
Lembrança do Café Cacau
Cléber Isaac Filho
Uma lembrança especial que carrego no coração é a criação do Café Cacau em 1999. Ele funcionava como bar, espaço cultural e ponto de encontro da cidade. A decoração remetia a um armazém do interior, com um pinguim em cima da geladeira e o clássico cartaz de “fiado só amanhã”.
Em contraste, a gastronomia era moderna, com drinks sofisticados feitos e servidos por jovens descolados. Muitos encontros e desencontros marcaram o lugar, incluindo a memorável “Jam Session” do baterista da Legião Urbana com a banda de reggae Dread Lion.
O Café Cacau era um local onde surfistas, nativos, empresários, artistas e figuras excêntricas se reuniam. Um casal que sempre lembro dessa época é Vitória e Maurício. Ele, um negro, trabalhava como barman, e ela, branca, sempre o esperava curtindo na mesa e ouvindo a música ao vivo.
Em uma dessas noites, Vitória estava na mesa curtindo o som quando um grupo de cariocas no estilo “Bad Boy” chegou. Com tatuagens de Pit Bull, orelhas amassadas e cabeças raspadas, eles começaram a se comportar de maneira inconveniente. Percebi que iam importunar Vitória, a única mulher desacompanhada.
Maurício, um capoeirista de 1,80 m, também percebeu e ficou pronto para intervir. Um anjo de sabedoria me inspirou, e pensei rápido. Fui até Maurício e pedi para ele manter a calma, que eu cuidaria dos “Pit Bulls raivosos”.
Chamei o delegado Ricardo e pedi para ele sentar próximo, avisando que uma ocorrência estava para acontecer, não de violência física, mas de racismo. Conheço gente, e sabia o que iria ocorrer. Não deu outra. Quando os caras começaram a importunar Vitória, falei para Maurício se aproximar e apenas dizer que era namorado dela.
Como esperado, eles proferiram injúrias raciais contra Maurício. Na hora, o delegado deu o flagrante. Na delegacia, um dos agressores pediu desculpas, chamando Maurício de “Seu Maurício” e até mencionou que adorava a raça negra e pensava em adotar uma criança negra. No dia seguinte, eles foram embora da cidade.
Essa história parece um filme, mas é real. Dedico essa memória aos filhos do casal, que 25 anos depois ainda estão juntos, e à Polícia Civil da Bahia.