Afonso Dantas

 

Um pai perdeu uma filha. É triste. Um pai nunca deveria perder uma filha.

Confesso que não acompanhava muito a carreira de Preta Gil, mas era impossível não ver as coisas que ela fazia, pela exposição de mídia que tinha. E, coisa difícil para quem é filha de uma super estrela, como Gilberto Gil, conseguiu brilhar muito também. E ocupou seu espaço.

E nesse espaço teve bloco no carnaval do Rio, fez música, shows, atuou como atriz e empoderou muitas mulheres pelo país, quebrando tabus, como a exposição do corpo fora dos padrões estabelecidos e também pelos discursos em defesa das minorias e da liberdade sexual. Com isso, ganhou seguidores, mas incomodou muita gente, pois quem brilha, incomoda, pois não é todo mundo que se acostuma com a luz.

Mas, ao contrário da carreira de Preta, sempre acompanhei com muito interesse a carreira de um dos maiores gênios da música de todos os tempos, Gilberto Gil. Conheço quase todas as suas músicas e admiro suas incursões por tantos gêneros musicais, como a mpb, o reggae, o funk (o verdadeiro), o rock e o reggae, sempre com muita qualidade e com sucessos que fazem parte de nossa vida.

Quem é da Bahia, de uma certa faixa etária e principalmente quem viveu em Salvador, considera Gil – E Caetano também – como uma espécie de parente que sempre esteve ali por perto e que nos representa. E mexer com qualquer um deles é como mexer com a gente. E quem acompanha Gil, acaba acompanhando sua grande e talentosa família. Seus filhos e netos que herdaram o talento do pai e avô. E mexer com eles, incomoda nosso Gil. E por isso também não gostamos que mexam com eles. Não venha não.

Mas porque falar de Gil, se quem se foi, foi Preta, sua filha? Natural. Por também ser pai de uma filha, que amo mais que tudo, estou sentindo a dor da perda do pai. A dor inimaginável e temida por todos os pais. A dor que já foi sentida por Gil em outra etapa da vida com a perda de Pedro, aos vinte anos, de forma trágica, porém rápida, em contraste com essa perda cheia de sofrimento, com a despedida devagar e extremamente dolorosa de sua filha Preta, aos cinquenta anos.

Gil é extremamente espiritualizado e acompanhamos aflitos, como ele tentou preparar sua filha e sua família para a triste, mas inevitável despedida, dizendo para ela ir com calma, tranquilidade e sobretudo com fé, tentando conter uma dor que com certeza, explodia em seu coração de poeta, sempre mais sensível que os dos outros.

E a música “Drão” é bastante representativa sobre essa vida, essa relação de então amor dos pais de Preta, e essas dores, principalmente quando Gil fala que “os meninos são todos sãos” para Sandra, cujo apelido Drão, batiza essa que é uma das músicas mais bonitas que já ouvi, mas que em outro momento da vida, alguns desses meninos já não se encontram mais entre eles, o que é uma dor terrível para os pais, pois contraria o caminho natural da vida.

E Drão foi a música escolhida para a despedida musical de pai e filha no palco, emocionando a todos nós. É duro ver o velho mestre nessa dura caminhada, sabendo que vai levar essa dor pela vida afora. Mas a vida segue. E o show tem que continuar Força para Gil. E luz para Preta.

 

 

Afonso Dantas é publicitário, sócio e diretor de criação da Camará Comunicação Total, CEO da Lá ele! Camisas e Coisas, Especialista em Gestão Cultural, membro da AGRAL, torcedor do Bahia e pai de Maria.