Warapuru, uma epopéia em Itacaré
Cléber Isaac Filho
O ano 2005 se mostrava com o inicio de um ciclo virtuoso para Itacaré como destino turistico, em especial pela expectativa de implantacao do Warapuru, que seria o primeiro seis estrelas do Brasil.
Esse momento fica claramente documentado pelo estudo e plano de turismo realizado nesse ano, mas denominado Itacaré 2015; justamente para dar essa noção de visão de longo prazo.
O estudo foi realizado pela HVS Consult em conjunto com Instituto de Turismo e Prefeitura; mas que buscou envolver o maior numero de entidades possível, tendo como foco elementos de sustentabilidade do que hoje se chama usualmente de ASG (Ambiente, Social, Governança).
Como falei os elementos estavam postos para o sucesso :
– Empreendor capaz e motivado
– Fundos de investimento acreditaram e aportaram na companhia US$ 90 milhoes de dólares ( para projeto Itacaré e outros no nordesde)
– Mercado de turismo e segunda residência bombando naquele momento (bombando até demais porque em 2008 explodiu crise subprime)
Os passos burocráticos para implantação estavam descritos de forma clara, pois a APA (área de proteção ambiental) Serra Grande Itacaré já tinha recebido para licenciar e aprovado 02 empreendimentos de mesmo porte; Txai e Villas de São José que já estavam operacionais a 5 anos, tendo sido licenciados no final dos anos 90.
O que poderia dar errado então…
Bem como sabemos, um avião não cai só por um motivo – mas quando se somam vários, e duas frases que aprendí com meu pai, Engenheiro Cleber Isaac Souza Soares que tem respeitável “Curriculum” de grandes obras foram :
” É fácil ser engenheiro de obra pronta “.
” Quem sabe faz, quem não sabe ensina”
Posto isso, repito :
As próximas linhas não se propõem a ser um diagnóstico !
Coloco apenas e tão somente; um relato de quem foi testemunha ocular de um evento que tem vários pontos de vista, o ponto de vista do empreendedor, dos investidores, do Ministério Público, dos funcionários, da comunidade local, ativistas ambientais, Governo do Estado.
Nessa “fila do pão” sou apenas aquele que estava do lado de fora da padaria comendo uma broa, e tendo uma visão privilegiada dos eventos, que agora relato por dois motivos :
1. Mesmo sendo apenas o meu ponto de vista, com certeza subsidiará reflexões para empreendedores e demais atores em situações similares em especial no segmento turístico imobiliário de todo o Brasil;
2. Passados 10 anos do clímax dos eventos, já começam a aparecer histórias tão malucas sobre o tema, que espero sejam arrefecidas com esse meu relato (até dizer que a praia chama engenhoca porque tem a obra parada, eu já ouvi)
Vamos aos fatos (que com certeza vão deixar vários chateados com minhas indiscrições) :
Após alinhamento com o proprietário do terreno, o empresário busca um escritório de arquitetura para desenvolver o projeto, e escolhe o escritório de Anouska Hempel, uma designer inglesa.
Anouska é a designer do jet set londrino, caríssima, mas que não sabia distinguir um côco verde de um côco seco (relato informal que ouvi na época por um arquiteto brasileiro que estava no projeto, e quando ler vai me agradecer por não dizer quem foi).
Ela criou um conceito de implantação que mesmo seguindo os parâmetros da APA ( ocupar apenas 7% da área total), fica visualmente impactante, como ela disse em entrevista ao Estado de São Paulo o projeto tem visão ” influenciada pelas culturas maia e egípcia “.
Ou seja não tinha a alma de um projeto que deveria se “mimetizar” na floresta, algo que o Txai fez tão bem e que deveria servir de exemplo, os excelentes arquitetos brasileiros envolvidos como Bernardes+Jacobsen, Cassia Cavani, Eduardo Leite podiam apenas remediar o conceito e premissa inicial elaborado por Anouska.
Ela errou em criar um elemento visualmente explícito e nao camuflado, em especial do corpo principal que fica no ponto mais alto e que se destaca por um vão livre com mais de 20 metros de extensão, quase um MASP.
