WebtivaHOSTING // webtiva.com . Webdesign da Bahia
hanna thame fisioterapia animal

prefeitura itabuna sesab bahia shopping jequitiba livros do thame




Daniel Thame, jornalista no Sul da Bahia, com experiência em radio, tevê, jornal, assessoria de imprensa e marketing político danielthame@gmail.com

outubro 2008
D S T Q Q S S
 1234
567891011
12131415161718
19202122232425
262728293031  


:: 9/out/2008 . 16:05

CUBA, A ILHA DE FIDEL E DOS CONTRASTES

Cadê a Biafra que deveria estar aqui? A julgar pelo que se lê e o que se ouve sobre essa ilha de 11 milhões de habitantes, apertada entre o Golfo do México e o extremo oriental da Flórida, o mínimo que se deveria encontrar ao desembarcar no aeroporto José Marti seria uma legião de esfomeados e um país caindo aos pedaços.

Cuba, a Meca do que restou do socialismo mundial e a pedra no sapato do “Gigante Americano”, certamente não é o melhor dos mundos, nem aquele lugar onde se gostaria de passar o resto da vida. Mas está longe de ser o inferno apregoado pela mídia.

“No es facil”, dizem os cubanos, com certa resignação. Não é fácil, certamente, suportar quase cinco anos de racionamento de alimentos, de roupas, de combustíveis, de energia elétrica. O tal ´período especial´. Como não é fácil entender como, a despeito de tantas dificuldades e de um bloqueio sufocante imposto pelos Estados Unidos, existe um povo que vai tocando a vida e driblando os problemas com criatividade e uma imensa capacidade de improvisação.

DOIS PESOS- A Biafra já foi deixada de lado. Ou quem sabe, abaixo do Trópico, num país de 130 milhões de habitantes que fala português. O que vamos encontrar em Cuba é um festival de contrastes, com situações que desafiam qualquer lógica. Havana, a capital da ilha, é a síntese de tudo. São cerca de dois milhões de habitantes na área metropolitana, vivendo dois mundos distintos e ao mesmo tempo interligados entre si.

Essa situação quase inverossímel, que se estende às outras cidades de Cuba, foi criada a partir da abertura para o turismo, na década de 80. O governo criou uma ilusória paridade entre o dólar americano e o peso cubano, na base do 1/1. É o que os cubanos chamam de peso virtual, que só vale para os turistas. No peso real, válido para os cubanos 1 dólar é cotado entre 40 e 60 pesos.

Tomando-se por base essa cotação, os salários dos cubanos variam entre 5 e 8 dólares por mês. A guia turística Miurca, que fala inglês, alemão, português, russo e castelhano (além disso, é licenciada em literatura russa), ganha o equivalente a seis dólares por mês. Imagine-se, portanto, a felicidade com que ela, ao final de uma excursão de uma semana, recebeu cerca de 300 dólares coletados entre os participantes do Vôo da Solidariedade, que saiu de São Paulo e passou por Salvador, levando um grupo de bancários, professores, estudantes, políticos e este jornalista.

A crise fez brotar, primeiro espontaneamente e depois incentivada pelo Governo, uma economia de mercado que parece incontrolável. Em Havana já existem mercados comercializando verduras, legumes, frutas, etc. Os preços estão no meio do caminho entre o peso real e o peso virtual e a própria lei da oferta e da procura tem se encarregado de ajustar as coisas.

TAXI-DRIVER- Outra saída é o que aqui chamamos de ´bico´. Durante o dia, Rafael, 56 anos, e seu filho Ricardo, 32, trabalham no restaurante de um dos mais charmosos hotéis de Havana, o Inglaterra. À noite, transformam o velho Chevrolet 1956 num táxi. O preço da corrida varia entre 3 e 5 dólares. Ninharia para nós, uma fortuna para eles. O trabalho no restaurante também facilita a obtenção de comida no mercado negro. Numa das viagens que fizemos entre Habana Vieja e Vedado (cerca de 20 quilômetros de distância, 5 dólares a corrida), Rafael, que usa uma boina a la Che Guevara e não tira o charuto da boca, perguntou se poderia passar em alguns lugares antes de chegar ao hotel. E passou em três casas, todas de familiares, deixando providenciais sacolas de comida. “Está difícil, mas o pior já passou”, diz Rafael, com a concordância do filho.

