:: ‘ADPF 347’
A defesa da liberdade nunca se apequena
Por Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay*
Quando o Supremo Tribunal Federal, numa quarta-feira modorrenta [5 de outubro de 2016], julgando um habeas corpus, que é essencialmente um processo da defesa, sem sequer ter sido feita sustentação oral, teve a ousadia de afastar o princípio constitucional da presunção de inocência, a comunidade jurídica, os operadores de direito, na sua esmagadora maioria quedou-se perplexa.
Sob o aplauso da grande mídia e de boa parte da população que acreditou na divulgação daquele resultado como sendo uma forma de combate à corrupção, como se fosse uma tentativa quase heroica do Tribunal de colocar fim à impunidade do país, de dar uma suposta efetividade à lei penal, podemos observar que o Supremo, naquele momento, foi muito além do que poderia ter ido. O Supremo Tribunal Federal pode muito, mas não pode tudo. Nenhum poder pode tudo. Nenhum Poder pode ser absoluto. Essa é uma regra básica do estado democrático de direito que faz com que os poderes constituídos se relacionem de forma harmônica, com respeito mútuo, e essa estabilidade que muitas vezes anda no fio da navalha é que sustenta a fortaleza das instituições de qualquer país.
Na realidade, naquele momento o Supremo Tribunal Federal ocupava um vácuo de poder. Tínhamos um Poder Legislativo combalido, acuado, sem maiores condições de fazer o enfrentamento do verdadeiro massacre que era a grande investigação que se dava sobre os seus principais líderes, e o Poder Executivo sem nenhuma conexão com a população, sendo que essa é a base do Poder Executivo, que é eleito pelo voto direto.
Como não existe vácuo de poder, o Poder Judiciário passou a ocupar na sociedade brasileira um enorme espaço, desequilibrando a balança da tripartição de poderes. Um espaço que, sem dúvida, através do extremo ativismo judicial, não deveria ser ocupado por ele.
Desde o primeiro momento, corri o país fazendo palestras e chamando as pessoas para uma reflexão: se naquele julgamento o Supremo Tribunal Federal pôde – sob os holofotes da grande mídia e sob o aplauso da grande maioria da população, que acreditou na história de que esse era um julgamento para fazer o enfrentamento da corrupção, da impunidade – afastar a aplicação de uma cláusula pétrea, que era o princípio da presunção de inocência, numa outra quarta-feira qualquer o Supremo Tribunal Federal poderia afastar a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a propriedade particular, a dignidade da pessoa humana, ou seja, qualquer outro direito que estivesse no mesmo patamar.
O que também me causou profunda preocupação é – e com a devida vênia – a falta de coerência no julgamento dessa questão do afastamento da presunção de inocência. Há muito pouco tempo atrás o Supremo havia feito um julgamento histórico na ADPF 347, onde condenou o Estado brasileiro pelo “Estado de Coisas Inconstitucional”, demonstrando para o país inteiro a sua preocupação com a miserabilidade, com a situação de flagelo institucional que se abate sobre os presídios brasileiros e, principalmente, é evidente, sobre aqueles que têm o infortúnio de ir para o cárcere.
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