ABI e Sinjorba apresentam plano de combate à violência contra a imprensa
“Eu fui agredida enquanto fazia uma reportagem. Estava prestando um serviço, sem cometer nenhum excesso”. A fala indignada da jornalista Tarsilla Alvarindo, durante audiência pública na sede da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), traduz o sentimento dos profissionais da imprensa vitimados diariamente pela violência. A sessão promovida pela Associação e pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia (Sinjorba) apresentou, na manhã de hoje (31), uma proposta de protocolo para proteger os trabalhadores do segmento.
Além de jornalistas, advogados e diretores das duas entidades proponentes, a sessão contou com o titular da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do Governo da Bahia (SJDHDS), Felipe Freitas; o promotor Fabrício Rabelo Patury, assessor especial da PGJ, representou a procuradora-geral do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), Norma Cavalcanti; o comandante-geral da Polícia Militar da Bahia, Paulo Coutinho, enviou o coronel PM Valter Menezes; o defensor-geral do Estado da Bahia, Rafson Ximenes, foi representado pelo coordenador das especialidades criminais, Pedro Paulo Casali Bahia; a delegada-geral da Polícia Militar da Bahia, Heloísa Campos de Brito, teve como representante o delegado Ricardo Mendes Barros; já o secretário da Segurança Pública do Estado da Bahia, Marcelo Werner, foi representado pelo assessor de imprensa da SSP, o jornalista Alberto Maraux.
Plano de ação
O jornalista Ernesto Marques, presidente da ABI, iniciou a audiência com uma saudação especial ao fotojornalista Valter Lessa, que completa hoje 91 anos e fez questão de estar presente. Ernesto falou dos riscos aos quais, principalmente, os profissionais de imagem estão expostos nas coberturas jornalísticas. “Muitas vezes, constrangidos, coagidos, agredidos, têm seus equipamentos tomados ou danificados, são obrigados a apagar registros que são propriedade intelectual desses profissionais”, lembrou.
Marques agradeceu a adesão das autoridades à pauta e ressaltou a necessidade de medidas eficazes para enfrentar o clima de hostilidade contra o setor. “Todos nós temos o mesmo objetivo: trabalhar pelo aperfeiçoamento da sociedade. Nossa sociedade dá, neste momento, evidentes sintomas de uma doença grave. E eu não me refiro à pandemia. Me refiro a uma doença ética, que estimula e banaliza a difusão de informações falsas, que tenta descredibilizar o trabalho do jornalismo profissional, essa mesma onda que procura respostas violentas pela incapacidade de conviver com a divergência”, afirmou.
“Nossa sociedade dá, neste momento, evidentes sintomas de uma doença grave.”
Ernesto Marques, presidente da ABI
O dirigente apresentou a proposta da “Rede de Combate à Violência contra Jornalistas”, cujo plano de ação prevê como princípios: a) o compromisso público com um protocolo comum; b) uma ação conjunta dos órgãos integrantes desta rede; c) aumentar a eficiência e a coerência do sistema como um todo; e d) um ambiente livre e seguro. O documento lista sugestões de atribuições para as polícias Militar e Civil, a Defensoria Pública, o Ministério Público e a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. As medidas abrangem desde a garantia da proteção aos jornalistas até o estabelecimento de protocolos na busca judicial da responsabilização.
“Nosso trabalho na Secretaria de Justiça e Direitos Humanos só terá chance de dar certo na medida em que a gente constitua com a sociedade uma agenda. E a imprensa é uma peça fundamental”, declarou o secretário da SJDHDS, Felipe Freitas. “Nós temos um compromisso com a imprensa baiana. Vamos atuar na articulação de uma agenda governamental com foco na defesa dos direitos dos jornalistas.”
ABI e Sinjorba se comprometeram a fazer a relatoria da audiência, incorporar modificações ao plano de ação, para remeter às instituições participantes já na manhã desta quarta (1º). Está programado para o mês de março o lançamento oficial da Rede de Combate à Violência contra Jornalistas.
Realidade perigosa
Moacy Neves, presidente do Sinjorba, apresentou o relatório “Violência contra jornalistas e liberdade de imprensa”, divulgado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). O documento revela que 2022 registrou 54 casos a menos que os 430 apurados em 2021, ano recorde, desde o início da série histórica dos levantamentos feitos pela Federação. Neves, no entanto, foi categórico ao destacar que “a redução da estatística esconde uma realidade perigosa”. Ele destaca que, no cenário baiano, o número de casos de violações dobrou, passando para 14 em 2022.
Já neste início de 2023, dois registros em Salvador chamaram a atenção de entidades representativas dos profissionais da imprensa. No dia 11 de janeiro, uma equipe da TV Aratu foi hostilizada durante cobertura de manifestações de extrema direita, na Barra. A jornalista Priscilla Pires e o cinegrafista Davi Melo foram abordados por um homem, que passou a ameaçá-los. Menos de uma semana depois, no dia 16, a jornalista Tarsilla Alvarindo, o cinegrafista George Luiz e o auxiliar Marcos Oliveira, da RecordTV Itapoan, cobriam um acidente de trânsito, na Avenida Orlando Gomes, quando foram atacados e impedidos de continuar a reportagem.
Durante a audiência, a jornalista Tarsilla Alvarindo comentou o clima de ódio disseminado contra profissionais de mídia, materializado em ameaças e agressões. E chegou a revelar que não teve suporte da Polícia Militar no momento da violência, o que causou forte indignação na equipe. “Eu apareço na televisão, mas não sou artista. Eu estou prestando um serviço. Não aceito ser tratada com violência”, reiterou.
“Não existe democracia sem imprensa.”
Coronel PM Valter Menezes
Atento ao depoimento da repórter, o coronel Valter Menezes fez uma retratação. “Somos uma instituição que vai fazer 200 anos. Temos uma parceria muito boa com a imprensa. Venho pedir desculpas pela omissão. Perdoe a nossa corporação por essa ação. Esse fato será levado ao nosso comandante geral, coronel Coutinho”, assegurou. Menezes, que atuou como diretor de Comunicação da PM, elencou ações da instituição no sentido de melhorar a relação com a imprensa. “Não existe democracia sem imprensa. Assim nós pensamos”, concluiu.
Para Moacy Neves, a audiência reuniu diferentes fatores que podem atuar tanto na prevenção como na punição aos agressores. “Ela foi preparada como audiência de trabalho, não somente de exposição ou de debates sobre o problema. Eu acredito que podemos ter alguma efetividade”, disse o jornalista, com otimismo. Neves celebrou “o comprometimento dos representantes das instituições, tanto as de segurança como as de justiça e de assistência judiciária”. Segundo ele, isso será importante para garantir os pleitos apresentados, em especial, o de defesa e proteção do trabalho da imprensa.