Débora Spagnol

debora 2As relações interpessoais sofreram ao longo do tempo as influências da tecnologia. Do inicial contato exclusivamente físico, evoluiu-se para as cartas, telegramas, telefonemas, fax, vídeos, redes sociais, teleconferências, entre outros.

Porém, ao mesmo tempo em que abrem um leque de possibilidades de aquisição de conhecimento, aumento da rede de contatos pessoais e profissionais de forma barata, simples e rápida, as redes sociais podem levar a excessos – não são raros os casos de viciados em celulares e computadores, que abrem mão dos relacionamentos pessoais em favor dos virtuais.

Além disso, a vaidade e a necessidade de autoafirmação fazem com que as pessoas renunciem à própria privacidade em troca de ´likes´ e da ilusão de aceitação. A vida pessoal muitas vezes é exposta por desejo do protagonista, mas em muitos momentos pode também ser objeto de vários tipos de violação, que resultam nos chamados “crimes cibernéticos”.

Em 1981, o filósofo Jean Baudrillard (na obra “Simulacros e Simulação”), já disse que o mundo no espaço virtual é uma simulação de realidade, chegando, às vezes, a um simulacro. A reflexão do filósofo deu-se exatamente sobre a mudança do comportamento ético e moral na modernidade que, sendo indispensáveis em qualquer forma de interação, foram reconstruídos por intermédio das relações pessoais.

A busca constante por ´likes´ e popularidade nas redes sociais pode levar os indivíduos a camuflar ou falsificar, além do seu gosto musical ou culinário, características mais importantes e que influenciam diretamente nas relações interpessoais, como personalidade e caráter.

Neste sentido, personalidades mais volúveis podem abrir mão, em nome da popularidade, de valores íntimos como a privacidade, chegando até mesmo à exposição do corpo, o que se dá através da divulgação de vídeos e imagens dos protagonistas em trajes indiscretos e em cenas de intimidade. Quando as imagens e vídeos são expostos pelos próprios protagonistas nas páginas que mantêm em redes sociais, subentende-se que houve a renúncia à privacidade em nome de um bem que lhe parece maior: a aprovação virtual, não decorrendo daí nenhum crime.

Porém, as novas situações vivenciadas no dia-a-dia do cidadão necessariamente levam a uma maior reflexão do direito, enquanto norma de regulação das relações sociais. Assim, da interação entre o indivíduo e os conceitos de democracia, liberdade, privacidade e ética, tem-se que a sociedade de informação é o novo campo de reflexão do jurista contemporâneo, sendo necessária a fixação de um norte para a regulamentação de condutas.

É justamente o direito penal  – que se utiliza dos conceitos clássicos da culpa, do dolo e da aplicação da pena – que tem força considerável para punir o sofrimento e aflição causados pelos chamados “crimes cibernéticos”, na medida em que os mesmos constituem afronta a uma séria de bens jurídicos como a honra, o patrimônio, a privacidade.

Destaque-se que a expressão “crime cibernético” envolve uma gama muito grande de condutas, podendo assumir muitas formas e ocorrer quase em qualquer hora e lugar.

Os criminosos usam métodos diferentes segundo suas habilidades e objetivos, englobando delitos que vão de atividades criminosas contra dados até infrações de conteúdo, ´copyright´, fraudes, acessos não autorizados, pornografia infantil e ´cyberstalking´(assédio na internet), além de disseminação do ódio racial.

Sob a óptica da psicologia criminal, interessante observar que o perfil dos criminosos cibernéticos é composto por sujeitos que se acreditam imunes à punição e menos culpados e culpáveis, já que na maior parte dos crimes não possuem contato com a vítima.

Embora os crimes de internet tenham surgido por volta dos anos 60, somente passaram a ser vistos como objeto de estudo a partir da década de 80, com a convicção de que as vítimas não são violadas somente nos âmbitos econômico e patrimonial, mas também em bens jurídicos personalíssimos, como honra e privacidade.

Não obstante a prática dessa espécie de crime aumente de forma assustadora com o advento de novas e avançadas tecnologias, a conduta ainda é pouco punida, eis que a maioria dos casos não é relatada, impossibilitando à autoridade administrativa o registro e ao Judiciário a punição dos criminosos.

Embora já seja possível o registro de boletins de ocorrência na internet, são escassas as equipes de profissionais preparados para a investigação imediata de um crime virtual.

Para punir os crimes cibernéticos, o Brasil criou um arcabouço jurídico próprio que, apesar de ainda incompleto, visa punir a lesão ou ameaça aos direitos daqueles suscetíveis aos crimes cibernéticos.

Algumas condutas podem ser punidas com a simples aplicação do Código Penal em vigor. Entre elas: As ações de ´hackers´ e fraude na internet para utilização de conta bancária alheia – configuram o crime de estelionato – art. 171, do Código Penal;  transações bancárias fraudulentas – podem caracterizar o crime de furto qualificado – art. 155, parágrafo IV, inciso II, do CP; crimes contra a honra – enquadram-se nos delitos de calúnia, injúria e difamação ou Lei Maria da Penha, quando havia ou há relação de afeto entre vítima e criminoso; pedofilia e pornografia infantil – condutas punidas pela aplicação do art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Além disso, foram recentemente criadas duas leis cujo objetivo principal é punir as condutas socialmente reprováveis e relacionadas ao crime informático.

Há a Lei nº 12.735/2012, que caracteriza como crime informático ou virtual os ataques praticados por ´hackers´ e ´crackers´, em especial as alterações de ´home pages´ e a utilização indevida de senhas, além de punir quem usar dados de cartão de crédito na internet, sem autorização do proprietário.

Já a Lei nº 12.737/2012, mais conhecida como ´Lei Carolina Dieckmann´, tipifica como crime uma série de condutas no ambiente virtual. Assim, invadir dispositivos como computador, smartphones e tablets de outra pessoa para obter informações sem autorização constitui crime com pena de detenção de três meses a um ano, além de multa. Nesse caso, a pena ainda pode ser agravada se a informação roubada causar algum prejuízo econômico.

Oportuna é a ressalva de que, seja qual for a forma de cometimento do crime cibernético, a rapidez da vítima na busca pela atuação judicial ou administrativa competente é medida que se impõe, ante a iminência do desaparecimento dos vestígios desta conduta delitiva, ou mesmo do próprio infrator, impossibilitando-se, muitas vezes, a apuração de responsabilidades.

Não se pode fugir da “realidade digital”: a rede é inclusiva, atinge todas as camadas sociais e abarca principalmente a liberdade do indivíduo que, muitas vezes, se quer livre das responsabilidades daí decorrentes. Assim, reprimir as condutas ilícitas no ambiente virtual, mantendo a intervenção mínima do Estado e priorizando a privacidade do cidadão comum talvez seja um dos grandes desafios da atualidade.