Agora se você tá ficando visualmente impactado só com a descrição, imagine os surfistas que frequentavam todo dia a Engenhoca desde os anos 80 (desde que o pioneiro do Surf Ronaldo Fadul, aquí aportou), eles tem o ponto de vista do mar, se imagine na linha de preamar vendo as obras.
Aí começa o ponto de vista de uma comunidade que valoriza o natural, tem espírito de comunidade, e foram os primeiros a inserir Itacaré no mundo do turismo – SURFISTAS…
Nesse ponto cabe ressalva, o projeto só iniciou as obras com todas as suas licenças ambientais de âmbito federal, estadual e municipal.
Porém faltou no processo mais transparência junto á comunidade, trazer para junto de sí a sociedade civil organizada, Itacaré naquele momento tinha mais de 50 associações ativas ( Comerciantes, Surf, Capoeira, Marisqueiras, rural, etc ), mas que só foram contatadas quando começaram conflitos sobre a obra.
Como o tema é polêmico precisaria uma gestão de risco que hoje em dia as construtoras ,que sabem o que é ASG, fazem até em obras urbanas, antes de começar uma obra busca os moradores vizinhos e avisa que lá vai ter barulho de 8 ás 18, vai ter poeira, etc mas se tiver algum problema ao invés de “chamar a polícia” ligue para o SAC da empresa.
Como dizia o sambista “pisar nesse chão devagarinho “…
E por fim os surfistas que frequentavam a praia além do impacto visual da obras em si, tiveram o impacto de um tapume na faixa de marinha e o impedimento de acesso por uma trilha que eles usavam tradicionalmente.
Essa foi a fagulha perfeita para uma reação em cadeia, começou avalanche de denúncias.
Apesar de amar Itacaré, o empresário não morava aqui, quem ficava como responsável era o gestor de hotelaria que depois iria tocar o projeto.
Excelente hotelier, mas sem experiência em mobilização comunitária, que tinha comunicação interpessoal típica e antipática de um gerente de luxo (ele é argentino mas tem sotaque francês).
Sotaque e estilo blasé, não funcionam quando precisa se comunicar com fiscal do Ibama, Presidente da Associação de Surf ou vendedores de praia (isso não é elogio nem crítica é fato).
Por outro lado o empreendimento seguia de forma técnica dando todas as informações ao conselho gestor da APA, aberto para visitas (as quais tenho acesso a relatórios de visita por serem públicos); Fabio Coppola biólogo, fotógrafo, surfista, atualmente corretor de imóveis, participou de pelo menos uma dessas, pode ser testemunha do que ora relato.
Mas esse burburinho, associado ao fato que o licenciamento tinha sido feito sobre 49,9 hectares ( se fossem 50 hectares o estudo teria um tramite burocrático mais longo e lento) e um decreto estadual de “interesse público” que segundo Ministério Público Estadual seria questionável, fizeram com que o órgão instaurasse Ação Civil Pública, visando revisão das licenças, e inicia-se uma seara jurídica com Ibama que culminou com embargo da obra.
No momento do embargo 80% da obra estava pronta.
Neste estágio, o Warapuru tinha 3 mil colaboradores, representava 35% da arrecadação do município, já tinha iniciado um programa de treinamento para capacitação e inserção da comunidade de Itacaré com cursos de inglês, governança, concierge, tudo para que o máximo dos 300 empregos diretos fosse absorvido por nativos da APA Itacaré Serra Grande.
Só de “quentinhas” duas pequenas empresárias de Itacaré faturavam juntas mais de 30 mil reais por dia, fora o mercadinho, ônibus eram 10 locados para transporte de funcionários ; comércio local aquecido pela base da pirâmide social;
Outro efeito positivo do Warapuru foi a inserção do destino em uma posição de destaque internacional que nem o Txai havia colocado ainda.
Dos cerca de 3 mil colaboradores, cerca de 1000 moravam em alojamento na obra, e quando perderam o emprego foram para a comunidade na entrada da cidade, chamada “Bairro Novo” que já sofria com problemas de infra estrutura e déficit habitacional
Essa busca desordenada por habitação gerou mais desmatamento e um forte impacto social pelo envolvimento dos novos moradores sem vínculos com a cidade, que geraram filhos e depois voltaram para suas cidades, deixando os filhos sem sequer registro.