Quem não tem dinheiro para recorrer ao mercado negro, tem que se conformar com alimentos alternativos. Em Cuba, existe a Libreta de La Nutricion, uma espécie de caderneta que garante a alimentação básica. Os alimentos são fornecidos de acordo com o número de pessoas de cada família. As quantidades são mínimas e é preciso fazer mágica para ´esticar´ a duração dos produtos. Dona Rafaela Detresse, 63 anos, mora num antigo prédio em Habana Vieja. São 14 pessoas, entre filhos, netos e genros. Em 15 dias, os mantimentos acabam. Ai o jeito é recorrer ao ´chicaro´, uma pasta verde de altíssimo poder nutritivo, mas de sabor repugnante como a soja. Junto com o ´chicaro´, o feijão.

Fome, como a que milhões de brasileiros passam, os cubanos desconhecem. O problema é que comer não é apenas uma questão de consumir proteínas, mas de ´olhar´. E aí eles têm que aprender a comer de olhos fechados. “Mas vai melhorar”, aposta Rafaela, enrolada num velho lençol para suportar o surpreendente frio de 14 graus, uma raridade em Havana. Blusas? Cada cubano tem direito a um conjunto de roupas. Por ano!

CONQUISTAS- Fidel Castro (“El Comandante”, “El Jefe”) é tratado com respeito, mas sem idolatria. Mesmo em ´período especial´ e com todo o sacrifício a que o povo vem sendo submetido, há um sentimento quase generalizado de gratidão pelo que Fidel fez por Cuba. Para não parecer que a afirmação tem cunho ideológico, nos baseamos numa pesquisa feita pelo respeitável Instituto Gallup e publicada em jornais do México, Argentina e Colômbia.

Na pesquisa, a maioria da população aprova a atuação do Governo e aponta como principais destaques a saúde e a educação. A aprovação a Fidel pode parecer um contra-senso para quem passa o que os cubanos estão passando. Ou uma constatação de que poderia ser pior sem as chamadas conquistas do socialismo. O que se avançou, com todos os problemas visíveis e impossíveis de ignorar não é pouco num país que antes da Revolução era um misto de cassino e bordel dos Estados Unidos.

SONHO DE LIBERDADE- Reclamações contra o regime (o nome de Fidel raramente é mencionado) se ouvem em vários pontos de Havana. Os cubanos se aproximam, puxam conversa e se percebem que a pessoa está disposta a ouvi-los, falam. E como falam! As enfermeiras Norca, 20 anos, e Carmen, 22, estão sentadas num jardim em frente ao Palácio de Artesanato. Tem nas mãos um exemplar em espanhol do Miami Herald. É propaganda pura contra o regime, financiada pelos cubanos exilados na Flórida.

Norca reclama que “os turistas tem tudo e o povo fica com o resto”, lembrando que pela Libreta não vem sabão há seis meses, manteiga há três e carne bovina há um ano. Carmen fala da falta de liberdade. Tão logo nos afastamos das enfermeiras, dois policiais se aproximam delas para saber o que estavam conversando com um estrangeiro. Essa situação se repetiu várias vezes, sem locais diferentes. Ressalte-se que, pelo menos à nossa vista, ninguém foi detido. “É apenas para evitar que fiquem pedindo coisas para vocês”, esclareceu um dos guardas. Nada que lembrasse a terrível policia política, dos tempos em que o regime era mantido a ferro e fogo.

Não é à toa que a palavra mais em voga hoje em Cuba é concessão. Afinal, um país que precisa desesperadamente de dólares tem mesmo é que fazer concessões. E é através do turismo, com suas vantagens e desvantagens, que Cuba está se abrindo. No que isso vai dar, ninguém sabe. Talvez nem Fidel, El Viejo Comandante.

(nas próximas reportagens, os contrastes de Havana e a opção pelo turismo; a saúde e educação preservadas a qualquer preço; mercado negro e prostituição,os malucos geniais que batem recordes de produtividade e a onipresença de Che Guevara na terra onde ele virou lenda e se tornou eterno)





WebtivaHOSTING // webtiva.com.br . Webdesign da Bahia