A praça Manuel Leal e um
jardim chamado Impunidade

Manhã chuvosa de quarta-feira, 14 de janeiro de 2009.
Daqui a pouco virá a tarde e depois virá a noite. Talvez seja uma noite de luar intenso, com estrelas brilhando no céu.
Uma noite iluminada, como aquela noite de 11 anos atrás, quando o sangue de um guerreiro ofuscou o brilho das estrelas e cobriu de vergonha uma cidade inteira.
Aquela noite!
Os anos passam, a vida segue seu curso natural, o tempo transforma o que era dor em saudade. Porque a dor passa, mas a saudade permanece.
E imensa é a saudade de quem conviveu intensamente com Manuel Leal, figura fascinante, gênio indomável, anjo e demônio, capaz de tudo em sua paixão ensandecida pelo jornal A Região, que foi a sua razão de viver. E de morrer.
Uma noite especialmente iluminada, uma rua tranqüila num bairro discreto da periferia de Itabuna, uma Silverado branca, dois homens dispostos a cumprir as ordens que lhes foram dadas, seis tiros certeiros e fatais, um corpo estendido no chão, a fuga sem nenhum policial para importunar, embora o crime tivesse ocorrido no curto espaço entre o Complexo da Polícia Civil e o Batalhão da Polícia Militar. Parece o “trailer” de filme de ação. Mas foi dolorosamente real, naquela distante noite de 14 de janeiro de 1998.
Manuel Leal, um dos mais brilhantes, combativos e controvertidos jornalistas da história da imprensa grapiúna, era vítima de um assassinato brutal, encomendado por aqueles que ele combatia com um destemor que beirava a insanidade.
Seis tiros. Pá, pá, pá, pá, pá. E pá.
O revólver todo descarregado, ainda que uma única bala fosse suficiente para matá-lo. A uma ação de matador profissional, somou-se um ´modus operandi´ mafioso de seus algozes. Não bastava apenas matar Leal, era preciso reforçar a brutalidade da eliminação física para que, naquele que talvez tenha sido o único e grande equívoco dos mandantes do crime, provocasse o fechamento do jornal. A Região (Deus, Marcel Leal, Flávio Monteiro, Davidson Samuel, Ailton Silva e uma turma de batalhadores sabem lá como) sobreviveu à barbárie que vitimou seu idealizador.
Manuel Leal, dos furos de reportagem, das manchetes de antologia, das malhas grossas e finais impagáveis, quando não irresponsáveis.
Manuel Leal, do humor cortante, da fina ironia.
Manuel Leal, dos amigos que não tinham defeito e dos inimigos momentâneos ou permanentes, que quando não tinham defeito ele os inventava.
Manuel Leal, do coração cambaleante, batendo graças ao milagre da cirurgia cardíaca, mas de uma generosidade gigantesca.
Manuel Leal, dos pecadilhos, que o tempo trata de diluir e dar a dimensão de um nada, diante da imensidão de suas virtudes.
Manuel Leal, que apesar da truculência de seus algozes, que tentam lhe infligir uma morte infinita, virou nome de praça, no local onde plantou a sede do seu jornal e onde passou sem saber (será que não sabia?) os derradeiros momentos de sua vida.
A Praça Manuel Leal.
Que, por um desses absurdos que tornam sua morte ainda mais dolorosa, poderia ter um jardim chamado Impunidade, em que, em vez de flores, se cultivassem espinhos.
11 anos depois, mandantes e assassinos continuam soltos. Uns nem foram incomodados, outros passaram por “júris de mentirinha” e/ou foram beneficiados pelas brechas de leis que parecem existir para punir apenas e tão somente a vítima.
Parou de chover. Um sol tímido brilha no céu.
À noite, ao contemplar o infinito, talvez entre os milhões e milhões de astros e estrelas dê pra ver o brilho e a luz do meu “velho Capo”.
O eterno Manuel Leal!