Duas testemunhas ativas desse processo foram Dalmo Marques e Mestrezebra Ferreira Zebra, Dalmo inclusive organizou passeatas de apoio ao empreendimento, e pode deixar sua contribuição com sua memória viva dos fatos.
Após longo trâmite, recursos, etc, o Ministério Público Estadual, PGE, Ibama, chegaram em 2008 a um alinhamento.
O tripé da sustentabilidade, eu aprendi com o mestre Mario Mantovani do SoS Mata Atlântica em 1998 é :
SOCIAL – AMBIENTAL – ECONOMICO
Aos trancos e barrancos os dois primeiros foram suplantados, mas os eventos e crises de imagem geraram o seguinte cenário economico-financeiro do empreendimento :
1. Os investidores internacionais que entravam via Itacaré Capital Partners recuaram pela insegurança juridica do processo,
2. Os compradores das casas (fonte importante de financiamento da obra) pararam de pagar pela instabilidade,
3. O Banco do Nordeste que tinha feito aporte executou antecipadamente a dívida e não perdeu dinheiro ( tinha carta fiança do Banco Fibra que hoje é credor da massa falida ).
Um cenário de terror, pior do que do filme “O Iluminado”, aonde a comunidade, o empresário e o meio ambiente perderam, o Ministério Público fez o que lhe cabia “dura lex sed lex” ( A lei é dura mas é a lei).
O empresário que chegara no Brasil no início dos anos 2000 com humor de sambista baiano, foi perdendo o brilho, ar meio apático, mas tentou ao máximo colocar o projeto de pé, com a rede Aqua, com fundos especializados em investimentos stressados, lutou como um samurai, que prefere morrer com honra que viver sem honra.
Não o vejo a anos, mas entre tantas indiscrições que cometí aquí segue mais uma…
Diogo Canteiras líder da HVS Consult no Brasil estava com João Vaz Guedes na praia da engenhoca antes de tudo começar, e falou para ele :
” João, você sabe que aquí você não vai ganhar dinheiro ! O mercado de luxo no Brasil é muito incipiente…investidores vão ganhar, construtora vai ganhar mas você não !”.
João olhou para Diogo Canteiras (que está aí vivo para confirmar ou me chamar de mentiroso) e disse :
” A vida não é só dinheiro Diogo ! Vamos fazer história “.
Nota 01 : O Banco Fibra principal credor da massa falida tem capacidade de re-estruturar o projeto, a comunidade de Itacaré torce por isso, o trade turistico do Brasil torce por isso.
Nota 02:Esse texto também é homenagem a todos que sonham em empreender, lembrando que sempre devem “pisar nesse chão devagarinho”
Nota 03 : Apesar dos erros conceituais e falta de comunicação social no início da implantação; o empreendimento precisa estar funcionando para cumprir sua função social de gerar empregos, o impacto ambiental sobre menos de 10% da área total já foi feito; a comunidade de Itacaré e o trade turístico nacional se manifesta com veemência pela ativação do projeto; o que ficou claro pela repercussão desse texto.
A comunidade foi entrevistada para saber se realmente aprovam a obra e o funcionamento do Hotel?
Amei as citações e referências …. Lembro do dia como
Hoje q li em uma placa na estaca de eucalipto com fundo de uma tela perta onde até mesmo água do mar podia chegar na mare cheia : ….a cerca é para sua proteção! Kkkkkkk sem falar nos segurança alguns armados rondando a praia como q se fosse um banco central do outro lado da cuja cerca para proteção …. O fato é q o progresso tem dois lados fico na dúvida se escolheria essa realidade da praia da enjehoca hoje ou a q supostamente seria : pirâmide Maia e Egípcia !!! Mas outro fato : poderia e ainda poder ser muito bom.. Itacaré e um dos lugares mais bonitos do mundo… só não pode colocar arquitetos egípicios par faser o projeto !
Parabéns pelo texto top top !!!
Sim José…porque moro em Itacaré e estudo caso a anos até quem era contra hj é a favor
Pois é Caruso muitos erros