada ou não mecanizada) – considerou-se o volume de escavação do solo em relação à produção mínima diária do adobe.

Etapa 3: cálculo do custo de carga, transporte e descarga (manual ou mecanizado) – considerou-se a distância entre o local de onde a matéria-prima foi extraída e o transporte até o local para produção do adobe.

Etapa 4: cálculo do custo de mistura (obtenção do barro), moldagem e desmoldagem do adobe – considerou-se o volume mínimo de mistura em relação ao tempo de produção de cada “masseira”.

Etapa 5 – preço unitário do adobe – somatório dos custos associados à cada etapa de produção do adobe divididos pela quantidade de adobes produzidos diariamente em cada localidade.

 

Como referência, utilizou-se a base de preços SINAPI, disponibilizada pela Caixa Econômica Federal. A base de preços SINAPI, inclui, além dos materiais, os salários dos profissionais envolvidos na produção, com encargos sociais, transporte e alimentação.

 

Qual a importância do tema?

A palavra espanhola “adobe” vem do árabe “attob”, relacionado ao egípcio “thobe”, que significa tijolo de barro seco ao sol. O adobe é uma das técnicas construtivas em terra mais antigas do mundo e oferece benefícios econômicos e ambientais, especialmente quando usado em países onde os custos de material se sobrepõem aos custos de mão-de-obra.

De maneira simplificada, o processo de fabricação do elemento construtivo consiste em moldar blocos de terra crua, acrescidos de água, em formas de madeira e, após desforma, secá-los ao ar. Sua utilização possibilita não só redução do custo construtivo da edificação como constitui-se num elemento sustentável, reversível e reciclável. Além disso, o adobe apresenta propriedades do ponto de vista do conforto termoacústico e possibilita a revalorização de técnicas construtivas ancestrais.

Considerando que o déficit habitacional brasileiro estimado, alcança 5,876 milhões de domicílios, dos quais aproximadamente 460 mil referem-se somente às áreas rurais do Nordeste (conforme Fundação João Pinheiro, 2021), é latente a necessidade de soluções construtivas não só de baixo custo como também de baixo impacto ambiental. Atualmente, o emprego do adobe está voltado para construção própria em mutirão, isto é, para suprir a demanda habitacional nas localidades onde são fabricados. Contudo, havendo viabilidade de produção e precificação, a comercialização do adobe pode se tornar meio de sustento financeiro para as famílias envolvidas no processo.

Nesse sentido, a pesquisa realizada é de suma importância, pois não só permitiu acompanhar e descrever os processos de fabricação do adobe em sua área de abrangência, como elaborar a composição orçamentária para precificação do elemento construtivo, considerando as características da região.

 

O que os resultados indicam?

Os resultados mostraram que, em relação à fabricação do adobe, constatou-se que o processo se mantém vernáculo compreendendo moldagem dos blocos de terra em estado plástico em formas de madeira, desforma e secagem ao ar.

No que se refere ao custo final para produção do adobe, o procedimento de composição orçamentária permitiu encontrar dois valores unitários: R$2,34 a unidade adobe no Assentamento João Amazonas e R$2,82 no Projeto Sapê Ecológico. Ambos podem ser considerados como parâmetro para precificação de venda do elemento construtivo, caso se mantenham as condições de produção, já que o custo para fabricação arca com os custos de materiais e honorários dos envolvidos na produção.

O fornecimento de dados sobre a viabilidade financeira de produção e comercialização do adobe em localidades rurais de baixa renda contribui não só para incentivar o uso do elemento construtivo pela população em geral, como poderá se constituir em meio de sustento financeiro para as famílias envolvidas no processo.

 

Que contribuições os resultados oferecem ou permitem antever?

A pesquisa possibilitou descrever e analisar o processo de fabricação do adobe no eixo Itabuna – Ilhéus – Uruçuca, BA e elaborar a composição orçamentária considerando os processos de fabricação descritos e analisados.

Dentre os produtos científicos e técnicos oriundos da pesquisa, listam-se:

Um capítulo publicado no e-book Aspectos bioconstrutivos do espaço construído: coletânea de artigos, v.02;

Dois artigos aceitos para publicação, que se encontram em fase de edição. O primeiro na Revista Ibero Americana de Ciências Ambientais e o segundo na Revista Mix Sustentável. Esta última Qualis A3.

Uma cartilha informativa sobre o processo de fabricação do adobe e instruções de como preparar a composição orçamentária do elemento construtivo, elaborada para produtores rurais. Já disponível para público.